sábado, 11 de julho de 2009

CHEGOU CHUVA

Todo mundo aqui no Vale do Capão estava preocupado. Nunca tínhamos tido um São João tão sem chuva. Volta e meia era o comentário, na feira, na “rua” (é assim que designamos o aglomerado de casas com ruas calçadas que é a ‘sede’ do local), durante as consultas. Não há quem não perceba as mudanças climáticas. Principalmente os mais velhos. Certa vez conversava com o finado Anísio, homem de fina inteligência, sempre percuciente em seus comentários e ele me comentou que até a terra estava mudada. “Antigamente – dizia – a enxada entrava mais fácil na terra; agora ela é mais dura”. Para ele, o mundo humano estava mudando para melhor, pois que havia mais justiça hoje do que antes. Uma vez na feira (àquela época só tinha feira em Palmeiras), lhe disse que no quesito justiça social o mundo iria mudar. Ele me olhou assombrado com a minha falta de percepção e disse: “Aureo, você não percebeu não? Já está mudando”. E, em que pese a timidez dos avanços do Brasil quando se trata de melhorar as condições de vida, a realidade é que há muito de novo e melhor (embora inda muito a mudar). Como assinalam Celso Furtado (in Brasil, Construção Interrompida), Marco Aurélio Nogueira (As Possibilidades Políticas da Política), entre outros, ainda precisamos construir algo de novo nesta área, e esse novo passa pela participação das pessoas comuns na política. Os autores comentam que o Brasil sofre com os problemas do mundo moderno, sem ainda haver se libertado das enfermidades do passado. Somos acossados pelos resquícios do coronelismo, ao mesmo tempo em que flechados pelo desinteresse pelo setor público dada a hipertrofia do individualismo típico do mundo desenvolvido (entre outras coisas). Mas estava certo Seu Anísio, o mundo está mudando.
Mas o legal é que, apaziguando os corações a chuva veio, junina em julho, fina e gélida, penetrando os ossos da terra, amolecendo o chão, infiltrando as almas. Ontem de noite, tarde, Cybele, minha esposa, me telefonou pedindo para eu ir buscar ela no trabalho, lá na rua. Ela coordena o ICEP – Instituto Chapada de Educação e Pesquisa. Na terça-feira ela estava em Morro do Chapéu em um encontro maravilhoso com as comissões dos fóruns de educação das cidades da região. Nestes fóruns são eleitas comissões para acompanhar a realização das propostas (entre no site do ICEP, veja o link ao lado) para conhecer melhor este trabalho que é um marco na participação das pessoas em uma política sem politicagem. Na quarta-feira estava em Seabra, em uma reunião das mesmas comissões, mas com as cidades desta área. Quinta-feira foi a vez das cidades próximas a Itaberaba e ontem esteve em Lençóis, que está retornando a rede do Projeto Chapada, que labuta principalmente com foco em uma alfabetização que contribua para formar leitores e escritores proficientes. Ao retornar foi para a sede do instituto e lá ficou até tarde. São meros 4 quilômetros, mas com a chuva que transformou a estrada em uma gosma foi preciso que Zeca, um anjo de pessoa, motorista, trouxesse ela até a entrada de Lothlorien, no pé da ladeira que dá na casa de Formiga, enquanto eu esperava na parte de cima da ladeira. É que ontem um daqueles carrões que levam turistas, que parecem os jipes de antigamente, só que maiores, perdeu o controle na ladeira e bateu no barranco. Não dá pra subir, só descer e assim mesmo sem controle. Baldeamos as coisas para o nosso carro e ela pôde, por fim, chegar em casa. Noite e vento, a chuva era fina, mas espessa, folhas e telhados brilhavam prata enquanto pesava-lhes a água nas costas, Cybele subia a ladeira apoiada em minha mão o olhar cansado, mas sem perder aquele brilho/farol (sempre me impressiona a determinação do olhar de Cybele). Zeca com seu sorriso dado de homem bom, luz baça dos postes embrulhados pela chuva no vento, o olhar de Cybele firme como rochas sobre pés bambas na lama. O mundo está mudando e está com uma plasticidade resvaladiça como o chão do Vale nestes abençoados dias de chuva que revivem os tempos antigos quando chuva era o arroz de festa da gente que ora aguarda enquanto cria a passagem do amanhã.
Sinto e gosto que vivemos um tempo dos mais fecundos. Como será o que já foi e é desse jeito agora? Estamos todos atolados e contentes aqui neste pequeno lugar perdido (encontrado) no meio de um bocado de nada lá por cima das montanhas úmidas. As águas descem pelas encostas trazendo notícias de que por lá há mais. Mais do que? O futuro nos aguarda. Talvez seja melhor dizer que nós mesmos nos aguardamos no futuro. Nos guardamos para o futuro.
Em 11/7/09 recebam um abraço.

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