quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O PARTO DE ZEZÉU


Lembro-me de Zezéu ainda criança. Creio que nunca houve mais barulhenta no mundo. Parecia não caber nem em si nem em nada. Sua agitação chamava a atenção de quantos a viam. Estava sempre molhada de suor, mesmo no rigor do inverno, olhava as coisas quase comendo-as e nunca falava, apenas gritava. Pudera, seu pai, o finado Delfino, eu o chamava de Trovão, porque, dizia eu, quando sussurrava um segredo, seu sussurro era tão alto que todo o vale sabia. Éramos muito amigos, ou somos, que a morte não reduziu meu amor por ele. Nunca me chamava de Aureo, para ele eu era Chuva, até o dia da sua morte. Depois disso ninguém mais me chamou assim, nem chamará. Delfino era troncudo e forte, não era de fazer grande alarde das coisas, mas quando se aborrecia, “sai de baixo”. Zezéu só herdou dele a voz alta (e mais esganiçada).

Ela cresceu como era de se esperar e, hoje, tive a oportunidade de assistir ao seu segundo parto. Natália acompanhou. Muito bom para mim ver Natália fazendo o parto; tranquila, amorosa, presente; realmente uma parteira como poucas! Mas dizia de Zezéu: O tempo passa, mas nós (eu pelo menos) nunca deixamos de nos surpreender pela forma e pelo fato de que ele passa. Zezéu hoje é uma mulher tendo o seu segundo filho. Fiz o primeiro parto quando nasceu um rapazinho que, não sei porque, só chamava de bananinha. O povo presente se lembrou que quando eu esperava dizia: “Eh! Bananinha, vem logo”. Acabou que a mãe durante muito tempo só chamava de Bananinha, pelo menos comigo. Agora na casa cheia de gente, pessoas muito gratas ao meu coração, muito riso, muita alegria enquanto o parto corria. Zezéu desta vez estava mais queixosa do que no primeiro, mas com a mesma força, e vocês precisavam ver a criancinha saindo. Natália indicando que não fizesse força, que apenas a força do útero era suficiente, lindo, foi saindo devagar até que se desprendeu e respirou. Ela de cócoras nos braços do marido que deu uma grande força, apoiou muito durante todo o processo de dilatação e expulsão. Lindo!

Néa, a irmã, já foi logo me dizendo que era menina e que tinha nome, Chiara. Foi aí que me dei conta de que a recém-nascida, com sua pele corada era como uma maçãzinha. Chamei-a assim, agora Zezéu tem duas frutas em casa. Tomara queira ter outros filhos e tenhamos em breve uma salada de frutas.
Recebam um abraço parteiro em 30/1/13 de Aureo Augusto.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

ACIDENTE COM DINHA


Sábado, dia de feira em Palmeiras e os mais velhos gostam de ir por lá. Dinha e Almir saíram cedo para pegar a van, porém na altura de minha casa ela tropeçou e caiu machucando o joelho, o lábio superior e um corte profundo e grande na testa, sobre o supercílio esquerdo.
Às 5:30h assustei-me ao ouvir sua voz me chamando e logo que constatei o ocorrido chamei-a a que fosse ao posto para que costurasse o corte e pensasse as demais feridas. Fomos de moto táxi eu em um ela em outro por estar sem o meu carro.

Enquanto preparava as coisas ela me contava que tinham muita coisa para fazer em Palmeiras, mas Almir teria desistido de ir, se ela não insistisse, pois não ia querer que ele largasse tudo por causa de uma besteira – a besteira era uma abertura na testa, como uma boca extra e desdentada. Pensei na têmpera do povo de antigamente. Hoje, qualquer corte joga um peso emocional muito maior do que antes. Mas no antes o povo passava por um maior número de provações no dia-a-dia. Acidentes com facões, machados, foices entre outros era relativamente comum. Até acidentes ofídicos eram bem mais frequentes. O povo ia catar café num converseiro danado e, enquanto riam ou se entristeciam com os assuntos conversados o que menos faziam era olhar para os galhos já que o ato da colheita é quase mecânico. Vai daí que de repente puxava uma cabeça de capanga (a cobra mais temível daqui) que não gostava nada de ser incomodada demonstrando isso com dolorosas e mortais picadas. Tantos morreram assim, ou ficaram aleijados com as ferramentas.

Hoje, acidentes acontecem, mas agora as motos ocupam o primeiro plano e cada vez tende a ser um “Deus nos acuda”. Mães, esposas, filhas vizinhas etc. se antes já faziam barulho com os acidentes, agora muito mais. Há uma ideia de que somos mais frágeis – e certamente isso corresponda à realidade. Noto que até as mães que pariram bastante, hoje tratam suas filhas como se estas não tivessem fibra para suportar o ato natural de parir. Não todas, mas algumas pelo menos e algumas filhas pelo menos correspondem às expectativas negativas de suas mães (e tias e avós).

Sim, as pessoas do Capão devem ter se tornado emocionalmente mais sensíveis e não vejo nisso problema, pelo contrário, trata-se de uma solução para determinados desvios de relacionamento. Porém, como tudo nesta Terra, nada é completamente bom e isento de contaminações. Assim, facilmente, por exemplo, medicaliza-se a vida. Tem dodói? Tem remédios. Pouco se sofre, pouco se aceita que viver é em grande medida submeter-se às instâncias que o Universo nos traz. O medo ao sofrimento e o desejo do prazer acima de qualquer bom senso acabou por contaminar muitos de nós, o que é triste.
Uma vez, no Chile, um especialista em incêndios florestais me explicou que é benéfica a existência de pequenos incêndios que consomem o mato ralo e seco nas florestas. Quando estes pequenos eventos não acontecem, aquele material não consumido se acumula e quando vem algum fogo, encontra muito material para crescer e até destruir as árvores que normalmente resistem aos pequenos incêndios. É semelhante ao que ocorre com nossa psique. Ora se não enfrentamos as pequenas dores, do corpo e da alma, ficamos, como aquelas florestas, susceptíveis e fragilizados diante das grandes perdas que a vida nos traz. Mais ainda: perdas não tão significativas assumem um papel gigantesco, tornam-se sombras atormentadoras.

Dinha tem uma lição a nos dar, mesmo que também tenha que aprender conosco!

Recebam um abraço resiliente de Aureo Augusto.

sábado, 26 de janeiro de 2013

CRIANÇADAS


Dei carona a Edenice e sua filha mais velha, Maiara, que tem em torno de 6 anos de idade. Íamos tranquilos quando a criança se assustou porque uma galinha passou na frente do carro correndo o risco de ser atropelada. Como eu dirigia devagar nada aconteceu. Depois de pouco tempo a criança, pensando alto disse: “Se ele atropelasse ela, hoje eu ia comer galinha”.

Há outra criança com 4 anos que também partilhou com a mãe uma carona. Depois de algum tempo o pequeno queria me perguntar alguma coisa e para minha surpresa dirigiu-se a mim como Dr. Natural. Achei engraçado este apelido que acabara de receber e a mãe também demonstrou surpresa. Como será que ela chegou a essa ideia?

Airam é muito ligado no avô e não concorda com o fato de que este fuma. Então fez um desenho e me deu de presente, onde ele, Airam, está vestido de médico e dizendo para o avô, deitado na cama doente, “Eu não falei pra deixar de fumar?”.

Dei umas pequenas pancadas com a ponta de um dos dedos no rosto de Piuzinha, uma jovem mãe aqui do Capão, para averiguar a sensibilidade. Seu filho que tudo observava, quando terminei, olhou-me com um jeito matreiro e comentou: “É, a jaca já tá madura”.

Jade ia fazer consulta. Então se escondeu cuidadosamente enquanto eu me arrumava para chama-la. Quando saí da sala ela deu um grito e quase eu caio no chão de susto. Ela morria de rir. Depois me presenteou com um desenho com a cena, inclusive comigo com os cabelos em pé. Pensei que as crianças de hoje em dia não têm mais medo de médicos. Que legal!

Estava vindo pro posto quando uma menino bem pequeno me chamou para eu parar o carro, o que fiz. Então ele se aproximou com os olhos marejados e me pediu que eu dissesse a um outro que estava mais adiante, que parasse de abusa-lo. Obedeci, mas não sei o resultado.

Ana é bem pequena e é linda. Seus olhos mostram a inteligência da menina. Sua avó teve que tomar diversas injeções no posto e trazia a criança consigo. Então ela batia na minha porta e me pedia os carimbos (que sempre tenho para a criançada) e os lápis de cor. Sentava-se no chão e ficava desenhando. Atrapalhou um pouco as consultas, mas vocês precisavam ver a cara terna dela, com uma certeza linda de que ali ela seria bem recebida e realizaria seu desejo!

As crianças são um negócio a parte aqui no posto. Na verdade não gosto de atender crianças doentes porque me dá agonia vê-las sofrendo; devia ser proibido criança adoecer.

sábado, 19 de janeiro de 2013

SESSENTA ANOS


Sessenta anos! Uau, é muito tempo. Então penso em minha mãe, com 92! Aí sim, muito tempo. Ela me diz que já está cansada. Considera que teve uma vida maravilhosa – e eu sei do tanto de sofrimento que passou! Mas ela avalia a partir do cômputo nesse final. Ela mostra-se feliz com o resultado de sua vida e isso me agrada. Minha mãe tem seus medos, mas tudo tende a ser superado pelo bom humor. Olho e aprendo.

Naturalmente procuro as vantagens da idade. Observando-me cuidadosamente percebo que hoje eu poderia ser mais equilibrado emocionalmente, menos irascível etc. Sim, estou melhor nestes quesitos, mas bem menos melhor do que o melhor que eu consideraria ideal. Ou seja, não avancei tanto quanto deveria. Fisicamente as coisas mostram que esta não é definitivamente a melhor idade. Não tenho queixas maiores, minha memória para coisas recentes hoje é melhor do que há 20 anos (mas era tão ruim que não é muita glória estar melhor do que aquilo), porém a força física (que nunca foi lá estas coisas todas) reduziu, assim como a agilidade.  Tem gente que abomina haver alcançado a velhice exatamente por causa desta decadência; eu me regozijo, porque se aqui cheguei é porque não morri jovem – e olhe que pulei várias fogueiras – vai daí que acho que tenho a celebrar; celebro.

Há algo maravilhoso em estar nesta idade. Hoje eu me sinto mais livre, menos compromissado com ideologias, com verdades construídas por outrem e impingidas a mim, como minhas. Os “ismos” perderam 90% do sentido. Além disso, conquanto algumas dores da alma (usando termos de René Descartes) alcancem-me com firmeza, meu humor é infinitamente melhor. Rio de nada e de tudo, e rio alegremente de meus próprios dissabores. Já não me levo tanto a sério.
Tenho a sensação de que vivi. “Confiesso que he vivido” dizia Pablo Neruda. Faço minhas suas palavras. Poderia ter vivido mais intimamente o que vivi, isso é indubitável, mas agora já passou. Sigo. E cada dia vivo mais dentro do que experimento, ótimo.

Mas o melhor mesmo é essa sensação de que já não me preocupo tanto com o que vão pensar do que falo, do que não falo ou faço. Acredito e vivo na consciência de que devemos satisfação aos nossos próximos, vizinhos, familiares, conhecidos, mas este prestar conta por nossos atos tem limite. Que me importa o demais, a mais do que o limite daquilo que acho que é a minha dívida para com a sociedade? Somos seres sociais e isso é bom, mas também somos seres individuais. Um amigo me disse que o legal de ser idoso é que quando fala coisas de qualidade todos reputam à sabedoria, já quando fala bobagem, todos compreensivelmente sorriem culpando a idade. Em outras palavras: podemos relaxar, posso, então, relaxar, pois, como não se cansam de repetir os meus colegas de trabalho, eu sou sexi; sexagenário, bem entendido.

Recebam um abraço idoso de Aureo Augusto, em 19/1/13.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

INCÊNDIO NA CHAPADA, POLÍTICA "INCENDIÁRIA"

Aqui no Vale do Capão estamos impactados com os incêndios florestais que grassam nas bandas do Riachinho, na trilha para Lençóis entre outros lugares. Como sempre admiramos a coragem, dedicação e competência dos brigadistas anti-incêndio, mas ao mesmo tempo ficamos sem entender a repetição da história. O nosso país tem muitos incêndios estranhos, como aquele que grassou na Secretaria de Educação de Salvador.
Impressiona-me também um tipo de incêndio sem fogo: Aquele que acontece nas prefeituras onde ocorre alternância política. Tomo conhecimento de diversas localidades onde móveis foram surrupiados pela equipe que se retira do poder, computadores, motores dos carros, entre outros pertences da prefeitura, ou seja, do povo e não da equipe de governo. Além desta forma de roubo, há o roubo das informações. Arquivos, dados, documentos, subsídios necessários à gestão desaparecem sem deixar rastros, informações essenciais para a governança futura são sonegadas como uma vingança inútil, mas prejudicial à população.

A Chapada carece de algo mais para proteger-se dos periódicos incêndios. O governo tem mantido as brigadas e tomado outras atitudes protetoras, porém está claro que estamos precisando de uma ação mais consistente, tanto no quesito prevenção – que envolve educação – quanto na área do combate ao fogo quando ele se manifesta. Da mesma forma os “incêndios” políticos precisam de um combate mais consistente. Muitos prefeitos que perderam a reeleição ou que não conseguiram diplomar seus candidatos fazem de tudo para dificultar a vida do seu sucessor, através do aumento da folha de pagamentos chamando funcionários aprovados em concurso (que nunca foram chamados antes para haver lugar para aliados), fazem dívidas, deixam de pagar certos direitos do funcionalismo etc. enfim fazem jogadas com o dinheiro público e com a sociedade.

O que mais me horroriza é que o gestor que se retira nem sempre é responsabilizado pelos seus erros. Ora, se ele não paga o INSS dos funcionários, a prefeitura futura é que passará pelo dissabor de pagar o ônus do erro. Sou leigo nestes assuntos, mas sei que a prefeitura de Palmeiras terá que pagar INSS de muito tempo atrás. Como fazer? Como começar o governo se já existem limitações financeiras derivadas de erros passados?

Penso que este “incêndio” só será apagado quando a justiça tiver suficiente agilidade para rapidamente obrigar o prefeito faltoso a pagar do bolso dele todos os erros que tenha cometido. Que seus bens sejam disponibilizados, leiloados, que os recursos auferidos sejam usados para compensar os desastres que haja causado. Professoras aqui em Palmeiras descobriram que em gestões antigas tiveram os recursos recolhidos pela prefeitura usados para outros fins que não garantir-lhes a aposentadoria. Mas aqueles que usaram desonestamente o dinheiro destas professoras estão muito bem de vida e circulam livremente com seus bens, fingindo serem pessoas de bem.

O Brasil peca pela morosidade. Incêndios reais e metafóricos grassam nas matas e nas repartições públicas. Nós, o povo, aguardamos brigadistas e bombeiros, juízes e legislação séria.
Recebam um abraço preocupado de Aureo Augusto em 11/1/13.