quarta-feira, 18 de novembro de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 13

Tenho estado sumamente atarefado aqui nesse bucólico lugar, que a maior parte das pessoas acha que é o lugar do repouso e da tranquilidade. Na verdade é, para quem não mora aqui. Mesmo assim, cheio de afazeres, tenho a grata satisfação de poder, no caminho de casa deliciar-me com a paisagem, tomar banho de rio, conversar com meus vizinhos... Bem, hoje não é dia de Medicina no blog, mas estarei viajando amanhã, até o final de semana, por isso coloco o texto deste período, desta vez comento a longevidade de um artista que gosto muito, o velho Hokusai:
HOKUSAI E A VELHICE
Paul Johnson (in Os Criadores) transcreve uma carta do célebre artista japonês do século XIX, Hokusai Katsushika:
“Desenho formas e objetos desde os seis anos... Aos 50, havia produzido um número infinito de desenhos. Mas não estou satisfeito com o que fiz antes dos 70... aos 73 comecei a entender a verdadeira forma da natureza dos pássaros, peixes e plantas. Aos 80 havia progredido muito. Aos 90 começarei a chegar à raiz de tudo. Aos 100, terei chegado a um estado superior de arte... aos 110, cada ponto e linha terão vida”.
Hokusai nos informa do que é envelhecer, uma vez que viver é arte, como o é a pintura. Vimos em uma crônica anterior que Turner não se preocupava muito com a conservação de seus trabalhos, o que os fez se deteriorar rapidamente. Isomorficamente, ou seja, da mesma maneira, tratamos o nosso corpo, a nossa vida. Freqüentemente olvidamos o futuro e esquecemos de comer, dormir, rir, pensar, não pensar, sentir e nos exercitar satisfatoriamente. Hokusai conseguiu chegar à idade em que alcançaria a raiz de tudo, pois morreu aos 99 anos de idade. Sua vida foi bastante sofrida, mas uma combinação de genética, dedicação ao que gostava de fazer, alguma excentricidade, forte desejo de aprender coisas novas, atividade etc. deram-lhe uma velhice admirável.
Hokusai nos leva a pensar que em muito somos o que de nós fazemos. Conheço pessoas que têm excelente genética, porém a desperdiça. Já outros, não tão abençoados pelo conjunto de genes que herdaram, usam o que têm com primor e, portanto, alcançam uma vida mais longa e prazenteira do que se esperaria para eles. Costumo pensar que as pessoas são como as portas. Se estas são feitas de jacarandá, tendem a durar muito, mesmo que não tão bem tratadas. Quando construídas com uma madeira menos forte, como o pinho, não necessariamente se deteriorarão rapidamente. O diferencial é o cuidado.
Agradeço aos cientistas que nos informam do valor dos nutrientes para o nosso presente e futuro, bem como àqueles que ensinam que devemos nos exercitar tanto para manter o funcionamento presente quanto para o próximo momento. Estão certos e não podem ser esquecidos. Mas aqui quero aproveitar o exemplo do mestre japonês para trazer outros aspectos.
Sua arte foi produto da capacidade de aprender a técnica ocidental combinando-a com as tradições de seu país. Ele não teve preconceito quanto a progresso e tecnologia, usando-os a favor de seus objetivos artísticos. Além disso, subordinava muito de sua produção ao mercado, isto é, costumava produzir aquilo que as pessoas naquele momento queriam (ou o que o governo permitia, nos muitos momentos em que viveu sob regimes controladores), sem, contudo, deixar de imprimir sua marca pessoal ao que fazia e, o principal, queria qualidade, e ele era o principal motor de sua excelência. Mas do que qualquer outra pessoa buscava fazer o melhor. Não como uma neurose e sim como um prazer. Avaliava um trabalho com os olhos complacentes de quem sabe que poderia fazer melhor, mas apenas depois de haver feito aquele trabalho. O que fazemos hoje, da forma como sabemos fazer agora é o que nos prepara para no futuro construir coisas melhores. É esta compreensão que nos dá uma sensação de paz. Nos confere um relaxamento no produzir e o torna uma forma de epicurismo que é a fruição da existência. E já que menciono esta filosofia fecho com as palavras de Epicuro:
“Acostuma-te à idéia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade”.
O velho Hokusai não se preocupava com a morte.
Escrito em 25/7/06.
Recebam um abraço carinhoso de Aureo Augusto

Nenhum comentário:

Postar um comentário