domingo, 13 de fevereiro de 2011

FESTIVAL DE JAZZ público, privado, idealismo

A jovem mulher chegou na Unidade de Saúde da Família e pediu à coordenadora com voz suave se não havia alguma mesa que lhe pudesse emprestar, pois precisava expor seu artesanato uma vez que o festival de Jazz logo irá começar. Por acaso, entre uma tarefa e outra nas minhas atividades no posto, passei justo neste momento. A responsável pela unidade, explicou-lhe que, primeiro, as mesas eram necessárias ao serviço e segundo, ela não poderia emprestar um bem público para uso privado. Não houve rispidez, mas o rosto da mulher expressava surpresa, algo como uma frase assim: “Não acredito que você não vai me emprestar a mesa!”.
É bem fácil criticar os deputados, senadores, presidente e governadores pelo uso inadequado dos bens da república, mas na hora do que quero ou necessito (mais do que quero do que daquilo que necessito) nem me interrogo sobre o possível desvio ético. Os funcionários públicos ou privados muitas vezes arranjam desculpas para não comparecer ao serviço. Várias vezes já fui interpelado com solicitações de atestados para cobrir faltas ao serviço. Pessoas que vêm ao Vale do Capão para passar dois dias, mas que, tocados pela beleza do lugar, acabam por deixar-se demorar um pouco mais, procuram-me e algumas vezes até se dispõem a pagar uma consulta particular, com o intuito não de preservar a saúde, mas de preservar inatacável sua situação empregatícia. Alguns me trazem argumentos do tipo: “Mas todo mundo faz isso”, ou, “Pior é o que fazem os políticos”. Olho pasmo para eles. E não dou o atestado. Só o faço quando a razão é real. Alguns me dedicam olhares pouco amistosos com minha recusa.
Mas o fato que originou este texto foi o Festival de Jazz do Vale do Capão. Este belo evento tem origem em uma pessoa, Rowney Scott, conhecido aqui no Vale por Roninho. Conheci-o há muitos anos, ao embevecer-me escutando-o tocar saxofone e é uma destas pessoas às quais podemos reputar como “alma boa”. Roninho é uma alma boa. Desde há muito melhora a qualidade humana daqui com a sua presença, e, como músico de qualidade sonhou um festival movido pela qualidade. Sonhou e fez. Hoje, nas reuniões da população este evento é lembrado como algo a ser emulado. Para mim é alegria ímpar ver as senhoras do Capão, como D. Nadir, Beli, Araci, Gessy, até tarde da noite, após um dia de farto trabalho, assistindo (e francamente se deliciando) a uma música muito especial. Compartilhar com elas elogios a um grupo como Viola de Arame. Elogios muitos a um grupo que uniu percussão de alta qualidade com metais – eram umas 40 pessoas – mas que infelizmente não consegui pegar o nome. Excelente! Pensem, Jaques Morelenbaum no Vale do Capão! E Ivan Lins? Este fechou o evento e foi tanta a interação dele com o todo que foi este todo que não apenas o público desejou que não acabasse, como ele mesmo não conseguia se despedir, prolongando o show por muito mais do que o esperado, para a graça de todos.
As músicas, os sons e as palavras remetiam a um estado de paz e respeito ao ambiente, mas não apenas ao meio-ambiente natural, como também ao ambiente humano. Estou bem feliz com o que vi.
Venha no próximo e agora receba um abraço musical de Aureo Augusto

12 comentários:

  1. (Aureo, tudo bem? Tenho acompanhado seu blog, sou de Salvador e "acompanho" você há algum tempo. Minha mãe trabalhou com Zezé e até já viajamos juntas, uma viagem onde chegamos até a Amazônia. Sou muito amiga de Leila Mello, sua admiradora, e já fui sua paciente por um breve tempo, lá nos anos 80.
    Desde que li sua postagem sobre a internação de seu pai, ela não me sai da cabeça. Meu pai passou 15 dias na uti em 2008, dias de profunda tristeza pra mim. Vou colar aqui, um textinho que escrevi em meu blog sobre isso. Não tenho coragem de escrever de novo sobre o assunto.
    Um abraço carinhoso.

    "Eu vou lhe contar uma coisa, mas tem que ser baixinho senão eu não aguento a dor:

    Quando meu pai estava na uti e foram desentubá-lo, é claro, suspenderam a sedação. Na operação, infelizmente, ele teve um edema de glote e o entubaram novamente.
    Eu, sua mulher e sua irmã estávamos na porta esperando. Ninguém nos chamou. Ninguém. Porque numa uti os pacientes e a família não são tratados como pessoas.

    Mais tarde, a enfermeira me contou que ele pediu papel e caneta para escrever, mas como sua mão estava muito inchada ele não conseguiu.
    Esse fato me dói tanto que sinto vontade de gritar.
    Mas falo baixinho."

    Martha)

    ResponderExcluir
  2. Sabe o que mais me toca? É esse falar baixinho. É uma coisa de não levantar poeira. Vc já mergulhou em uma caverna? Eu nunca, mas já vi em filme. Há um documentário sobre ossos de preguiça pré-histórica em Andaraí, dentro de um lago dentro de uma caverna. Os mergulhadores têm que trabalhar mto delicadamente pra não levantar a poeira, pois senão fica tudo turvo e o trabalho tem que ser interrompido. Sentimentos pré-históricos estão latentes, dores históricas estão presentes. Falemos baixinho enquanto as lágrimas afloram suaves.
    Sei e te abraço,

    ResponderExcluir
  3. Tem que gritar. Botar a boca no trombone, alertar.

    Já vi indiferenças em UTI, quando meu pai e minha madrinha dela precisou.

    E eu gritei, esperneei, quando eu vi a falta de acolhimento, a indiferença, o ego inflado de médicos e enfermeiras e gritei e gritei e eles, me achando tresloucada, nos permitiu tudo que queriamos para dar os últimos confortos a eles.

    Quando fui técnica de Enfermagem, há aos atras, trabalhando em um hospital de indigentes, na cidade de Nazaré, a minha atitude que eu guardo até hoje, foi a de me agachar e lavar o pênis e os testículos de um garoto enfermo e desenganado que jazia no leito quase de morte.

    Graças a Deus ele sobreviveu e foi ter comigo, dias depois para que eu lhe abraçasse.

    E atualmente, como Agente de Viagens, trato todos os meus clientes como VIPS o que me dignifica.

    Vamos gritar, sim. Chega de guardamos as nossas dores, quando somos cutucadas pela ausência do outro, pelo desdém, pela indiferença e até pela ignorância alheia.

    Abraços a todos.

    ResponderExcluir
  4. Sim. As autoridades, sejam quais forem, médicas, políticas, juízes etc. todas têm que aprender conosco, gente comum, que todos somos iguais em essência.

    ResponderExcluir
  5. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  6. Estive pela primeira vez no Vale do Capão agora, por causa do Festival de Jazz. Confesso que estou encantada, este lugar é imantado, guarda consigo segredos não verbais e pra resumir só tem uma frase, só entende quem vai.
    Entretanto, acho que precisa haver uma conscientização ainda maior da preservação do meio ambiente. Os cidadãos da Vila me parecem bem engajados no movimento, mas o povo da cidade grande tem dificuldade de assimilar a necessidade de preservação da natureza e para estes, o investimento tem que ser pesado.
    No mais a Vila é linda, as pessoas têm luz! Numa próxima, espero que em muito breve, vou na sua comunidade conhecer a maravilhosa biblioteca mencionada pelo Prof. Luís e lhe conhecer.
    Está precisando de ajuda no PSF da Vila? Estou com vontade de ir morar aí, mas preciso trabalhar.
    Um grande abraço,
    Ana Fróes

    ResponderExcluir
  7. Oi Ana,
    Vc tem razão. É incrível que o povo da cidade grande vem aqui para ter paz, sossego e silêncio e aí enche a cara, faz barulho e esquece lixo a toa.
    O discurso mto distante da prática. O Vale se distingue da região pelo alto nível de cuidado com o ambiente que sua população tem e isso foi fruto de árduo trabalho das escolas locais e das pessoas abnegadas que lutam pelo ambiente. Viva!
    O posto tem suas carências; Em que vc pode ajudar?

    ResponderExcluir
  8. Oi Aureo,
    Adoraria ter ido assistir ao Festival de Jazz, mas infelizmente não deu. Fico feliz qdo. leio seus comentários, é como se eu pudesse de alguma forma me sentir presente.
    Ando impossibilitada de sair de SSA, minha mãe está muito doente e finalizando a sua passagem neste plano.
    Amo o Vale do Capão e sinto muitas saudades...
    Um grande abraço,
    Angela

    ResponderExcluir
  9. Realmente, Roninho é o Cara!! Tive a feliz oportunidade de conhece-lo rasamente, mas sublinho tudo o que disse. Na real pude vê-lo tanto no vale quanto na escola de musica. Só que fiquei triste que não pude respirar o festival de jazz no capão, soube com muito pouco tempo para me programar. Espero estar no próximo. Abraços

    ResponderExcluir
  10. Oi Aureo, obrigada pela sua resposta.
    Tenho formação em medicina,sou da turma de 1993,tenho mestrado em nutrição e cultura.
    Trabalho em emergência em Salvador e também tenho prática de consultório.
    Independente de onde trabalhe busco sempre a manutenção de saúde, fazendo a medicina preventiva, para o corpo e para a alma.Apesar de ter a formação alopata nunca me fechei em verdades constituídas e sempre busquei a possibilidade de trabalhar com todas as vertentes, desde que o foco seja a manutenção de saúde.Quando é preciso tratar, trato...mas o princípio é sempre , não lesar o ser humano, independente de em que corpo seu desequilíbrio esteja presente.
    O que posso fazer é atender as pessoas, avaliá-las e trabalhar para o seu bem estar.
    Um abraço!

    ResponderExcluir
  11. Amigo Aureo, eu penso que a alma do homem precisa da musica e das artes em geral assim como o corpo precisa dos alimentos e do ar que respiramos. Adoro Jazz e Blues, acho que eh o tipo de musica que ajuda a elevar o espirito humano.
    Um forte abraco e parabens ao Vale do Capao pelo festival.

    ResponderExcluir
  12. Ângela, sei bem o que vc está passando e este é um momento a ser vivido intensamente. Viva-o. Este fim de semana fui à casa de meus pais pela primeira vez depois da morte de Aureão. Nossa!Qdo entrei em casa procurei-o e, claro, me dei conta de que já não estava ali. Meus olhos se encheram de lágrimas. O vazio é algo que pesa! Mas a vida continua... O tempo é o grande aliado.
    Ana,
    É possível vc me mandar seu e-mail? Mande-o para o meu (aureoaug@terra.com.br) pq o nosso posto de saúde está preparando o IV Encontro de Profissionais de ESF do Vale do Capão, quem sabe sua presença possa trazer-nos benefícios. VAmos conversar.
    Caro Diogo, existem pessoas que são dotadas de qualidades tais que é legal apenas conhecê-las. Roninho é uma delas.
    E aí Ribamar (José Neto), como vão as coisas por aí no Kwait? Concordo com sua opinião sobre as artes. Somos artistas como necessidade biológica.
    Abraços a todos,
    Aureo Augusto

    ResponderExcluir