sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

FRIA DE SAL e MEDICALIZAÇÃO

O texto que se segue, escrevi-o há muito (em 2008), em um novembro quente e incendiário, relendo-o gostei da ideia de partilha-lo. Aí vai:

Hoje o sol não se mostrou como nos dias passados de calor como nunca! Insinuou-se na madrugada uma mentira de frio, mas logo a manhã não economizou forno. Crestada a vegetação olha pra cima e se arrasta no chão. Mesmo a gente está cansada da borra quente que sopra à passagem dos carros na estrada, das motos enlouquecidas, dos cavalos e pedestres.
            Nunca vi calor como o que tem rolado no Vale estes dias!
            O povo assevera que isso é sinal de que o que falam dessas coisas de calotas polares que se vão e buraco na camada de ozônio que cresce (ou crescia) “né mintira não”. E o resultado, são os incêndios se espalhando, horríveis e belos, marcando a noite com sua linha luminosa. Uma coisa assim como um colar de gemas rubras ou amarelas cercando uma área negra estrelada. A beleza pode ser cruel. A beleza não tem moral, mas o coração sofre às vezes apesar da beleza. Alguém já deve ter dito isso.

            Mas o legal foi o que uma senhora me disse outro dia. Estava eu preocupado com a pressão arterial dela, muito alta. Ela disse que podia ser o calor, mas me disse também que quando morava em São Paulo (o povo nativo ia muito morar em São Paulo e agora está voltando todo mundo) sempre a pressão estava alta. Mesmo no frio! Mas me assegurou que sua alimentação era o contrário da serra ardente, era “fria de sal”. Acreditei nela, pois quem não confiaria naquele rosto amarrotado pelos anos. No entanto, procurei ver como estava sua alimentação e comecei a investigar os temperos. Acabei aprendendo que ela usava caldo de galinha ou de carne, cujo conteúdo em sal não é desprezível, acrescentava tempero pronto industrializado cujo teor de sal é impressionante e muitas vezes com glutamato monossódico que é 4 vezes mais hipertensor que o sal. Como se não bastasse ela botava um pouquinho de sal puro para “batizar”. Eu já estava horrorizado, mas aí ela ainda me informou que todos os dias saboreava uma gostosa carne de sol... Horrorizada ficou ela quando eu fui lhe mostrando um a um o teor de sal da sua frieza de sal. Brinquei que no calor que fazia, a comida dela estava mais pra água do mar do que pra rio da Chapada. Ela me olhava entre crédula e rebelde. Penso que ela sabe que tenho razão, mas não quer. E é direito dela não querer, que arque com as conseqüências então. Isso é sério e belo. Somos responsáveis pelas decisões que tomamos. O que levaria uma terna senhora a não seguir as recomendações, conquanto muito bem explicadas, justificadas? Apegos, descrença, outras crenças. Ela vem de São Paulo onde o médico do posto onde era atendida, nunca lhe falou assertivamente da necessidade de alterar a alimentação. Para ela as medicações tudo podem. Resolvem. Resolvida, para que sacrifício? Este é um dos erros desta medicalização tão freqüente em nossas vidas: Sub-repticiamente, quando não ostensivamente, informa-se que é possível não se responsabilizar.

A medicação cura o diabetes, ou a hipertensão, ou a bronquite... O tratamento afigura-se como um jogo entre o arsenal terapêutico e a entidade mórbida. Tais termos informam quanto às crenças que nos movem. Cuidar da saúde pode ser uma guerra contra um fantasma peçonhento. Seremos salvos pelo exército medicamentoso! Mas, e se não for uma guerra? E se a doença for um diálogo entre o que fazemos conosco e o que somos capazes de suportar?

            Cada qual tem o seu direito de atuar como bem lhe apraz ou crê. Porém vivemos em um mundo que nos traz respostas. Respostas virão. Portanto que nos responsabilizemos pelos nossos atos para não sermos apanhados na queixa de que fomos vítimas indefesas. Nem tudo depende de nós. Mas muito sim.

            Podemos especular em que a história da mulher "fria de sal" tem a ver com esta seca tremenda e com os incêndios. Não sei, mas durante a escrita vi que tinha a ver. O pintor não pinta a pessoa, mas a pessoa como é para o pintor. Matisse corrobora esta afirmação. Aliás, o célebre surrealista Salvador Dalí dizia que todos os quadros dele tinham um significado, embora nem sempre ele soubesse. Este texto tem alguma coisa que eu mesmo não sei o que é.
Em 13/11/08

3 comentários:

  1. Cada vez mais me convenço de que o holismo tem que se tornar um comportamento constante em nós. Tudo é interdependente! Nada existe (ou resiste) isoladamente.
    A afirmativa da homeopatia de que "não existe doença e sim o doente" sempre me conduziu a paradoxos. Mas é um fato: A doença, isoladamente, não existe, apenas situações mórbidas, organismos desajustados.
    Isso me parece evidenciado pelos 'fatores patogênicos', digamos assim, como o sal. Questão de dosagem, o sal é imprescindível (no organismo, o que não implica na alimentação), mas seu excesso é veneno. Como tudo que existe.
    Quem sobrevive sem água? Em excesso mata. Até o oxigênio em excesso tem consequências danosas.
    Quer dizer: Tudo é resposta!
    Convém sempre analisar e ponderar o que fazemos, pois a consequência, boa ou não, virá.
    Não se prive de postar por ter crônicas antigas (não nos prive de lê-las), suas obsevações, sejam de que idade forem, são interessantes e, na maioria das vezxes, preciosas.
    _Abraço estival.

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  2. Uma das melhores frases que li hoje: "Tudo é resposta"...
    Independentemente do que fizermos, tudo terá a consequência cabida para aquela situação. Primeira vez que vejo seu blog e sei que serei leitora constante!
    Nos avise quando houver novas postagens e parafraseando o leitor acima, não nos prive dos seus textos, mesmo que "velhos"..
    Abraços!

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  3. Nossa! Sou grato a vcs dois pelos comentários. Claro: Tudo é resposta. A cada dia somos convidados a perceber o singular pelo olhar do coletivo, o pequeno pelo olhar do grande e dito melhor, o detalhe pelo olhar do todo.
    Seja bem vinda Bruna, chegou em boa hora, inda mais com este abraço estival de Tesco.

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