quarta-feira, 23 de outubro de 2013

MORONETA

Participei na semana passada do I Simpósio de Fitoterapia na Bahia, promovido pela Escola de Farmácia da UFBa com apoio da SESAB. Aprendi coisa pra dar de pau. Foi muito legal. Dizer tudo que vi e aprendi é muito para um bloguezinho, mas bem que eu gostaria.

Teve uma fala que me causou grande impressão. Com o título, Etnofarmacologia, Eficácia e Segurança, proferida por Eliana Rodrigues. A palestrante foi ótima em seu jeito de trazer a nós sua experiência, o que por si já conta bastante. Além disso, fez suas pesquisas entre diversas populações indígenas na Amazônia, Maranhão e oeste do Brasil, grupos humanos com pouco contato com a civilização ocidental e que apenas dispõe como terapêutica seus próprios recursos recolhidos na mata, com observações bem interessantes, que me puseram pra pensar.
Comentou que para o pesquisador dono de uma postura científica existem algumas dificuldades no recolher material entre os índios. Um deles é que a relação com os produtos vegetais (e outros) é muito contextual, podendo depender de tempo, local, etnia etc. de modo que uma dada planta pode ter seu uso alterado de um povo para outro ou dentro do mesmo povo na dependência da miscigenação de uma pessoa com outra tribo. Vai daí que determinada planta pode ser usada para dor de barriga em um lugar e para problemas urinários em outro. Qual destes usos é o correto? O que é correto (refiro-me ao significado da palavra)?

Ou seja, a subjetividade pode ter um papel maior do que o desejado em uma pesquisa científica. Isso me pareceu bem interessante. Facilmente descartaríamos uma das informações ou as duas por não corresponderem ao ideal da pesquisa, mas isso pode ser um erro uma vez que a realidade não é apenas o que ali está e sim, também, aquilo que significa para nós. Não proponho um dilema de Wigner no que respeita à realidade, não proponho um solipsismo. Porém anoto que a realidade não é independente da pessoa, conquanto não seja fruto apenas da pessoa.

A fala me fez lembrar Etienne Samain, em seu livro Moroneta Kamaiurá. Ali o antropólogo explica que moroneta é uma palavra que poderia ser traduzida como relato. Mas este relato pode ser uma história, um desenho etc. e a mensagem a ser passada depende do lugar onde se apresenta. Assim a história é diferente se for contada na beira do rio ou dentro da oca, e, a moroneta é carregada do fato local (no tempo e no espaço) e refletem as crenças, os modelos de pensamento etc. da comunidade. Sendo assim não podemos dizer que moroneta é uma mera narrativa (escrita, cantada ou pictórica) de um fato. Pensei comigo que quando Eliana recebia informações sobre uma determinada planta, não recebia a narração de um uso e sim uma moroneta da planta. Gostei disso e não me importa muito se é certo ou útil esta interpretação.


Recebam um abraço de moroneta de Aureo Augusto.

2 comentários:

  1. É o que deveria nortear a pesquisa científica: Todas as aplicações têm suas restrições.
    Não se pode exigir que determinada causa gere sempre os mesmos efeitos, se não
    se conservam os mesmos fatores condicionantes.
    Caso típico são os fenômenos espíritas, que a maioria dos pesquisadores quer obter
    resultados padronizados sem observarem a mudança de condições.
    Procuram reduzir tudo a um mínimo comum.
    Pode ser o caso do ipê roxo, que foi noticiado em 1966, como "cura do câncer".
    Pode ter havido até efeitos positivos nessa fitoterapia, mas foram envelopados numa
    rotulação geral, e quaisquer efeitospositivos foram perdidos.
    Adequação: Se aplicassem a 'moroneta', talvez tivessem bom proveito.
    Abraço moronético.

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    1. Seu comentário é bem ilustrativo. Acredito que o método científico nos trouxe grandes benefícios, mas precisamos amplia-lo para que possa continuar contribuindo. Embora os indígenas sejam vistos como povos primitivos, alguns aspectos de suas culturas podem ser tremendamente úteis neste momento. creio.
      abração

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