sexta-feira, 6 de novembro de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 11

TURNER E A VELHICE
Tenho um livro de Michael Bockmühl sobre o pintor inglês J.M.W. Turner. O subtítulo do livro é “o mundo da luz e da cor”. E esta frase define Turner, que pode ser considerado um precursor do impressionismo, movimento artístico que resultou em obras de beleza ímpar, centradas na observação e reprodução dos jogos de luz impressionando as coisas. Como também aprecio labutar com os pincéis, levo horas bebendo a luz presente nas ilustrações do livro. Turner foi um dos pintores mais extraordinários, não só pela sua enorme produção quanto pela qualidade e liberdade desta produção. Há pouco, lendo o livro de Paul Johnson, Os Criadores, descobri que as obras do grande pintor estão se deteriorando rapidamente. O processo de envelhecimento começou desde que foram pintadas. Johnson nos informa que poucas delas ainda conservam seu brilho e frescor (dia que ‘The Temeraire’ como uma das que estão bem preservadas, o que me deu conforto ao coração já que é das minhas prediletas). Cita palavras de Ruskin, grande crítico, que comentou que Turner pintava “para deleite imediato” e que “não pensava no futuro”. E desde este momento podemos fazer um paralelo conosco e o nosso procedimento quando tratamos do corpo.
A maior parte de nós lida com o corpo como Turner lidava com a pintura, para deleite imediato. Lembro-me que certa feita fiz um quadro, uma aquarela. Cerca de cinco anos depois, de passagem pelo Rio de Janeiro, coincidiu de passar pela casa da pessoa que comprou o quadro e consternado percebi que a rósea pele do retrato agora era de uma anêmica palidez. Foi aquela experiência que me fez interessar por ter mais cuidado no uso das tintas. A partir daí procurei saber a durabilidade dos pigmentos e também a usar para aquarela papel livre de ácidos, pois estas substâncias reduzem a vida das cores com o passar do tempo. Turner não estava nem aí, como se diz hodiernamente. E, como ele, pelo prazer imediato prejudicamos o nosso futuro. É gostoso ficar se enchendo de sanduíches diante da televisão, ou, deixar-se levar pelo hábito de comer todos os dias as mesmas e restritas comidas. De cada um desses costumes vêm os males do sedentarismo (problemas cardiocirculatórios e obesidade) e deficiências nutricionais. Como resultado disso, deterioramos mais rapidamente, ou seja, somos presas fáceis de radicais livres e outros fatores de envelhecimento. Não cometer certas loucuras durante a adolescência e o início da vida adulta é também não cuidar do futuro, pois que carecemos de atitudes não alinhadas como forma de experimentar para encontrar o equilíbrio quanto ao que somos, ou seja, assim como não devemos sacrificar o futuro pelo gozo do presente, também não devemos sacrificar o presente pelo futuro. Devemos viver, todo o tempo, e não apenas sobreviver. Viver o presente (com vistas ao futuro) e não viver o futuro (perdendo de vista o presente).
A velhice não é a melhor idade. As limitações que nos são impostas pelo desgaste, fruto do tempo, não são necessariamente agradáveis. Mas, se tomamos alguns cuidados em tempo hábil, tais limitações tendem a ser menos imperativas e, assim podemos aproveitar certas vantagens que a velhice nos oferece, como a possibilidade de exercer a vida sob a ótica da experiência de quem viveu. Borges, o escritor argentino, em uma entrevista comentava que durante sua vida sempre fizera mais ou menos as mesmas coisas, lia os mesmos livros e escrevia do mesmo jeito desde que era muito jovem, porém a criança e o jovem, registrou, não sabem o que não podem fazer e o que podem. Para que alguém saiba dos próprios limites, precisa experimentar a vida. E conhecer os próprios limites é um grande dom.
Aureo Augusto, em 25/7/06.

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