quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

VIOLÊNCIA DROGAS VALE DO CAPÃO

Alguns pais estão desesperados por causa de seus filhos. Estes caíram na armadilha das drogas. Não é fácil vê-los assim. E o pior é que as soluções o mais das vezes mostram-se falhas e impossíveis. Ainda assim, como esperado, seguem em suas buscas e fugas. Uma fuga que tem incomodado sobremaneira à gente decente aqui do Vale do Capão é mandar para cá os “sem jeito” e “enjeitados”. Temos no vale alguns jovens que, para conforto dos pais (e desconforto nosso) vieram viver nesse lugar aonde a polícia não vem com a freqüência devida, e, consequentemente podem exercer sua adicção sem risco de prisão. Aqui, interagem com a juventude local que com freqüência se admira dos discursos ecolibertários, e da vida sem esforço. Alguns tentam seguir o exemplo, com a diferença que seus pais nativos não dispõem de recursos para manter-lhes as farras. Temo pelo futuro. Os jovens daqui, antigamente sonhavam em ir para São Paulo. Hoje querem viver neste lugar que reconhecem como maravilhoso, mas as oportunidades não são muitas e uma parte fica encantada com a possibilidade de vida fácil e sonhos químicos. Vejo-os caminhando como zumbis pelos caminhos. Não são muitos, mas o suficiente para doer na alma de quem ama o vale. Ora, se nas grandes cidades não se sabe o que fazer com estas pessoas, imagine a situação das mulheres e homens nativos que, durante a vida aprenderam a plantar e colher café e banana, mandioca pra fazer farinha, cozinhar para a família e cavucar a terra na busca do brilhante. Essa coisa de drogas é algo de outro planeta, mesmo já tendo conhecido os viciados em álcool. Aqueles que se livram de seus filhos desvairados mandando-os para cá não têm idéia do mal que causam a esta terra. Estes jovens vivem aqui com a mesada (muitas vezes polpudas) que os pais lhes proporcionam, traficando e consumindo drogas e, como escrevi acima incentivando aos jovens nativos a seguir-lhes o exemplo. Apesar do discurso pacifista e ecológico com alguma freqüência se metem em brigas, como recentemente, quando alguns deles agrediram um espanhol que por aqui andava, o qual foi socorrido por populares, mas em péssimo estado. O espanhol prestou queixa e espero que os responsáveis (?) pela agressão sejam presos, porque representam tudo aquilo que a imensa maioria da população do Capão não quer.
A população do Vale do Capão vem de uma história de pobreza e luta; a labuta para sobrevivência sempre foi muita e as condições de vida só permitiam parcimônia nos hábitos. Hoje os idosos, os adultos e os jovens cantam a alegria de um tempo que nunca se experimentou, onde o conforto é possível, a educação é mais presente e a saúde recebe cuidado. Estas coisas merecendo melhoria, mas enfim, mais e melhor do que em qualquer outra época. Tudo isso ocorre porque a beleza do lugar e a hospitalidade dos moradores atraíram e atraem pessoas que se maravilham e se harmonizam com o Vale do Capão. Infelizmente alguns se interessaram pelo fato de que podem ser bem recebidos (já que a gente é hospitaleira) e não encontram peias para seus costumes bárbaros e para seus vícios. Ao invés de visitar ou morar, invadem. Sua presença é um abuso... Por isso, peço encarecidamente aos pais daqueles que usam drogas que não mandem seus filhos para cá, a menos que achem pouco que apenas eles estejam destruídos e pensem que os demais também devem perder o senso. Sei que sofrem, mas o sofrimento não diminuirá com a chegada de novas vítimas. E, ademais, as pessoas daqui estão começando a perceber o mal que causam, querem se defender, e a polícia tem estado aqui com mais freqüência. Já não é aquele lugar onde a alegria foi confundida com permissividade. Não queremos que nossos visitantes sejam agredidos por pessoas doentes, tomadas pela violência.
Recebam um abraço triste (por causa da recente agressão) de Aureo Augusto

sábado, 11 de dezembro de 2010

HISTÓRIAS D(N)O CAPÃO

Todo lugar (e toda pessoa) tem sua história e esta define em muito a forma de ser daquele lugar (ou pessoa). E o Vale do Capão tem muitas histórias, e confesso fico um pouco agoniado com a idéia, ou melhor, constatação, de que estas, aos poucos serão esquecidas. Gostaria que os jovens ouvissem seus antepassados e soubessem daquilo que pelo que passaram, os atos e fatos que representam seus alicerces de vida, crenças, emoções... Temo que percam algo da própria identidade na medida em que se desvaneça neles o sentido plural do que foram e são. O que agora acrescentam à história, ocorre-me, fica um pouco no ar. Hoje vi um jovem nativo caminhando de um jeito estereotipado, enrolando os dedos no cabelo e assumindo uma postura de dono do mundo enquanto o carro passava, voltando (vi pelo retrovisor) a uma postura menos ostensiva. Ele absorveu a influência de um grupo de pessoas que aqui aportam, dispostas a salvar o mundo em discursos incensados com maconha, a sacralizar a vida através a ausência do mundo real, prontos a acontecer sem realizar. Minhas palavras podem sugerir que estas pessoas nada contribuam; não é assim. Contribuem, mas esta contribuição revela-se mera abstração vazia e alienante se não encontra uma consciência sedimentada (um ego estruturado) pela experiência de vida (tanto própria quanto a vida herdada dos ancestrais). Vivi, por isso sei, e o que sei só o sei por haver-lhe vivido. Conheci as propostas dos (hoje) velhos hippies e as experimentei. Mas daquilo o que aproveitei para uma vida produtiva dependeu em grande medida daquilo que meus pais são (mais do que representam) em mim. Belchior fala que “apesar de tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. No que toca a mim, tomo esta frase como um motivo de alegria. Ainda bem que sigo vivendo como eles, uma gente admirável, e, claro, ainda bem que acrescentei outras experiências pelas quais passei em minha vida (como, por exemplo, o que me trouxeram os hippies). Já o referido jovem nativo, este negou o próprio passado. Afastou-se de seus ancestrais e agora está boiando; seus pés não tocam o chão. Não precisamos, registro, ter histórias heróicas, glamurosas, precisamos apenas de histórias que possam nos significar. A vida é feita mais de pequenas coisas do que de atos extraordinários. Aliás, a busca do extraordinário é uma das coisas que nos afasta de nós mesmos e do fato único de que estamos aqui, tendo a oportunidade de viver, de existir neste mundo e nesse momento exato e especial (o agora é um momento que não se repetirá jamais – por isso especial). Como aquele momento especial em que conversava com D. Marilza e D. Lourdes que me contaram o como era saboroso os tijolinhos de licurí com rapadura feitos por D. Mariquinha nos tempos de antigamente; segundo elas até hoje ninguém faz igual. Claro, os tais tijolinhos têm a carga das boas lembranças de quando elas eram crianças; aliás, D. Lourdes, logo depois, lembrou de que houve uma época por aqui onde as pessoas adotaram a língua do ‘p’ e que isso foi bem divertido. A dureza dos tempos antigos, com suas chuvas intermináveis, parcos recursos, pontuada por momentos de miséria e fome, não impedia que as pessoas encontrassem brincadeiras e momentos felizes. Comentava com Marilza a respeito do desespero exagerado de uma jovem por estar com uma agonia no ouvido. Ela chorava, golpeava a cabeça, agitada, quase alucinada. Tentamos acalmá-la e a muito custo nos escutou. A lavagem do ouvido revelou um bolo de cera que se deslocara. Marilza e eu concordamos que boa parte dos jovens sofrem o pouco como se muito fosse. Não agüentam a dor. Não proponho uma postura ascética, mas encontro que a turma perdeu o sentido de que a vida tem dificuldades, mas por isso não precisamos nos desesperar. Falta-lhes histórias que possam referenciar-lhes. Penso.
Recebam uma abraço histórico de Aureo Augusto

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

SAÚDE E ALEGRIA

Ultimamente o pique tem sido grande por aqui. O médico do posto de saúde de Palmeiras teve férias (merecidas) e como o município não pôde contratar outro para substituí-lo por causa de um tal índice de contratação de pessoal, estou trabalhando lá e cá. Um dia no Vale e outro na sede do município, o que implica em chegar em casa tarde e assim as escritas têm rareado. Embora meu coração fique triste ao perceber que o índice ficou assim não por causa dos funcionários e sim por razões que a própria razão consideraria, no mínimo, estranhas, tenho aprendido muitas coisas, em um posto que não faz parte da Estratégia de Saúde da Família, partilhando tempo e experiências com os colegas. Ao trabalho de ESF interessa integrar conhecimentos, experiências, vida das pessoas, enquanto no posto de saúde comum, há uma tendência mais evidente daquele atendimento dicotomizado, onde entrego uma informação sob a forma quase sempre de medicações ou ordem de conduta, sem uma interação tal que a pessoa chamada paciente assuma de maneira clara a responsabilidade pelo próprio processo. Fica um coisa de “dou e você recebe”. O tempo joga um papel importante, o sistema ideológico também e por aí vai. Parece-me necessário, porém mais como algo para apagar incêndios do que para evitá-los. Útil, porque vivemos uma situação calamitosa para a saúde, mas a meu ver a proposta da ESF se realmente cumprida (e secundada por outras) pode reduzir o número de pessoas necessitadas de socorro no posto.
Com isso, tem sido mais difícil trabalhar convenientemente no PSF daqui mesmo do Capão. Encontro menos os colegas, temos que resolver coisas às pressas em reuniões rápidas de corredores etc. e, ademais, nos dias em que estou aqui, há acúmulo de atendimentos e, consequentemente alguma redução da qualidade. Inda bem que é por pouco tempo.
Mesmo com estas dificuldades, tanto no posto da sede em Palmeiras, quanto aqui na USF-Vale do Capão, tenho tido a oportunidade de encontrar, conviver, ensinar e aprender com pessoas muito interessantes. Ontem encontrei Landinha, uma mulher extraordinária. Foi ela uma das que me ensinou a dançar forró. Admirei-me sempre de sua labuta com os filhos – uma vez que enviuvou por conta de uma cascavel que matou seu marido – mantendo o pique de dançar os forrós ao som da sanfona do finado Biu. Nesta vez, ela me contava, no meio de uma consulta, que sua mãe, D. Argentina, certa feita falou que, após uma traquinagem, ia apanhar do pai. Este se organizava para sová-la quando ela, num momento de intuição pura, lançou-se ao chão, fingindo desmaio. A mãe de D. Argentina acorreu e afastou do pai a Idéia de castigo, já que a menina não resistira e tivera um desmaio – podia morrer! Landinha, que não é gente, logo pensou em usar o sistema. Traquina demais, não lhe faltou oportunidade. Foi assim que pouco depois, D. Argentina pegou o cinto para lhe dar uma boa surra e ela, conforme me contou, caiu no chão estrepitosamente, com tal denodo que o osso da bunda doeu (repito suas palavras). E ali ficou estirada como morta. Mas D. Argentina não caiu no engodo e deu-lhe uma surra e tanto. Rimos muito os dois da história e foi bom para o meu coração vê-la sair da consulta feliz da vida, limpando lágrimas nos olhos, mas não de dor e sim de alegria. Quando você vier no Capão, procure conhecer Landinha, e, aproveite e compre a granola dela, deliciosa e feita com o maior cuidado e, claro, bom humor. Uma mistura de saúde e alegria.
Receba a minha alegria em 9 de dezembro de 2010, Aureo Augusto