segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

PANAMÁ DO PARAGUAI

Chegar à casa de meu pai pela primeira vez, dois meses após sua morte foi, no mínimo, estranho. Como de hábito procurei-o na cadeira em frente à televisão e só então me dei conta do que já sabia. A casa vazia dele me dizia do peso do vazio. Minha mãe sentou-se comigo a almoçar e conversamos um pouco, junto com uma tia, sobre o velho. Uma conversa triste, lambuzada de saudade. Mas que aos poucos derivou para outros assuntos, porque a vida e o tempo (o grande aliado) continuam em um riachão que não tem volta. Usei a palavra riachão por causa do sambista, Riachão, que perdeu a esposa e filhos em um grave acidente, mas hoje, aos 90 anos segue laborando roça e samba conforme vi em entrevista à revista Muito. Sim, a dor chega, mas passa; como está na última frase do livro Iracema de José de Alencar: “Tudo passa sobre a Terra”. Para o bom e para o nem tanto.
Minha mãe é um doce! Por duas vezes ela me relatou que acha que está indo embora. Referia-se muito fraca. Deve ser verdade, pois aos mais de 90 anos, tendo perdido o amor de sua vida após 65 anos de matrimônio a vida deve ficar um tanto ou um muito pela metade no que respeita à força vital. Ela sempre se queixa da saúde quando me vê. Pudera! Sou seu filho médico! Mas a conversa costuma terminar em graça e ela ri até mais não poder com as conclusões que lhe coloco. Disse-lhe que tem que agüentar um pouco porque o velho está lá, do outro lado, arrumando as coisas para ela. Para recebê-la em grande estilo. Lembrei-lhe que meu pai sempre foi de demorar nas coisas. Fazia, mas o tempo dele era só dele no jeito de se arrastar. Daí ela terá que esperar pelo menos uns 5 anos antes de ir-se, afinal, disse-lhe, não foram precisos 7 anos para construir aquela casa onde vivemos no bairro do Uruguai? Ela riu ao lembrar-se de um tempo árduo, que passou. No dia seguinte ela já estava com outra fala, colocando-se à disposição de Deus para o caso de ele querer que ela fique até os 200 anos. Aí tive que baixar a bola da coroa velha. Falei: “Mas minha mãe quem vai te agüentar por tanto tempo?”. Ela deu uma gargalhada como só ela. Ficamos então, por um tempo trocando gargalhadas, já que tenho (temos, os parentes) que aproveitar o pouco tempo que ainda nos resta com ela.
Tive outra notícia de morte. No pé da ladeira da Montanha há uma loja que vende confecções e chapéus. Gosto de chapéus. Fui lá e soube que o português, seu dono, morreu. Deu-me tristeza porque gostava de conversar com ele, que nos tempos de mascate vinha ao Vale do Capão vender seus produtos e aqui conheceu muitos que hoje já se foram (alguns deles, tive a alegria de conhecer). Ele me informou que o Capão devia estar muito mudado porque “até um médico vive lá hoje, imagine só!”. Descobriu que eu morava por aqui pelo meu jeito de falar. Como não havia o chapéu que queria (estava em falta panamá), busquei outra loja, quase no pé do plano inclinado e lá um senhor me recebeu. Tinha os panamás que buscava. Como de hábito me queixei do preço. Ele ralhou comigo me dizendo que era feito com palha importada do Panamá daí o valor, se eu quisesse mais barato deveria procurar nos camelôs onde não faltam panamás do Paraguai. De início fiquei atacado com a forma com que falou, mas depois me baixou a ternura. Ele ainda brigou comigo porque não tinha lenço para experimentar o chapéu, antes de me conseguir um guardanapo para tirar o suor da testa. Gostei do cuidado com que manuseava os objetos. Ele os colocava em minha cabeça e não eu. Logo gostou de mim e me disse que muita gente compra panamás do Paraguai e vão às festas e fazem feio quando chega alguém com panamás do Panamá que logo se destacam. Terno. Fiquei com um e fiquei de voltar. Volto.
Estava velho o velho que me atendeu na chapelaria. Logo despedir-se-á da vida. Depois pode ser que fique sem lugar para comprar chapéus. É assim que o tempo se renova. O método é bom, mas de quando em vez dói.
Recebam um abraço melancólico de Aureo Augusto

11 comentários:

  1. Meu caro, amigo.

    É de doer mesmo.

    Eu lembro que, a primeira vez que eu fui em Cações após a morte de meu pai, eu corri para o quintal e danei a chorar. Era uma saudade dolorida, pungente e saudosa. Vc já sentiu "saudade saudosa"? Pois foi assim.

    Meu pai, assim como eu e marido, amava Cações. Painho nasceu na cidade de Nazaré, assim como todos os seus 5 filhos e tinha um ar provinciano, jeito quieto, super engraçado, de bem com a vida, na dele.

    E o lugar que eu mais senti falta dele, foi justamente em Cações.

    Ele tinha plantado um coqueiro anão no quintal que deu fruto justamente no ano que ele se foi. Talvez um ou dois cocos e nada mais.

    Um mes após a morte dele, eu estive em Cações e para o meu espanto, o coqueiro tinha sucumbido, mortinho, e até hoje não sabemos a "causa mortis".

    Fiquei chateada e decretei a morte desse meu pequeno pedaço de chão de terra e providencie que fosse cimentado tudo e acabasse com esta coisa de plantas, árvores, etc. (que doidice).

    Não é que, ao chegar lá, semanas depois para o evento funesto (o de acabar com o quintal), eis que um filhote de caju emergia daquela terra. Do nada, sem ninguem plantar, talvez para me lembrar que, quem tem um pedaço de terra no mundo atual, tem que respeitar e fazer a vida e não cimentar a vida, ou seja, engessar os sentimentos, represar, enfim.

    Ficamos todos eufóricos. Atualmente, já se foram quase 16 anos da passagem do meu pai e o nosso quintal, por sinal muito pequeno, vibra com pitangueiras, araçaceiros, ervas medicinais, e..............O CAJUEIRO, que nos dá frutos deliciosos e dulcissimos, a quase todo o verão.

    Contei este episódio para lhe lembrar que o tempo é o nosso melhor amigo e que orações nos conduzem ao estado de tranquilidade e transforma a saudade em doces lembranças.

    Quase todos os dias eu lembro do meu velho. As vezes e quase sempre, me vem lágrimas aos olhos mas a sensação de que ele está bem é imensa e imdiatamente eu travo um diálogo com ele, envio fluidos positivos e o liberto para sua caminhada astral.

    Adoro o seu blog e seus textos melhoram a cada dia.

    Receba um carinhoso abraço e que sua saudade logo se tranforme em "doces e espciais lembranças"

    Ju

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  2. Oi Áureo,

    sempre que estou vivenciando situações de perdas, de familiares, amigos ou pacientes, me deparo com a perplexidade em torno do óbvio.
    Sabemos desde sempre que não somos eternos, que um dia iremos, eclodiremos do sonho para a vida em amplitudes espirituais maiores, entretanto jamais nos encontramos preparados para a passagem, a partida, o espaço da ausência.
    Penso, que é uma estratégia do divino para que possamos reconhecer progressivamente a presença perene nas outras dimensões, cujo contato direto não podemos fazer em tempo integral, enquanto vivendo aqui no planetinha azul. Deve ser por isso que a dor se transforma em lembranças boas, as "saudades saudosas" em sentimentos que nos engrandecem. As ausências ao mesmo tempo que nos faltam nos enriquecem, nos transformam para melhor, nos aproximam da nossa finitude humana porém nos abrem a consciência.
    É um processo individual e profundo este da perda, por que acho que termina por nos abrir possibilidades e clareza.
    Fico perplexa, é controverso e ao mesmo tempo poético.
    Um abraço e luz,
    Ana

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  3. Pôxa! Realmente vcs duas brilharam! A "perplexidade em torno do óbvio" a que a "saudade saudosa" nos remete é indiscutivelmente condição que nos humaniza, ou seja, e paradoxalmente, nos diviniza. Grato do fundo do coração pelo que vcs postaram.

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  4. É meio estranho entrar no nosso "pedágio" e perceber que está faltando alguém para depositar nosso carinho. Para lhe perguntar se está precisando de algo (da cidade baixa, diga-se de passagem) ou se quer ir no escritório da Orpisa ... Como você mesmo disse, Até hoje ainda olho de maneira instantânea para aquela cadeira da sala e tomo um susto ao perceber que quem eu encontraria ali não poderei ver mais. Embora, mesmo com a sensação de ausência, ainda não me acostumei em não encontra-lo lá. Aureão está Imortalizado naquele espaço geográfico (o beco)e entrar lá é sentir a presença dele. Por isso o Choque de não encontra-lo por lá. e ainda estamos em processo de arrumação de suas coisas ... cada objeto que encontramos tem uma História. Nossa, mas que saudade!

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  5. Pai,

    desde que você se foi, hoje pela primeira vez lembrei dos meus chinelos que você guardava há vinte anos pra mim.
    Você sempre mandando eu calçar os pés, e eu sempre descalça. Um dia, na casa dos meus vinte anos, cheguei em Valença sem chinelos, pretendia ficar descalça em sua casa, mas eis que você compra pra mim chinelos novos e eu aceito só pra te agradar.
    E na viagem seguinte, mal eu chego você me entrega os chinelos, e quando vou ao Guaibim, lá estão eles de novo, guardados carinhosamente num saco plástico.
    Achei engraçado, mas não demorei a entender que diante da grande saudade que sentíamos um do outro, os chinelos garantiam a minha volta.
    E passei a contar com eles, a saber que estariam em Guaibim ou em Valença. E essa brincadeira só durou vinte anos, tão pouco tempo.
    Painho, agora que a saudade é tão imensa, imensa, imensa, imensa, imensa, imensa, agora que é tanta saudade, saudade, saudade, saudade, saudade, os chinelos sumiram e eu não sei pra onde mandar essa carta, mas meu amor por você está vivo e pulsa no meu sempre.
    Te amo muito, como sempre te disse.

    Sua filha,
    Martha
    18/11/2008

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  6. Fiquei tocado com a carta que vc, Martha, mandou para seu pai. Tenho certeza que ele a recebeu. No lugar que ele está, guarda um chinelo, não o objeto material, mas aquilo que ele simbolizou aqui na Terra: um amor enorme, um amor profundo.
    Thiago, vc também soube expressar mto bem aquilo que eu mesmo sinto. A saudade (palavra que Martha repetiu ttas vezes no afã de torna-la mais capaz de explicar o que sente, já que as palavras acabam por serem insuficientes para exprimir o sentimento) é uma coisa como um peso sobre o coração.
    Abraços

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  7. Se avexe não,Áureo,mais uns trinta anos e você também vira saudade. O importante é guardarmos somente coisas boas nas memórias (da cabeça e do coração). E também respeitarmos o sinal que a espiritualidade nos envia, como o cajueiro da Jussiara, para resguardarmos a vida.
    Fora isso, o "guia dos curiosos", e outras fontes, nos dizem que o chapéu de panamá é na verdade fabricado no Equador. A denominação de 'panamá' é devida ao uso desse chapéu por Theodor Roosevelt em uma visita ao Panamá.
    Bobagem, mas é melhor dar a César o que é de César, né não?
    _Abraço.

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  8. Tesco, vc foi mto instrutivo, tto no comentário que mto me agradou que tb vou virar saudade (gostei desta forma de colocar a coisa) qto a informação sobre o panamá.
    Legal.

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  9. Oi Áureo, a morte violenta do meu pai foi um vendaval ... estou aos poucos repreendendo a ter hábitos mais saudáveis. Hoje finalmente consegui acordar cedo pra fazer atividade física, tomei um banho gelado no quintal e me lembrei de vc.
    Um abraço, Luciana.

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  10. Minha orelha coçou, Luciana.
    Continue no banho frio e na atividade física. Vc vai ver que seu corpo vai pedir.
    Abração

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