quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

VARIEDADE, IDADE, ALIMENTAÇÃO

Escrevi este texto em julho de 2006, mas apesar do tempo, penso que vale partilhar:
A idosa senhora veio à consulta porque sua filha a trouxe, não porque realmente quisesse, já que não acreditava na possibilidade de cura. Para ela a vida havia perdido o sentido. Para que mais tempo aqui na Terra se para nada mais servia? Ela constatava que apenas dava trabalho aos parentes e isso era constrangedor. Sempre cuidara de si e da numerosa prole, agora era cuidada e via que os filhos (e, mais especificamente, a filha) já tinham muito trabalho, tanto que não via justiça em ela dar-lhes mais o que fazer. Não queria acabar, como sua própria mãe, em cima da cama, queixando-se e fenecendo aos poucos. Não queria essa decadência, mas sentia-se aniquilada (esta palavra não tem o mesmo significado que em outros lugares, para a gente daqui, quando uma planta fica murcha já está aniquilada e não necessariamente exterminada ou destruída). Murchara e por isso desejava a morte, o mais rapidamente possível e para tanto, rogava aos céus que tivesse doença rápida e mortal.
Aquela senhora tinha um grave problema, mas o seu problema não era o que saltava aos olhos. Não era a idade. O que estava por detrás de seu sofrimento era a rotina. No caso, a rotina alimentar.
Nós, seres humanos, com freqüência substituímos a alegria pela segurança e, a repetição dos hábitos nos dá uma sensação realmente agradável, conquanto falsa, de segurança. Enquanto a natureza investe pesadamente na variedade, buscamos a padronização pelo fato de que ela nos permite resultados mais rápidos e seguros em determinadas circunstâncias. Conquanto a padronização de hábitos possa ser útil (já imaginou se no trânsito cada um pudesse criar as próprias regras?), sua extensão para todos os aspectos da vida revela-se devastador.
Observo, particularmente nos idosos, uma forte tendência a todo dia comer a mesma coisa. O feijão feito em um dos dias da semana e depois requentado, além de ficar mais saboroso com cada cozimento novo, fica mais fácil de usar. O arroz pode ficar na geladeira. E a farinha é o santo tempero. O que não fica bom com farinha? Aquela senhora era adepta desta rotina. No decorrer da consulta, tratei de mostrar para ela que sua alimentação havia se tornado muito pobre. Ela não acreditou em mim, porque, como disse, “sempre comi assim”. O que não era verdade, e sei disso pelo testemunho da filha. A realidade é que sua comida foi aos poucos se estreitando. A gama de variedades foi se reduzindo. Ora, na natureza não encontramos um alimento completo, ou seja, que tenha tudo aquilo que necessitamos. Conseguimos algumas vitaminas em certos produtos, mas, basta buscar outros alimentos para complementar as nossas necessidades delas; as proteínas estão presentes em maior quantidade em alguns alimentos que em outros, e, muitas vezes, os aminoácidos que as constituem não são encontrados em quantidades adequadas em todos os alimentos gerando a necessidade de busca-los na diversidade alimentar. Um alimento pode até conter em si todas as vitaminas e minerais, porém as quantidades são insatisfatórias de alguns deles. Portanto variar é essencial. Por outro lado, é importante assinalar que na medida em que envelhecemos o nosso organismo vai perdendo a capacidade de absorver nutrientes. Daí, se para os jovens é necessário o consumo de uma variedade de alimentos para alcançar todos os nutrientes que necessitam, os idosos mais ainda carecem de variedade.
Por sorte a filha daquela senhora acreditou no que eu dizia e investiu na alimentação de sua mãe, apesar dos protestos dela. Dessa maneira, e com a ajuda emergencial de suplementos alimentares, a senhora me deu a alegria de, em uma consulta subseqüente, me informar que sua horta estava linda e que bastaria que eu passasse por lá para receber de presente os seus produtos. A vida mudou para ela. Uma nova alegria e uma sensação de rejuvenescimento. Alguns estudos mostram que certos casos de depressão e de dificuldades mentais das pessoas idosas decorrem da desnutrição provocada pelo estreitamento da variedade de alimentos ingeridos. Assim, o velho pode não estar broco, como se diz por aí, e sim desnutrido.
Recebam um idoso abraço de Aureo Augusto.

2 comentários:

  1. Sabe, Dr. Áureo!! minha vovozinha paterna morreu aos 97 anos, de morte dormida....rsrsrs, ou seja, morreu dormindo. Saudabilíssima mas cega pelo glaucoma. A memória viva, antenada e atualizada com o mundo, embora a escuridão a envolvesse.

    E ela se alimentava bem. Impressionante bem, para a idade avançada.

    Era feijoada, leite, ovos, frutas, verduras, enfim.

    Mas o que mais nos chamava atenção, era a sopa bem nutritiva aonde minha tia (a cuidadora dela), jogava um ovo de quintal no caldo e a veia sorvia com gosto.

    E apesar de idosa, sua pele era limpa, poucas rugas e não era chegada a doença nenhuma.

    Atualmente, eu vejo uma profusão de informações desencontradas e tresloucadas.

    Uma hora pode comer isso, outra hora, isso mata, engorda, envelhece, enfim.......

    Sem contar com a comida artificial que vem contaminando a nossa mesa.

    Eu penso que devemos comer de tudo um pouco, sem exageros mas sim, comer.

    E cortar radicalmente, esta comida de plástico, os fast foods e ir substituindo por comida saudável mas que seja comida-alimento.

    Eu adoro ovos, frutas, verduras e pão. Ai como eu gosto de pão. Tou cheinha ..rsrsr (gorda) e já substituir para pão integral, azeite de oliva, etc mas ainda não resisto a um doce.

    Adoro os seus posts.

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  2. Sua avó foi um bom exemplo, Jussiara. Pense uma coisa: Quando ela conheceu Coca-Cola? Quando ela comeu pela primeira vez um caldo de galinha industrializado? A questão é que estamos comendo muito mal. Precisamos deixar de dar tto lucro às indústria da alimentação artificial e sua aliada as indústria da medicação.

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