sábado, 21 de novembro de 2009

AMBIÇÃO

Escutei a chuva roçando o telhado à noite e despertei para o mato curvo, ostentando grossas gotas em suas pontas. Há tempos perguntei-me, em uma poesia, porque os garimpeiros saíam a revolver as serras, engrunar-se na terra, se o orvalho brilha como diamante à luz matinal. E é! Vero como luz, como pedras preciosas, pérolas, peças lapidadas por mãos invisíveis, diáfanas. Nós, humanos, somos seres ambiciosos e não vejo muito de demais neste fato. Pode ser em parte por isso que conseguimos sobreviver, continuar no tempo, enquanto outras espécies são agora memórias fosseis nas pedras silurianas, devonianas ou cambrianas. Quiçá nossa ambição tenha feito com que o presente seja repleto de confortos (às vezes excessivos). Digito e a letra brinca de existir na tela, impressionando meus olhos, impressionando-me a tecnologia. Ambição.
Ambiciono crescer ou ter em mais o que agora em menos sou ou tenho. Isso faz parte em parte do dom de ser gente humana e olhar os horizontes não como paredes, não como limites. Somos também o dom de ambicionar ir além.
Ambiciono o dom de estar presente em cada momento e comunicar-me com as situações, fatos, pessoas e coisas em assiduidade total. Ambiciono ter o olhar que penetre além de fótons, que alcance almas em diálogos. Ambiciono penetrar percucientemente o encontro de tal modo que um e um, mais que dois, sejam esse um que é o normal da verdade de que não há separatividade no final das contas existenciais. Ambiciono que esta seja uma trilha habitual onde não aconteça a habituação mecanizadora das relações. Ambiciono viver. Diria: Viver pleno, mas isto é redundância.
E que este ambicionar esteja revestido da lição que me deu o garimpeiro quando me disse que ao ir para a lavra cumpre querer, desejar, porém, sem querer ou desejar. Sabedoria daquela gente zen que lavra a si nas buscas mosteiriticas diuturnas, sabedoria de trapenses secularmente dedicados ao som do silêncio, sabedoria de um sujeito eiro e vezeiro nas trilhas ermas das serras deslavadas desta Chapada Diamantina. Ambiciono, portanto, não ambicionar. Ambicionando.
Quem sabe um dia possa ser eu um mestre da ambição. Tanto que dela não me sirva senão daquela forma negativa.
Diz uma história que Sidarta Gautama, o Buda, estando a meditar, dormiu. Ao despertar aborreceu-se porque dormindo perdeu a atenção. Deixou de estar com o ser posto no ato. Olvidou o existir. Claro que a história é falsa, porque sendo iluminado o Buda, não aborreceria de si. Não teria essa sisudez insensata. Mas a história não pretende ser a verdade e sim contá-la na mentira, que este é o dom das lendas. Sabemos. Ambiciono aquela atenção de Sidarta, mesmo que em mim algo me aquilata como muito menos que Buda, muito distante daquela competência plácida desta gente que soube visitar aquele lugar onde as fronteiras deixam de fazer sentido.
Perdido é o estado de todos nós quando desatencionamos de nós e do todo e este é o estado comum, lugar comum. Mas como me disse o garimpeiro, atento, sem atenção. Ou dito de outra maneira (como já em outro lugar coloquei) sem tensão.
A chuva brincou no dia de hoje com não apenas telhados ou folhas, colou-se dócil e fácil ao solo plástico e os caminhos ficaram uma coisa enquiabada. Às vezes olho os caminhos e sinto paz. É como se nada mais houvesse a ambicionar. A ambição que é a vida – que todo vivo quer viver – jaz em silêncio, enquanto o olhar descortina a paisagem luminosa, ainda que a noite chegue.
Em 18/11/09, Aureo Augusto.

Um comentário:

  1. Olá Dr Áureo

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