terça-feira, 23 de dezembro de 2014

FINDA O ANO

Começa a terminar o ano na prévia de um natal bem chuvoso aqui no Vale do Capão. Um natal que é um presente para nós, depois desta seca atroz que agrediu a Bahia nos últimos anos. O abençoado Vale do Capão tem a circunstância geográfica de contar com 1000m de altitude, ladeado por montanhas com até 1250m e, por isso as chuvas são mais frequentes do que em outros interiores da Bahia. Por isso, mesmo nas secas, o verde é aqui imorredouro. Mas isso não significa que não padecemos. Foram cinco anos sem as chuvas das águas, que quando nos alcançam fazem dos riachos rios e dos rios engolidores de margens e pontes e a Serra da Larguinha, a Leste, e a do Candombá, a oeste ficam pontilhadas do brilho da água, das inúmeras cachoeiras que rumorejam sem parar. No ano passado recomeçou a chuva das águas, mas fraca. Esse ano está melhor, o que me faz pensar que a crise climática passou, embora não me sinto capaz de afirmar nada, nesses tempos de irresponsabilidades ambientais.

Pois é, finda o ano. Foi um ano rico para mim, com os sofrimentos e alegrias de praxe, como de praxe com muito mais alegria do que sofrimento. E aí no findar dá um esquecimento de todas as coisas que se passaram no mesmo ato de lembrar-se delas. Um lembrar incompleto com seus sentimentos já cansados de existir, já pedindo para mergulhar naquele limbo que acontece com o passar do tempo desmemoriante. Talvez exagere eu. Algumas coisas ficam como pele, mas o fato é que outras se desvanecem aos poucos e isso é bom.

Finda o ano e de uma forma um tanto irracional, mas irracionalmente verdadeira, todos se sentem com mais esperança, como se preços e maldades respeitassem ciclos, inda mais ciclos artificiais, como é a instituição de princípio e fim de ano. Vero que caímos de cabeça em uma loucura de esperança, e daí? Pior seria se caíssemos em uma loucura de desesperança. O fato é que finda o ano e consequentemente começa outro. E isso há que festejar, pois que não festejaríamos se findasse um ano e não começasse outro. Isso sim seria algo bem ruim. Por isso (e por tantas coisas mais, inclusive a esperança) festejemos e como não poderia deixar de ser quero que todos vocês recebam agora o meu abraço natalino bem gostoso e um beijo longo, morno, terno em seus corações.


Em 23/12/14, Aureo Augusto.

sábado, 6 de dezembro de 2014

ALINHADA

“Mãe, tô indo pra praia com minhas amigas, esse lugar é horrível! A gente anda, anda, anda, e não chega em lugar nenhum”.
Raí (Raimundo Cirilo), o dentista do posto onde trabalho, escutou a frase ao chegar para o serviço. Quem dizia era uma jovem bem vestida, do alto dos saltos de um sapato sofisticado. Ele riu um bocado enquanto comentava comigo do desalinhado discurso da moça alinhada. E, de minha parte, achei tão interessante o fato que quis partilhar com vocês.


Beijos desalinhados de Aureo Augusto.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

PÉTALAS

Durmo e acordo sobre uma linha e me perco cada dia. Nem queria tão pouco e, mais ainda não queria viver assim tomado pela paixão de cada coisa, não pelo querer, sim pelo desavisado não usar da vontade, pois as coisas se põem e nem sempre nos pomos para elas com a nossa vontade. A vida resvala tão mais rápida do que quer meu coração e tão sem que eu saiba como, por que e onde...

Durmo e acordo sobre o plano do tempo enquanto doo meu tempo para que o tempo passe, aí as pessoas brincam de meu coração ama-las, mas não as amo todo o tanto nem tanto o quanto há de amor no meu coração, não que falte, mas porque mais do que falta há aquela distância que nem sempre sei traspassar. Às vezes de quando em vez acontece aquela senhora idosa, ou a mocinha perdida, a criança de olhar sapeca, cada olhar de uma dada mulher ou por um tempo beijos e abraços que se converteram em silêncio, o bebê me beijando com seu olhar impossível, o homem bravo escondendo o medo, a árvore anunciando-me o nada, a brisa me dizendo da carícia divina, os pássaros com o cantar de bigorna que me saúda a manhã quando o frio da água do rio cedo faz de pele à pele. Queria eu que esse acontece não desacontecesse na memória falsa das coisas que não significam, mas fingem.

Todos os fins-de-semana noto que o tempo voltou. Aí me encontro novamente sentado em cima da vida dentro da mão que sem existir criou tudo e acaricia a mim com o todo, como ao Todo.
Pode que o sol lamba as faldas da serra assolando-a de calor ou que a chuva brinque de saquear as margens dos rios de sua secura, o riso quem sabe ostente-se em dentes claros à espreita de olhares coniventes ou lágrimas brotem fecundando almas de compaixão. Pode que a vida interrompa-se no arfar da dor ou não, que o arfar seja de um recém-nado que emergiu do canal aveludado de sua mãe e todos sorriem acreditando que o tempo parou em celebração da nascitura vida.

Tantas coisas ao meu redor dispostas apenas para que eu possa ama-las, e, aprendiz, nada mais faço que abrir as pétalas da minha alma em busca de um dia saber.


Recebam um abraço desacontecido de Aureo Augusto.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

PREGUIÇA AGITADA

É preciso privar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens, que vemos precipitarem-se alternativamente nas casas particulares, nos teatros e nos lugares públicos: sua mania de se intrometer nos negócios dos outros lhes dá uma r de grande atividade. Pergunta a algum deles, quando sai de casa: “Aonde vais? Qual é teu destino?” Ele responderá: “Por Hércules! Não sei nada, mas eu verei gente e encontrarei qualquer coisa para fazer”. Eles vagam assim ao acaso mendigando ocupações ... Quantas pessoas levam uma existência semelhante, que se chamaria muito justamente preguiça agitada.
Este parágrafo foi escrita por Lúcio Aneu Sêneca, filósofo latino, há mais de 1500 anos atrás. Ao lê-la em seu agradável texto intitulado “Da Tranquilidade da Alma”, não pude deixar de associa-la a um número razoável de pessoas que vejo presas ao Facebook. Na época de Sêneca o correspondente às redes sociais e aos e-mails era o sair de casa em visitas e mais visitas, correr atrás de conversas apenas em aparência interessadas e interessantes, falsamente resolutivas e decisivas, nas praças, nas residências particulares, nos banhos públicos.

Hoje testemunho a incomunicação dos meios de comunicação a serviço da superficialidade das relações numa reprodução moderna de um mundo que afundou com as invasões bárbaras, mas capaz de manter suas características apesar da passagem do tempo. Uma pena porque o Facebook, o Twiter, os e-mails, são uma grande oportunidade de democratizar relações e gerar informação formativa. Mas temos o dom de nos perder.

Penso que é maravilhoso enternecer-me com o primeiro sorriso de um bebê que sua mãe postou com a emoção dos que amam. Gosto disso e não deixo de pingar o meu “curtir”. Mas também olho com preocupação a desocupação das conversas ou a maquinização com que pessoas encaminham e-mails ou postam informações em suas linhas do tempo sem nenhum interesse maior do que satisfazer aos imperativos da preguiça agitada, mencionada por Sêneca. Sem nenhuma tentativa de senso crítico, de verificação, ou de cuidado quanto à verdade, à veracidade, à consequência, ao significado do posto nas letras da virtualidade.

“Preguiça Agitada”: Que conceito precioso este daquele autor antigo. Vejo um sem número de pessoas agitando os dedos sobre pequenos teclados, frenética e preguiçosamente agitadas na busca de nada saber sobre todas as coisas, ou melhor, sobre todo o mundo. Uma verdadeira doença e finalizo com o mesmo Sêneca: “A esta doença se prende um vício horrível: Este de se informar de tudo, de estar à espreita de todas as novidades, tanto secretas como públicas, e de possuir uma quantidade de histórias perigosas para contar e igualmente perigosas para ouvir”.


Recebam um abraço admirado do Facebook e outras tecnologias (sem ironia) de Aureo Augusto.

domingo, 9 de novembro de 2014

HOJE

Hoje fui a um lugar aqui no Vale do Capão chamado Riachinho de Lençóis. Tem um poço de águas escuras e frias que contrabalançam esta seca de tantos anos que faz o mundo sofrer. Deitei-me e deleitei-me com o frescor das águas boiando nelas como se o universo me tivesse (e tem) na palma da mão.

Depois sair a caminhar e observei a delicada fímbria dourada das folhas, rústicas flores visitadas por ágeis abelhas, pássaros rápidos disputando a velocidade com o vento. Vi uma flor idêntica à quaresmeira em suas magentas e violáceas presenças, só que bem pequenas; havia uma orquídea que não poderia existir. Tão pequena e tão detalhada. Impossível passível de ser visto pelos meus olhos embevecidos; deixei-me estar entre as flores, o sol, e o áspero mato dos gerais. Depois voltei ao rio, à água e senti a exaltação da beleza das rochas brancas rebrilhando ao sol sob a água. Uma luz inapelavelmente impassível à passagem rápida da água célere e do tempo se dilatando à minha atenção.

Sei que não sei. Sei que é tudo muito grande e grandioso. Sei que uma quase imperceptível orquídea esquecida no meio do áspero matagal é um monumento a minha ignorância tão bem vinda e à minha competência em reconhecer o irreconhecível em cada coisa, e o inominável em cada denominação.
Depois voltei pra casa e comi pizza com alface.


Recebam um abraço deleitoso de Aureo Augusto.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

MEMÓRIAS NASCENDO DE NOVO

Que onda, velho!
Foram cinco partos que aconteceram no maior pique. A turma de novatos no planeta veio com pressa e, como de resto todas as crianças da atualidade, nasceram a fim de saber aonde chegaram. Sai a cabeça, e antes dos ombros se descolarem de dentro da mulher, os pequenos já abrem os olhos e ficam assuntando o que tem ao redor.

O último foi particularmente mobilizador de minhas memórias. Bárbara chamou a equipe do PARIR – Parto Domiciliar Planejado, e lá fomos nós de mala e cuia, ou melhor, de panelas, instrumental e piscina. Não deu pra encher de novo a piscina, pois a cabrita pulou fora e Mariane mal teve tempo de calçar as luvas pra receber a coisinha fofa.

Os partos têm a peculiaridade de nunca um ser igual a outro. Sempre é surpresa, sempre há um mistério que nos deleita quando nos harmonizamos alegremente com o que vai acontecer (em parte este caráter misterioso do parto e da mulher faz com que nossa ciência, tão irracionalmente afim da segurança, busque o controle total do mesmo através o máximo de mecanização, hospitalização e procedimentalização cirúrgica que embora muitas vezes salvem vidas, nem sempre são necessários e não deveriam ser necessariamente desumanizados, deveriam sim incluir-se no sentido de mistério que nos traz o partejar). Um parto nunca é igual a outro, inda que seja a mesma mulher.

Mas, além deste mistério dos partos, o que me mobilizou foi o fato de que o pai da criança, que ali estava cuidando e cuidador, protetor mesmo, presente junto a sua esposa e filha, Adelson, foi ao nascer o primeiro parto que acompanhei aqui no Vale do Capão, há praticamente 30 anos atrás.
Fui chamado por Dinha e Almir, seus pais e lembro muito bem que enquanto esperava vi pai e irmãos preparando caldo de cana (que saboreei) na maquineta manual, feita com toros de madeira. À época pensei no esforço que faziam para sacar o suco da cana com aquela máquina; ocorreu-me perguntar a mim mesmo se a energia gasta era realmente compensada pelo esforço e ri comigo em silêncio, quando fui chamado para receber e dar as boas-vindas para mais uma alma encarnada.
Agora, depois de tanto tempo, ali estava eu, vendo a cabecinha de Valentina ser recebida por Mariane enquanto Lívia (a doula), Robélia (avó) e Adelson olhavam por Bárbara em seu trânsito para um novo momento.

Enquanto isso, alheia a tudo, Samanta, a irmã mais velha, 4 anos, dormia profundamente. Depois da saída da placenta, Robélia foi acordar Samanta para que conhecesse sua irmãzinha, e ela respondeu: “Agora não, estou descansando, depois eu vejo” e continuou ronronando como uma gatinha em um mundo onde Valentina e Samanta podem se encontrar livres das limitações que a matéria nos presenteia.


Recebam abração parturiente de Aureo Augusto.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

TURISTAS SEM NOÇÃO

O Vale do Capão tem atraído cada vez mais turistas, o que muito me agrada já que isso não apenas dinamiza a economia local como contribui para que os moradores ampliem o seu já alto carinho pelas belezas naturais daqui. Eu gosto de conversar com o pessoal que chega pra visitar este lugar e estas pessoas tão hospitaleiras, no entanto tem alguns turistas que são excessivamente folgados.
Ontem cheguei a casa à tarde e havia um carro que entrou no lugar onde eu moro e parou junto a minha casa, bloqueando o acesso a minha garagem. Era um carro com placa de São Paulo. De início pensei que fosse algum amigo meu que chegou sem avisar (coisa rara, pois meus amigos têm a decência de avisar quando vêm) e saiu pra dar uma volta enquanto me esperava. Esperei um pouco e fui pintar. Pena que me concentrei demais no trabalho e não vi quando saíram, pois desejava comentar com eles o quanto foram invasivos e desconsiderados.

Com certeza eles desejam ser bem recebidos pelos moradores daqui, querem sorrisos e hospitalidade como todos os turistas, mas esquecem de que “relacionamentos” são vias de mão dupla onde todos devem dar a sua contribuição.

E vocês pensam que esta é a primeira vez que acontece isso? Não. E não é só comigo. Vários moradores se queixam disso. Dinha, vizinha que mora depois da ponte comentou que as pessoas deixam os carros tão colados na porta dela que dá até dificuldade de sair. Queria que vocês vissem a casa de Dinha e o espaço que tem enorme de modo que não há sentido em fazerem isso. Que pessoalzinho!

Ainda bem que a maioria tem polidez (urbanidade)! Acho estas palavras bonitas. Comte-Sponville em seu belíssimo Pequeno Tratado das Grandes Virtudes – um livro que deveria ser lido por todos – comenta que a polidez não é uma virtude, mas nos prepara para desenvolvê-las. Isso me agrada. Aliás, é interessante pensar que a palavra urbanidade vem de urbano. É que aqueles que vivem em cidades são levados a desenvolver maior senso de que a nossa liberdade termina quando começa a do outro, senão não ia dar para as pessoas viverem juntas. Para viver juntas em harmonia há que seguir certas regras. Quem mora no campo, onde as distâncias são maiores isso não é tão incisivo. Vai daí que o nome urbanidade veio a ser criado, dando batismo ao ato de estarmos atento a que o nosso comportamento não venha a agredir ou prejudicar aos demais. Seria bom que os donos dos carros que bloqueiam as pessoas tivessem um pouco mais de urbanidade.

Espero também que aqueles desprovidos de polidez prefiram passar longe do Vale do Capão, deixando-o para que aqueles que querem realmente estar em harmonia com o local e seus moradores.


Abraços turísticos de Aureo Augusto.

sábado, 11 de outubro de 2014

UM POUCO DE SOCIAL NO AÇÚCAR E NO SAL

João Carlos Gomes é um empreendedor da cidade de Seabra, que tem marcante preocupação com o social e o ecológico (se é que podemos separar estes aspectos da vida). Gosto de conversar com ele quando vou àquela cidade e deleito-me em seu entusiasmo que o leva a estar sempre na frente no quesito inovação.

A última vez que fui a Seabra encontrei-o e conversa vai, conversa vem, ele manifestou sua preocupação com os descaminhos da alimentação em nossa sociedade. O papo chegou neste ponto porque ele me descrevia o trabalho que estava fazendo junto ao sindicato rural focado na valorização do trabalho agropecuário. Ele quer ver um maior reconhecimento do valor do camponês. Ou seja, na contramão da história, uma vez que desde há milhares de anos os camponeses são explorados pelos poderes constituídos, em geral pelas armas ou pela força de leis ou regras consuetudinárias que mascarada ou explicitamente impõem uma vida subserviente ao trabalhador rural.

Desde que, há cerca de seis mil anos, instalou-se o patriarcado na sociedade humana e o poder da destruição representado pela espada, pela lança e pelo punhal tornou-se mais importante do que as estratégias criativas de produção de saber, conforto e bem estar, enfim, desde que nós a maior parte dos seres humanos aceitamos a dominação de inescrupulosos guerreiros e reis em detrimento daqueles (ou devo dizer melhor: daquelas?) que produziam bem estar, que quem produz o alimento tornou-se menos valioso para os jogos sociais do que quem explora e domina pela força. Mesmo hoje, nestes albores do vigésimo primeiro século, ainda viceja esta ideologia tão destrutiva. Mas existem pessoas como João que querem labutar para que os produtores rurais possam produzir alimentos e reconhecer nestes alimentos algo precioso, sagrados mesmo!

E ele manifestou que em parte esta labuta tem a ver com o fato de que para ele hoje em dia as pessoas só degustam dois sabores: o açúcar e o sal. Segundo ele, e reconheço que está certo em grande medida, a mor parte das pessoas está completamente dominada pela ampla presença de quantidades absurdas de açúcar e de sal nos alimentos e desta maneira perdem o sentido de saborear as sutilezas dos alimentos. Deu o exemplo dos salgadinhos e refrigerantes que são uma verdadeira praga. Instou-me a que ficasse observando os carrinhos nos supermercados (coisa que já fiz) para ver a quantidade destes produtos que são consumidos pelas pessoas. Padronizadamente a comida será gostosa na medida em que contenham grande quantidade de sal ou de açúcar, ou dos dois. E isso é passaporte para a doença. Ele deu o exemplo da depressão. Para ele a epidemia de depressão que existe no mundo tem a ver com a alimentação, no que concordo em muito.

Leiam Helion Póvoa, O Cérebro Desconhecido, e verão que certas bactérias que amam o excesso de açúcar que ingerimos contribuem para a redução da serotonina – mediador químico neurológico relacionado à alegria. Também somos levados a entender que há uma possibilidade de que uma boa parte dos casos de depressão tenha a ver com uma forma de autoagressão aos neurônios (semelhante aos reumatismos) derivada de alterações intestinais que por sua vez influenciam o cérebro.
Ainda não sabemos aonde vai parar esta experiência alucinada que fazemos com a industrialização galopante que impomos à alimentação, mas tenho certeza de que o futuro não será dos melhores para a população, conquanto a indústria vá se fartar.

Por conta disso admiro as pessoas como o meu amigo João que em uma cidade na região central da Bahia, luta, contra todas as possibilidades de êxito, pelo bem comum, tentando habilitar as pessoas à velha palatabilidade de antigos costumes, acenando-lhes a modernidade de uma nova relação de valor do camponês frente à sociedade.


Recebam um abraço esperançoso de Aureo Augusto.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A FAMÍLIA "PAM" a DEMÊNCIA e a VIDA NO CAMPO

O British Medical Journal comenta que as pessoas de mais idade que usam os Benzodiazepínicos (Diazepam, Clonazepam e outros “pam”) acima de 3 meses têm 51% mais chance de desenvolver demência do que aquelas que não usam. Isso me deixou bem preocupado.

Ocorre que estas substâncias estão se tornando parte normal da vida das pessoas. Mesmo na zona rural. Antigamente o interior (como nos referimos ao campo) estava associado a uma vida simples e tranquila de um lugar em que as pessoas viviam uma vida mais harmônica e dormiam bem. Hoje a realidade é bem diferente.

Há alguns anos estudos vêm mostrando que o consumo de medicações para dormir e para tranquilizar vem aumentando nas áreas distantes dos grandes centros. Constato isso na minha vida aqui no Vale do Capão, aonde atendo aos vizinhos há 31 anos. Com alguma frequência recebo pedidos para renovar receitas de Clonazepam, pois as pessoas facilmente se viciam nesta medicação e não conseguem mais se livrar. Tento demovê-las do uso sem sucesso. Até o presente só consegui com aqueles que começaram a usar há pouco tempo.

O ritmo de vida que caracterizava as metrópoles em grande medida vem sendo imitado no mundo camponês. As pessoas hoje têm maior quantidade e variedade de compromissos. A comunicação via televisão ou internet estão aproximando as pessoas de forma acentuada de modo que a sistemática de vida das daqueles que vivem em diferentes ambientes acabam se confundindo em um modelo se não único, pelo menos semelhante. O ritmo circadiano que marcava o dia-a-dia camponês está sendo agredido cada vez mais uma vez que subordinamos nossas vidas à batuta dos horários televisivos e das atividades do mundo virtual. Não importando onde, ontem deixou de ser um lugar a ser repetido já que hoje indica um amanhã afastado da biologia que será incorporada sabe-se lá como à virtualidade tecnológica.

Então se intranquilizam as almas e insoniam-se as pálpebras. À mente negamos o repouso enquanto corpos tensos movem-se nos leitos tão desordenados quanto as emoções, sensações, desejos, pensamentos e sentimentos tantas vezes açoitados pelas tempestuosas vidas.
Clonazepam e primos são muletas para estas paralisantes mobilidades. Longe de mim demonizar as medicações. Reconheço situações onde têm elas o condão de ajudar, porém noto que na intranquilizante vida a que nos submetemos os próprios profissionais de saúde desordenam-se nos atendimentos tornados rápidos por obrigatórias correrias implicadas em um sistema que obriga à pressa para consecução das metas bancárias ou estatísticas. Então a queixa de insônia deixa de ser uma questão na vida de um ser e dentro de um contexto. A pressa impõe uma solução sem profundidade e uma medicação rápida e eficaz, ainda que a efetividade no tempo seja questionável. A solução se mede em milímetros da corrida dos números no écran do relógio digital e não na medida da vida vivida vividamente.

Superficializamos a vida por pura pressa e descolamos do profundo em nós. Vai daí que a família PAM torna-se uma essencialidade, assim como suas corolárias sequelas.


Recebam um beijo sonolento de Aureo Augusto.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

POBREZA E SAÚDE

Assisti a um documentário sobre a alimentação na Grécia, onde aprendi que um pesquisador resolveu, na década de 50 do século passado, avaliar a saúde e a alimentação de diversos povos e surpreendeu-se que a paupérrima gente que habitava a ilha de Creta, no sul da Grécia era a mais saudável, com grande número de pessoas centenárias e baixa incidência de doenças cardíacas. Ali, a alimentação era constituída de grande quantidade de legumes e verduras encontradas no mato, ou plantadas por aqueles que as consumiam, com muito azeite de oliva e pouca carne (que quase sempre era peixe poucas vezes na semana). Eles não tinham condição de comer outras coisas. E exatamente isso, esta pobreza, foi o que lhes protegeu o coração e, de resto, toda a sua saúde.

O assunto me tocou porque neste momento tenho conversado com as mulheres idosas que participam comigo de um grupo de atividade física e conversas as quartas, 7 da manhã, no posto de saúde da família onde trabalho. Elas me trouxeram amostras das plantas que colhiam no mato ou plantavam para consumo nos tempos aqueles em que o Vale do Capão vivia sob a noite do abandono. Quando os homens mais capazes se foram para terras distantes buscando sobrevivência para si e para os seus.
Extensos estudos modernos feitos pelas Universidades gregas mostram que o quadro se reverteu naquele país. A riqueza lhes fez gordos (sua juventude é a mais obesa da Europa) e doentes, acometidos que foram pelos males da viciante comida fast food. Um povo inteiro é o fruto desta experiência maldosa e lucrativa que é propor uma dieta sem ética, focada na argumentação econômica do lucro. O Vale do Capão, no passado, não tinha uma alimentação tão saudável quanto aquela dos gregos, mas tinha diversas coisas que eram maravilhosas, como a Capeba, Maria Gondó e Quiabinho. Plantas que estavam no prato no almoço e no jantar e que sustentavam a força dos antigos em um mundo muito mais duro do que o atual.

Hoje, por conta da crise econômica na Europa, os gregos estão voltando a considerar com novos olhos a comida de seus avós. Tomara nós, aqui no Vale, na Bahia e no Brasil não precisemos de tal crise.

Ensina-nos Gilberto Freire que o vigor dos escravos vinha do fato de que sua alimentação era mais rústica e rica do que aquela dos senhores, eles mesmos escravos dos quindins que com tanto gosto degustavam. Gosto de saber que aqui se comia palmito de jaca, caroço de jaca cozido, beldroega, capeba e por aí vai. Quando publicarmos o modesto fruto de nossas conversas das quartas, tomara na escola os professores e estudantes possam ver a tragédia que a nossa civilização, tão maravilhosa em outras instâncias, reservou para si na alimentação. Criando o triste paradoxo da saúde na pobreza (e escravidão) e da doença na riqueza.


Recebam um abraço pobre e saudável de Aureo Augusto.

domingo, 21 de setembro de 2014

CONTENTAMENTO

Somos muito bobos, sou
Quando olhando a bondade da vida
Nos sentimos sós, ou tristes;
Há uma tristeza na vida é verdade
Mas não da natureza dos nossos receios;
Volto a ela.

Somos tolos quando deixamos
Por nossas pequenas dores decorrentes
Dos nossos grandes/pequenos desejos
Quando, repito, olvidamos ali do outro lado da janela
O sol oblíquo sobre o silêncio eloquente das árvores;
Vamos a elas.

A vida nos toca sem que percebamos os milagres
Do mero existir da pedra, agulha ou mão no teclado
De pé sobre o abismo da existência onde nossas almas
Se abismam, bestificadas da enormidade do ser,
Deixamo-nos deixar que cada uma das coisas
Do dia-a-dia nos mortifique nas cadeias do vir-a-ser;
Deixemo-las.

Volto à tristeza radical que nos ata à essencialidade
De que somos inda que não saibamos o quanto, onde e para que,
Como se necessariamente houvesse que assim ser
Amo a esta lembrança como parte de nossa natureza comum, somos;
Assumamo-lo.

Vamos às árvores, e não só a elas, ao mundo
Deixemos que nos toque com suas mãos de terra, água e ar
Com o fogo abrasador ao que o senso nos convida
Apenas para reacender a tristeza primordial que nos incita à vida;
Abracemo-la.

Abracemos à vida, esta fugaz luz feita da eternidade fugidia das estrelas
Muito acima daquilo que reveste-se da importância parda
Das fantasias vestidas com roupas glamorosas
Que nos atraem delicadas e fortes a sua órbita alienantemente vital
Mas com a pessoalidade daquilo que não nos forma, afinal.
Em seu exato lugar coloquemo-la.

Deitou-se enfim o sol (ou a Terra completou sua órbita)
E o pálido reflexo do fim da tarde nas folhas me diz
Que o mundo mais uma vez busca os lençóis desde já
Enquanto os humanos insistem em suas pequenas nobrezas
Sim, aqui estou só e em paz e penso em um par de olhos
Perguntando-me coisas que ninguém responderá
Apenas porque nós, seres humanos, somos uma pergunta
Lançada à eternidade:
Respondamo-la.

                Vale do Capão, entardecer de 21/9/14.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

REFRIGERANTE E DEPRESSÃO

Essa é curta, curta:

Algumas pesquisas feitas com número restrito de pessoas mostraram que há uma certa relação entre o consumo de REFRIGERANTES e DEPRESSÃO. Em janeiro/13 o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos divulgou estudo onde acompanharam 264mil pessoas (uma tropa de gente) que mostra que quem bebeu mais de 4 latinhas por dia tem 22% mais de possibilidade de desenvolver depressão. O REFRIGERANTE DIET É PIOR (aqui sobre pra 30%).


Ô pessoal, suco é um pouco mais caro, mas a longo prazo sai mais barato e melhor pra saúde.

Pais e mães, não dêem refrigerantes para seus filhos.


Beijos doces (sem açúcar nem aspartame e coisas que tais) a todos.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

FESTANÇA DOS TEMPOS ANTIGOS

O trabalho com as idosas na semana passada foi mais divertido ainda do que o comum dos dias. Após a ginástica, desafiei-as a me contar coisas da festa do padroeiro, São Sebastião, nos tempos antigos. Elas se entusiasmaram!

Contaram que quando chegava perto da festa, em janeiro, elas, as mulheres – pois era uma atividade feminina – pegavam aquele cabo onde, no cacho de banana ficam presas as pencas. Então cortavam um pedaço, depois batiam com um macete ou martelo até criar um pincel. Então iam atrás de tabatinga (que chamam aqui de tubatinga) em um buraco perto do Riacho do Ouro. Ali colhiam pedaços e depois pilavam até fazer pó que misturavam com água. Então pintavam as paredes das casas. Assim ficava tudo bonito, com cara de novo.

Surpreenderam-me com a informação que por aquela época, a festa em si, do padroeiro começava no sábado e só terminava na segunda-feira, dançando o tempo todo. Para a dança ficar bem legal, os pisos das casas eram preparados com terra, jogavam então cinza por cima e pilavam com força até que ficava como se fosse um cimento. Mesmo assim rolava poeira, então interrompiam um pouco, jogavam água e recomeçavam o forró.

Com a melhoria da vida, ou seja, com o retorno temporário ou não, de algumas pessoas que haviam ido morar em São Paulo, o Capão ficou mais civilizado (palavra delas) e apareceram as vitrolas movidas a pilhas. Disseram que juntava “todo mundo” para comprar as pilhas. Então era dançar até a pilha acabar. Mas aí já tinham água fervendo. Colocavam as pilhas na “frevura” e deixavam cozinhar um pouco. Então dava pra usar por mais um bom tempo! Não souberam me dizer de onde aprenderam esta fórmula.

O fato é que a turma de antigamente se divertia muito com o pouco que tinham; com o quase nada que alcançavam sacavam um mundaréu de alegria.


Recebam um abraço festivo de Aureo Augusto em 3/9/14.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O LUGAR DA PARTEIRA

A parteira é uma pessoa muito respeitada em sua comunidade e aqui no Vale do Capão não é diferente. Regra geral a mulher que cuida da parturiente durante a labuta para o nascimento da criança tradicionalmente é alguém que faz parte de uma família cujas mulheres se acostumaram a esta tarefa. Em outros casos foi por instinto, noutros porque calhou estar ali na hora certa. Tem mulheres que obviamente têm o dom.

Aqui temos Nara que vem de uma linhagem de parteiras e que tem feito partos algumas vezes; já Araci e Marilza, não têm linhagem e tampouco são parteiras, mas vejo que ambas têm o dom, apenas não o assumem. D. Aurea, que já está bem velhinha e por isso afastando-se da atividade, começou porque aconteceu de estar na hora certa no lugar do nascimento. Da turma nova, temos Natália e Mariane que são enfermeiras obstetras que está recebendo o título de enfermeira obstetra agora. Este é outro grupo, o das parteiras por idealismo e amor, as quais querem levar para a mulher confortos da ciência associados às práticas ancestrais de acolhimento e protagonismo. O Capão, como veem, está bem servido. Aqui ainda contamos com doulas (Lívia e Juliana) o que é algo especial.

Todas as parteiras, independente do que e do como se inseriram nesta atividade, têm em comum um sentido de missão e é por isso que a comunidade as exalta. Tive a oportunidade de experimentar isso.

Há quase 30 anos fui chamado para auxiliar uma mulher num parto. Foi o primeiro que acompanhei por aqui. À época morava em Lothlorien e Dinha, a parturiente, tinha sua residência logo depois da ponte de Almir (que é o marido dela), indo pro Bomba. O parto foi muito legal, com direito após tudo terminado, a um gostoso caldo de cana que foi feito em uma máquina manual construída com troncos de madeira que a família movia na força do braço.

Naquele tempo não havia feira aqui no Capão e no sábado todos desciam até Palmeiras para vender e comprar. Eu também. Então, em um destes sábados dei com Dinha na feira. Ela me viu e me deu um abraço que me impressionou pela sua peculiaridade. As mulheres daqui eram bastante reservadas. Lembro que uma vez Nivaldo durante um forró entregou-me sua esposa para que eu dançasse com ela. Esta era uma atitude que mostrava publicamente grande confiança e consideração (ela, que estava tensa demais e por isso dançou com dificuldade, pareceu-me que não gostou de tanta consideração naquela hora). Enfim, as mulheres não eram dadas a maiores aberturas com os homens que não fossem maridos, irmãos, ou enfim, parentes próximos – e veja lá. Mas Dinha me abraçou com uma alegria e abertura inusuais. As mulheres ao redor também se aproximaram e me trataram com uma intimidade que até então nunca havia ocorrido e olhe que já morava aqui havia cerca de 5 anos!


Só então me dei conta que havia acompanhado um parto e assim entrava para o grupo das parteiras. Ponho no feminino porque naquele momento com aquelas mulheres, conversando e dando risada, me senti como se eu não fosse um homem (embora tampouco fosse uma mulher), ocupando um limbo destinado a seres relativos à magia do parto. Gostei!

Recebam um abraço parteiral de Aureo Augusto

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

DULCE

Sempre gostei muito da presença das mulheres da vizinhança durante os partos que fiz aqui no Vale do Capão. Porém agora me lembro de uma pessoa que era extraordinária. Recordo-me de Dulce. 

Este não era o seu nome, mas ninguém se referia a ela pelo batismo e sim pelo apelido que revelava-lhe a doce alma.
Ela tinha olhos verdes, claros, cristalinos e sorriso bondoso. Mas era firme e brincalhona. Quando eu chegava nas casas para parto ou atendimento médico ela já lá estava. E me informava: “já pus água para ferver”. Caso fosse parto, tinha o chá de algodoeiro em andamento. Como conhecia, pelo observar, muitos dos meus tratamentos hidroterapêuticos, cuidava de ter panos para as compressas...

Parece que havia um acordo tácito entre os vizinhos que fazia com que a considerassem parte de qualquer cuidado em saúde. Eu, de minha parte, estranhava quando ela não estiva ali. Dulce era parte íntima do cuidado.

Impressionava pelo bom humor, embora tenha tido uma vida matrimonial dura, já que seu esposo era homem difícil, adicto ao álcool que o tornava mais difícil ainda. Há quase 30 anos soube que ela havia enviuvado. A ponte dos Brancos sobre o rio que serpenteia por todo o Vale do Capão havia caído quando de uma enchente e ele, bêbado, caiu do cavalo na passagem difícil pelo vau, batendo a cabeça e foi encontrado morto.

Daí para a morte dela se passaram em torno de 15 anos, quando tive a oportunidade de conviver (pelo menos nos momentos de atendimentos) com sua disponibilidade bondosa. Desenvolveu um tumor cerebral e foi tratar-se em Salvador. Eu estava trabalhando no quintal de casa quando me procurou um de seus filhos, Gilmar. Ele entrou devagar me olhou, disse que sua mãe tinha morrido e retirou-se incontinenti. Fiquei parado... Como seriam os atendimentos a partir de agora?

Recebam um beijo saudoso de Aureo Augusto.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

RODILHA DA CALÇA DO MARIDO

Frequentemente os costumes populares vêm da relação do ser humano com a natureza, ou de acontecimentos antigos nas sociedades. Um exemplo é a capoeira que, todos sabem, é uma dança e uma luta que se desenvolveu como uma forma de defesa. A gravata que até algum tempo atrás era adereço masculino obrigatório foi adotada pelos franceses quando foram apoiados por tropas sérvias no século XIX que usavam lenços no pescoço. Os franceses adotaram, modificaram e logo foram imitados pelo resto do mundo.

Mas tem alguns costumes que nos provocam interrogação. Uma vez fui fazer um parto lá no Bomba (a parte mais ao sul do Vale do Capão, antes chamada de Coruja – o povo não gostava deste nome e mudou – já perto da subida dos Gerais). O processo demorou um pouco e a mulher acabou ficando cansada. Mas, embora demorado, estava dentro da normalidade, afinal cada mulher e seu bebê tem seu ritmo. Estava aguardando quando D. Maria, parteira que também estava comigo, procurou uma calça do pai da criança. Fiquei curioso. O marido da parturiente trouxe uma calça, mas estava limpa, recém-retirada da gaveta. Não servia. Tinha que ser usada, não precisava ser imunda, mas usada.
Quando o rapaz trouxe a calça, a parteira fez uma rodilha e pôs sob a mulher que estava de cócoras. Para ela isso acelerava o parto.

Continuei esperando e matutando sobre qual a causa ou qual o simbolismo naquela atitude. Depois de muito pensar ocorreu-me que, conquanto durante a dilatação a mulher fique bastante introspectiva e até mesmo abstraída do mundo, o processo de expulsão marca um retorno ao mundo, a uma conduta mais ativa, já que uma vez que a criança nasce a mãe deverá estar bem atenta a possíveis problemas para a criança. Quando vivíamos nas matas, este era um momento frágil e os predadores poderiam se aproveitar. Talvez intuitivamente se faça uma associação entre esta conduta mais, digamos, agressiva, e a calça do marido que pode simbolizar a força ativa, a adrenalina que chega neste momento. Claro que esta minha elucubração pode ser pura viagem, oxalá os leitores me tragam explicações melhores.

Em tempo: O parto aconteceu na boa, mas não vi nenhum aumento do pique com o uso calça do marido.

Aureo Augusto.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

HORIZONTALIDADE

Partilho com vocês um poema que fiz em abril deste ano:
            HORIZONTALIDADE
A vida tem todas as possibilidades de grandes glórias e aventuras
E elas, as possibilidades, aí estão espreitando-me;
Alegra ao meu coração aventureiro poder flertar com elas
E saborear em alguns momentos coisas afins com a conquista
Com descobertas de novos mundos e alegrias feitas de fantasia.

Então, quando os meus membros se cansam de aplaudir as ilusões
E quando as pálpebras e as sobrancelhas se exaurem do assombro
Olho para o oco em meus pés, o pó entre os dedos sujos
Sinto aquela agradável sensação de cansaço na panturrilha
Depois de uma caminhada bem longa, voltando do trabalho.

Quando chego em casa ao anoitecer acompanhando o espichar-se das sombras
Conheço o sabor do ar penetrando olorosamente os recônditos de meu cérebro
Dizendo-me onde isso ou aquilo, cada coisa, distribuindo-se no meu pequeno mundo
Em que cada suspiro e riso, cada piscar ou rir, enfim nada está em nenhum lugar
Habitado pelas potestades celestes, glórias extraordinárias ou epítomes de prazer.

Sento-me diante da lareira apagada (se não faz frio);
Naquele lugar os momentos de percepções geniais
São uma alegria tão grande quanto o sabor comum do meu dia
Ou como as costas sentindo o tronco da árvore no repouso.

recebam um abraço horizontal de Aureo Augusto.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

ANDAR NA ROMARIA E FORA DELA

Quando se aproxima a data da festa da Lapa, começa a arrumação do povo para a romaria. Hoje a maior parte vai de ônibus especialmente fretado para isso. Juntam o dinheiro e procuram os motoristas que já criaram um esquema muito bem arrumado para o transporte dos fiéis (têm até carteirinha de chefes de romaria). Há algum tempo eram caminhões com as pessoas amontoadas na carroceria, parando aqui e ali para comer, descomer e dormir. Mais antigamente ainda era bem mais pitoresco e cansativo. O povo do Vale do Capão se preparava com cuidado, porque a viagem duraria mais de um mês. Saíam a pé, homens, mulheres e crianças, com suas coisas na cabeça ou no lombo de animais e caminhavam léguas e léguas até chegar ao seu destino. Era uma verdadeira epopeia, que não deixava a dever ao Caminho de Santiago do qual tanto se fala.

Embora exaustiva, acredito que esta caminhada representava para eles um momento onde eram esquecidos todos os aspectos opressivos do cotidiano. A gente aqui era pobre, muito pobre. Quem garimpava recebia o ‘saco’ (uma espécie de cesta muito básica) do sócio e partia para a serra para cavoucar a terra em busca de cascalho promissor. Depois o trabalho cansativo de manusear o calumbé e as peneiras até, se a sorte e a intuição resultassem, vir o brilhante reluzir. As mulheres ficavam cuidando da terra e da criançada. Uma vida dura! Quando decaiu a lavra e o café deixou de trazer rendimentos seguros restou à maioria dos homens partir para São Paulo, de onde mandavam dinheiro para o sustento da família, ou desapareciam para sempre sem dar notícias. Vai daí que mais de um mês experimentando o nomadismo deveria representar um descanso; um interregno de sonho, onde tudo pode ser bem aproveitado aos sentidos porque nada será para sempre. Nenhuma rotina!

Descanso caminhando! Sair da rotina era algo maravilhoso, mas as pessoas daquela época talvez não notassem o quanto era benéfico o fato de ter que caminhar aquela jornada.
Observo que em lugares do interior as pessoas fortes, lutadoras, como todas as demais, adoecem, mas não tanto. Mas quando chega a idade e param, quando deixam os exercícios obrigados da labuta, logo se enchem de achaques. Aqueles que, por diversas situações, não podem parar, adoecem menos. Ficando claro que tudo demais é sobra. Ou seja, alguns se esfalfam tanto no trabalho que terminam adoecendo por isso.

O ser humano, se não foi feito para trabalhar em excesso, com certeza não o foi também para ficar parado. E somos uma gente construída para caminhar, e muito. E isso começou com nossos mais remotos antepassados. Foi um sucesso quando cientistas descobriram pegadas de Australopitecus afarensis, na região chamada Corno da África. As marcas eram evidências de que aquele ser caminhava ereto. Como nós. Aliás, não paramos mais. Tanto é assim que logo seus descendentes, os H. erectus e H. habilis, se dispersaram por toda a África, Europa e Ásia e, em seu devido tempo o H. sapiens alcançou a América povoando-a do estreito de Bering à Terra do Fogo. E tudo isso a pé.

Em certa medida gostamos de desculpas, proteção e conforto. Porém desculpas frequentemente são formas de impedir que vivamos de verdade a verdade que é viver. Proteção, coisa tão útil para o nosso crescimento e mesmo para a manutenção da nossa vida, quando em excesso nos será prejudicial. Conforto, quem não o quer? Demais, porém, é um dos mais poderosos venenos. Portanto, caminhemos como fizeram nossos antepassados.

Recebam um abraço caminheiro de Aureo Augusto.


terça-feira, 10 de junho de 2014

NÃO ESQUEÇA A SEMENTE DE ABÓBORA



O que você faz com a semente das abóboras que cozinha?

Com certeza joga fora como quase todo mundo. Aqui em casa quando vem visita almoçar sempre fica admirada com o pozinho que acrescento ao meu prato. Perguntam-me o que é isso tão saboroso e quando respondo que é semente de abóbora ficam surpresos. Não esperavam algo tão gostoso de uma coisa que nunca prestaram atenção.

O mais legal é que a semente é um grande aliado da nossa saúde.

Primeiro, para quem quer emagrecer pode ser bem útil, porque tende a dar sensação de saciedade e assim a pessoa não come demais, tendo também baixo teor calórico. Além disso, é rica em fibras, o que favorece o processo digestivo contribuindo para a normalização dos movimentos intestinais.

Fonte de zinco e por isso é excelente para proteger a nós, homens, contra o câncer de próstata e juntamente com o ômega 3 reduz a hipertrofia benigna da próstata. Estas substâncias e mais a vitamina A, o ômega 9 e vários antioxidantes fortalecem o sistema imunológico e melhoram a circulação cutânea, contribuindo para reduzir a celulite e tornar a pele mais bonita (coisa que é favorecida também quando ajuda na digestão).

O magnésio e o triptófano (que é precursor da serotonina) aí presentes contribuem para reduzir a intranquilidade e aumentar o bem estar psíquico das pessoas ansiosas.

Preparar é a coisa mais simples do mundo: Bota numa bandeja e dá uma tostadinha no forno – não deixe demais pra não perder nutrientes – e depois bate no liquidificador. Há quem ponha junto no forno, alho picado e já fica outro gosto.

Com tantas qualidades poderia ser até ruim de sabor, mas não é, muito pelo contrário. Por isso não esqueça da semente de abóbora.





Abraços aboborísticos de Aureo Augusto.

terça-feira, 3 de junho de 2014

BACTÉRIAS CAUSAM DOENÇA?

Certa feita, atendi a uma mulher que veio à consulta apenas por curiosidade. Então, depois da anamnese (perguntas e respostas), fiz o exame físico e a análise iridológica (diagnóstico através da íris). A íris me dizia que havia algo sério em seus rins e que precisava de cuidados. Expliquei tudo a ela, que me olhou com um olhar de terrível descrédito e disse que havia acabado de fazer um checkup onde fizera as provas relacionadas a rins e tudo estava perfeitamente normal. Algo constrangido, insisti para que tomasse medidas de proteção, coisa que ela, naturalmente, recusou com firmeza.

O tempo passou e um dia tive a surpresa de vê-la no consultório. Fiquei curioso. Então me contou que seis meses após aquela malfadada consulta, sofreu um problema e perdeu um dos rins; o pior é que uma bactéria chamada Pseudomona aeruginosa lhe agredia o rim remanescente. Já usara todos os antibióticos disponíveis sem sucesso e estava desesperada.
Então lhe expliquei que para as práticas vitalistas em saúde a bactéria não era a causa da doença e sim um dos fatores dela. Para nós, elas têm seu papel, mas não são protagonistas. O que ocorre é que por conta de má alimentação, sedentarismo, estados psíquicos inadequados, entre outros fatores, o funcionamento orgânico se vê dificultado, resultando disso o acúmulo de substâncias inadequadas, pois a produção destas se vê maior do que a capacidade de eliminação do corpo. Este então lança mão das doenças agudas como forma de cura. Hipócrates, no século IV a.C. dizia que a doença aguda era o princípio da cura, pois esta é a forma que o corpo encontra de eliminar as toxinas (diluídas no muco que é produzido nas mucosas da boca, garganta, intestinos, brônquios, vias urinárias etc.) e assim tentar reencontrar o equilíbrio dinâmico que caracteriza a vida. Aí é que os vírus e bactérias entram. Estes seres se alimentam das substâncias que para o nosso corpo são lixo, do mesmo modo que as baratas e os ratos comem o lixo que produzimos em nossas casas. Ratos e baratas não criam o lixo, mas contribuem para mais sujeira quando há desequilíbrio ecológico, porque se multiplicam demais. Da mesma forma as bactérias.

Aqui não há espaço para detalhar melhor este importante assunto. Perguntas dos leitores ajudarão nisso. Mas importa dizer que ela entendeu. Então sugeri que precisava limpar o seu organismo para que não houvesse mais a necessidade de excesso de Pseudomonas.
Fez um rigoroso tratamento que envolvia a adoção de procedimentos hidroterápicos, geoterápicos, alimentares etc. e ficou livre do problema renal que a afligia. Dito melhor, já que para os vitalistas não existem doenças locais, ela ficou livre do problema orgânico geral que se manifestava localmente no rim.

Devo dizer que posto este comentário movido por reportagens que de quando em vez aparecem na mídia, alertando para a presença de superbactérias que resistem a todos os antibióticos e quem tem alguma doença associada a estas bactérias fica em situação muito difícil (alguns grupos de Stafilococus aureus, Neisseria gonorrheae, Klebsiella pneumoniae, NDM-1, Bacilo de Koch – relacionado à tuberculose – Escherichia coli). Isso não significa que eu seja contra o uso de antibióticos, sou contra o seu uso irresponsável e contra o seu uso sem o respeito pela economia orgânica, que é a regra vigente na forma como se pratica a medicina atualmente.
Este é um tema que merece mais que uma mera postagem, mas espero que esta seja tomada como alerta.


Recebam um abraço bacteriano de Aureo Augusto (rsrsrs).

domingo, 25 de maio de 2014

SAÚDE E INTERNET - CUIDADO!

Há alguns dias atendi a uma moça aqui do Vale do Capão que tinha um problema de saúde. Pesquisou na internet sobre o que sentia e isso tornou a consulta muito mais instigante e produtiva. Este é um dos motivos pelos quais acho maravilhosa este instrumento de conhecimento. Eu mesmo gosto de pesquisar na net, embora ainda engatinho na tecnologia.

No entanto, outra pessoa veio apavorada porque apresentava um sintoma relacionado a um problema de pouca monta, mas que na net ela encontrou associada a uma doença bastante grave e mortal. O susto foi resolvido rapidamente quando demonstrei que o sintoma era afim com algo superficial e de fácil solução.

O segundo exemplo não é em si um problema só da internet já que mal entendidos são disseminados em qualquer dos inúmeros meios (mídias) comunicativos. Até no bate-papo entre amigos isso acontece. Mas a internet, talvez por sua disseminação, pode espalhar absurdos como nenhum outro meio e isso me faz pensar até porque recebo vários e-mails com pedidos de confirmação do que está posto. Uns exemplos e comentários:
Tem um afirmando que o limão é 300mil vezes mais potente que a quimioterapia contra câncer. Aliás, outro substitui o limão pela graviola. Mas, em que pese a troca, o absurdo é o mesmo. Conquanto o limão e a graviola sejam alimentos maravilhosos, dotados de alto valor nutracêutico, NÃO devem ser comparados à quimioterapia anticancerígena e tampouco matam a célula com a doença. O e-mail sugere que comer estas frutas equivale a ir ao hospital, sofrer internação e receber na veia determinada quantidade de uma substância que, uma vez no corpo deverá alcançar as células cancerígenas e eliminá-las com maior ou menor sucesso, conforme vários fatores. Ora, não é essa a função da alimentação, cujo papel principal é fortalecer o corpo para que ele se resolva.

Por outro lado, ainda que o limão e a graviola contenham substâncias que ataquem, enfraqueçam ou mesmo matem, células cancerígenas, são em pequena quantidade; tão pequena que para este fim, seria incapaz de ação efetiva. Ademais, cito Paracelso: “A diferença entre remédio e veneno está na dose”. Os quimioterápicos são venenos que matam primeiro as células doentes (mais frágeis), mas que agridem também as células normais (mais resistentes). Tem que ser aplicado em uma dose que mate o que se quer matar, mas não mate o que se quer vivo. Atentemos para o fato que se o limão ou a graviola tivessem um veneno tão incrivelmente potente, pobre de quem come estas frutas. No entanto, de tudo comentado, o mais importante é que estas frutas NÃO têm potência anticancerígena comparável à quimioterapia e a IRRESPONSABILIDADE veiculada pela mensagem é que incautos podem ser estimulados a parar tratamentos e sofrer por isso. Registro que o consumo regular destas frutas representa um dos meios de prevenir e contribuir para a cura do câncer. Mas mensagens irresponsáveis como estas só afastam os estudiosos da fitoterapia e outras práticas terapêuticas naturais.

Há outra postagem que diz que cebola aprisiona a bactéria da gripe. Começa que gripe não está associada a bactéria e sim a vírus. Aliás, os vírus não são vistos em microscópios comuns, como diz a mensagem.

Sempre fico surpreso com a propensão de um número significativo de internautas a reenviar informações sem verificar primeiro se são verdadeiras ou úteis. Alguns ainda dizem que estão repassando sem verificar; ora, se não verificou não passe. Muita coisa ruim e prejudicial tem sido veiculada porque nós, honestos internautas, deixamos de ver com olhos críticos.
Mas o que mais me surpreende é ver como pessoas usam seu tempo construindo e divulgando apresentações, algumas delas bem feitas, que levam no mínimo à desinformação e que podem ser muito prejudiciais aos demais. Que tipo de gente é essa?


Recebam um abraço intrigado de Aureo Augusto.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

DANÇA DO VENTRE

Há algum tempo chegou ao Brasil a Dança do Ventre e agradou em cheio a nossa gente.
Conheci-a em um momento de grande felicidade para mim, quando fui homenageado pela população do Vale do Capão, há muitos anos, no dia do médico. Naquela data inesquecível, foram recitadas poesias, apresentados esquetes teatrais, o drama (que é uma tradição do Capão que estava sendo esquecida) e, uma mulher que à época morava aqui mostrou a todos a dança do ventre. O tempo passou e esta forma de arte fincou raízes aqui, graças a diversas pessoas, destacando-se Francesca Carfi (italiana residente no Vale) e Caty (Ecatharine), jovem nativa.

Confesso que não sou grande admirador desta dança enquanto fenômeno estético (coisa que reforça o que direi a seguir), embora me agrade ver Katy dançando, com seus olhos rasgados e presença ao mesmo tempo poderosa e grácil. Sendo assim, por não ter grande apreço por esta arte, nunca me preocupei muito em ir às apresentações.

Porém aconteceu um fato que muito me chamou a atenção: Muitas mulheres das mais variadas idades que sempre vinham à consulta por problemas ginecológicos quando começavam a praticar a dança do ventre deixaram de se queixar daqueles problemas. Então passei a orientar a quem me procurasse com estas queixas a se matricular nos cursos de Francisca e de Katy. Então vi confirmadas minhas expectativas. Elas ficaram livres dos problemas. Ainda reparei (embora ainda tenha poucos casos para corroborar observação) que quem pratica a dança tem partos mais rápidos.
Encontrei Katy recentemente e cobrei dela o recomeço das aulas de dança e ela me anunciou que estava recomeçando. Fiquei feliz, pois assim vou ter menos trabalho (rsrsrs).

Não espero que esta observação que faço tenha o peso de um trabalho científico – conquanto valorize muito aq que a vida e meus clientes me trazem – no entanto quero que este post estimule às mulheres a praticarem esta e outras formas de atividade física e arte que lhes melhore o funcionamento pélvico. É possível que já existam trabalhos científicos sobre o tema. Se os há, procuremos, pois estou inclinado a considerar que os movimentos desta região, na dança do ventre, no samba de roda, na dança afro e em outras atividades artísticas, contribuem para a melhor circulação sanguínea, linfática e energética nos órgãos pélvicos, melhorando também o funcionamento intestinal, essencial para a boa saúde.


Recebam um abraço dançante de Aureo Augusto

segunda-feira, 12 de maio de 2014

COUVE, COMA SEM PENA!

Couve, legume de mil virtudes.
Hipócrates (séc. V a.C.)

Seu nome científico é Brassica oleracea acephala, e é uma das plantas mais importantes para nós, seres humanos; há muito queria escrever sobre a couve, mas era difícil resumir o tanto de bom que há nela – aqui vai uma tentativa.
Faz parte de uma família de plantas, chamadas crucíferas, que inclui o maravilhoso repolho (Brassica oleracea capitata) e o sensacional brócolis (Brassica oleracea italica). Apenas de passagem acrescento que neste gênero, Brassica (família das crucíferas), também temos o rabanete, o agrião, a mostarda e a canola (variedade da colza). Esta última foi difamada na internet quando se divulgou que o óleo de canola era um refugo industrial do petróleo. Fiquei assustado quando li, mas logo depois uma amiga mandou-me por acaso uma foto dela passeando em uma plantação de canola na França. Este episódio me fez ainda mais desconfiado das informações na internet (será tema de outo post).

A couve é tão legal que os gregos antigos achavam que a urina de mulheres grávidas que comessem muita couve era medicinal. Foram os primeiros que intuíram a sua riqueza em vitamina A (antes de as vitaminas serem descobertas). Mas além da vitamina A, ela tem propriedades medicinais que justificam sua presença na mesa, pelo menos 2 vezes por semana: é expectorante em problemas respiratórios; protege a mucosa do estômago – importante contra gastrites e úlceras; para problemas do fígado; muito boa para tudo o que afeta a pele – eczemas, coceiras; ajuda a regularizar o funcionamento do intestino, ou seja, contra prisão de ventre (obstipação). Como se não bastasse tem sido usada com sucesso contra dores de cabeça, dores musculares e neurogênicas (dos nervos). Fontes de ferro, vitamina C, ácido fólico e a já mencionada vitamina A.

Você acha muito? Imagine quando souber que as antocianinas, os sulforafanos e os glicosinolatos presentes na couve e suas descendentes (repolho, couve-de-bruxelas, brócolis) são poderosas substâncias anticancerígenas. Estudos mostram que o consumo regular de couve e das demais crucíferas reduz em 40% o risco de câncer de mama, além de diminuir o risco de câncer de bexiga (50%), de pulmão, do sistema digestório (estômago, intestino etc.), próstata (comer crucíferas 3 vezes por semana é até mais protetor do que consumir tomate).

Um importante pesquisador em alimentação e câncer, Dr. Bélivau afirma: “de todos os vegetais comestíveis para os humanos, os legumes crucíferos são provavelmente aqueles que contêm a maior variedade de moléculas fitoquímicas com propriedades anticâncer”.

Como se não bastasse, a couve tem uma relação magnésio/cálcio que faz com que o cálcio desta folha seja mais bem absorvido e utilizado pelo organismo que o cálcio do leite e derivados. O que contribui significativamente para a calcificação óssea, melhor funcionamento dos músculos, redução de peso, regulação da pressão arterial, entre outras vantagens. Aliás, seu teor em magnésio faz com que tradicionalmente seja vista como boa para o mau-humor e o desânimo.
Vamos “cair matando” na couve?


Recebam um abraço couvístico de Aureo Augusto.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

EPICURO E A SAÚDE GLOBAL (LIDANDO COM O PRAZER)

Partilho um texto (excerto de Carta Sobre a Felicidade – a Meneceu, publicado em grego e português pela Editora UNESP em 2002) de um precursor de todo o movimento que, em dado momento se autodenominou alternativo. Epicuro, seu autor, talvez tenha sido o primeiro a propor a formação de uma comunidade alternativa, nos moldes pensados no século passado. Viveu na Grécia. Em 306 a.C. fundou em Atenas uma comunidade que atraiu gente de muitos lugares, onde as pessoas viviam plantando o que comiam, encontrando prazer na vida simples, vivendo frequentemente em barracas:
Nunca devemos nos esquecer que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, e nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.
Consideremos também que dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz; em razão desse fim praticamos todas as nossas ações para nos afastarmos da dor e do medo.
...
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer. Há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.
A filosofia de Epicuro está centrada no fato de que todos os seres procuram sempre o prazer (aqui significando bem estar). Devemos considerar que seu exemplo é bem atual, inda mais neste momento, de globalização (que a rigor começou na pré-história, ampliou-se com as navegações portuguesas e agora culmina com a cada vez maior interdependência comercial e com a internet) das relações entre as diversas pessoas, culturas, nações, economias. Mesmo morando no Vale do Capão, sei tanto do que acontece com meu vizinho, em tempo real, como do que se passa no Irã, na Indonésia, ou no Kwait. Somos uma comunidade terráquea e devemos atentar para o fato de que os nossos desejos não fundamentais, bem como os não naturais, frequentemente instaurados em nós por uma mídia a serviço do lucro de corporações que não levam em consideração a sustentabilidade, dizia, que tais desejos podem ser uma declaração de morte ao nosso futuro.
Vai daí que precisamos aprender a lidar com o prazer, uma vez que a nossa recusa a tratar isso da forma adequada nos tem levado a deixar-nos ser vítimas de uma mídia que nos impõe a medicalização da vida, e a agrotoxificação do mundo. No afã de atender a prazeres imediatos não podemos nos considerar meras vítimas inocentes de corporações que querem lucro a todo custo, uma vez que em grande medida (e sem querer tirar a responsabilidade – ou irresponsabilidade – das grandes empresas e governos) nós também somos agentes ativos de nossa própria desgraça ecológica.

“O futuro não é totalmente nosso, nem não-nosso”.  Mas é nossa a decisão de como vamos atuar no presente com vistas ao futuro. Isso tanto em nossa vida particular quanto na relação com o meio ambiente. Lembrando Morris Bermann (in El Reencantamiento del Mundo (Cuatro Vientos, Santiago-Ch) quando nos diz que o jeito com o qual lidamos com nosso corpo é isomórfico à nossa ação com o ambiente entendemos que agrotoxificamos o ambiente na mesma medida em que medicalizamos nossa vida.

Exemplo disso é a forma imediatista com que lidamos com nossas dores físicas e psíquicas. Os pais não suportam suportar a dor nos filhos e em si. Para não sentir a mínima dor, desconforto ou doença aguda nos medicamos assiduamente, o que traz consequências avassaladoras para a saúde, seja por causa de efeitos colaterais, seja por que deixamos de ter competência para lidar com a dor e a perda. Aos poucos somos tomados por um narcisismo que, em última análise é autodestrutivo (sobre isso veja Dana Zohar, in O Ser Quântico). E acabamos por agir com o ambiente, como se estivéssemos fora dele e para sermos por ele servidos .  Dessa forma e no desejo de atender a desejos tornados essenciais, mas que não passam de não naturais, ou não necessários, acabamos por sobre exigir da Terra que “pode prover a toda e qualquer necessidade, mas não a toda e qualquer cobiça” (Gandhi in Minha Vida e Meus Encontros com a Verdade, Diffel, São Paulo).
Saídas existem e são muitas, porém todas passam pela consciência. Passam por aprendermos com o passado, netamente com o século XX, o das ideologias, onde o culpado era sempre o outro (capitalistas, comunistas, fascistas, democratas, negros, brancos, europeus, cristãos etc.) que deveria, preferencialmente, ser eliminado. Por assumir a responsabilidade pelos nossos desejos e pelo futuro, bem como com pelo presente. Sem ver as medicações como obra (apenas) de interesses escusos, entendê-las como úteis em determinadas circunstâncias, mas evita-las sistematicamente. Procurar encontrar soluções para o desabastecimento de grande parcela da população mundial sem o uso fácil de insumos artificiais e alheios aos costumes locais. Não alinhar-se com hegemonias óbvias, apenas porque poderosas, porém não esquecer que aquilo de hegemônico assim se tornou não por obra do acaso. Entender as injunções que criaram um mundo tão injusto, tão hipócrita, tão terrível, mas que nos traz maravilhas que merecem contemplação. Estas são algumas das tarefas que devemos assumir.

Nossa tarefa não é fácil. Estamos sendo convidados a rever o mundo que criamos não mais com o olhar meramente e facilmente crítico depreciativo. É tão fácil derrubar, desconstruir, quando não temos competência para colocar-nos ombro a ombro com o nosso próximo. Por isso nossa tarefa é difícil. Somos nós, os que padecemos de narcisismo, de sedentarismo (ainda que seja uma forma de sedentarismo psíquico que nos faz acreditar em teorias nas quais mais uma vez clivamos o mundo entre pessoas certas e pessoas erradas). Nossos próprios desvios psicológicos e nossas necessidades narcísicas nos fazem condenar aos demais e repetir toda a história da humanidade onde sempre criamos a necessidade de ricos e pobres, líderes e liderados (rigidamente estabelecidos), nobres e plebeus, ortodoxos e heterodoxos, salvadores do mundo e destrutores do mundo, absolutamente bons e absolutamente maus, este partido e aquele partido...

Talvez esta globalização que estamos vivendo, com tudo de absurdo que há nela, seja enfim uma oportunidade de viver como se vivia na aldeia, um convite a sairmos do conforto umbilical de estar certo das nossas certezas. A chance de desfrutar prazerosamente do ato de viver a satisfação dos nossos desejos naturais e até alguns a mais, atendendo também ao desejo de que as gerações futuras possam desfrutar do mesmo prazer de cuidar do mundo.

Recebam um abraço global de Aureo Augusto.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

MATAR RISO SISO ALEGRIA, QUAL A OPÇÃO?

Recebi a notícia de uma mulher que foi obrigada a fazer cesárea e fiquei chocado. Sentei-me pra conversar um pouco com Mariane Riani sobre o assunto. Esse “sentei-me” é uma ironia, porque estávamos a 450 km de distância um do outro. Essa é uma beleza da tecnologia. Podemos conversar por e-mail, fb, WatsApp etc. rapidinho e barato apesar das distâncias. A tecnologia tem seu lado mágico!

Infelizmente o avanço tecnológico não coincide com o avanço ético. Em nossa sociedade a ética está bem atrás haja vista o uso dos conhecimentos científicos para concretização de tremendas barbaridades. A bioética (uma reação ao barbarismo científico) surgiu quando se descobriu as experiências que os americanos faziam com pacientes negros para ver a evolução de doenças como sífilis, sem que eles soubessem, bem como outras onde os soldados comuns eram expostos inadvertidamente à radiação atômica. Pelo bem da ciência e do conhecimento pessoas morreram em condições atrozes. Nesse exato momento, no Japão, pessoas estão sendo arrebanhadas para trabalhar na limpeza da usina de Fukushima, sem saber que em breve terão diversas formas de câncer – pelo bem do lucro! Estes são alguns exemplos. A magia tem seu lado perverso!

Acho curioso que algumas pessoas achem que se existem extraterrestres e sendo eles tecnologicamente muito superiores deverão ser mais éticos. Será? Pode ser que queiram nos testar em laboratórios, usar-nos como cobaias, ou, até tratar-nos como gado e fazer-nos de alimento. Não tem gente que come carne de preá, cotia, onça, arara, bunda de tanajura? Então porque os extraterrestres não comeriam coisas como nós?

Esta falta de conexão entre ética e técnica pode nos levar a condutas como obrigar uma mulher a sofrer cesárea sem que isso seja necessário e contra sua vontade. Mas a conversa com Mariane desencadeou-se por conta da retirada de um vídeo lindo, de uma mulher parindo feliz e risonha, da página do PARIR porque foi denunciada por nudez. Comentamos que fica difícil crer que seja por nudez e sim porque incomoda a felicidade e a alegria expostas no vídeo. O PARIR se manifestou sobre isso em um texto publicado em sua página no facebook e não vou repetir, porém na conversa encontramos outros significados e um deles passo a comentar:

A civilização humana a partir de certo momento parece que resolveu enveredar por um caminho afim com a morte. Freud dizia que temos uma pulsão de vida e uma pulsão de morte. Ocorreu-nos naquela conversa que optamos pela segunda pulsão.

Diz Riane Eisler (in O Cálice e a Espada) que a partir das invasões kurganas e semíticas que instalaram a sociedade patriarcal começamos a dar maior valor a tecnologias de destruição (como a construção de armas) do que a tecnologias voltadas para a vida (como a confecção de cestos). Os soldados passaram a ser mais importantes que os agricultores, por exemplo. E se criou toda uma ideologia, mitologia, religião afirmando o valor da agressividade, da violência. Lembremos a nossa história, tem sido uma série de atrocidades. Os imperadores chineses massacrando seus adversários, transportando povos de um lugar para outro a seu bel prazer, escravizando. Não foram diferentes dos astecas ou dos assírios e romanos. Para os gregos, tão cultores da filosofia, a guerra era uma atividade nobre e concomitantemente as mulheres tinham que ficar em um lugar específico da casa chamado gineceu. Nas sociedades cultoras da violência, engravidar e parir só faziam sentido enquanto produtoras de soldados. Atividades que melhorassem as condições de vida das pessoas em geral tendiam a ser alijadas da condição de preferenciais nos programas de governo.

O interessante é que quanto mais nos identificamos enquanto civilização (todas as civilizações humanas) mais obrigamos às mulheres a uma posição de subserviência, de ausência de autonomia. Claro que em algumas sociedades mais do que em outras. No Japão Tokugawa a vida da mulher era bem restrita; já entre os celtas as mulheres tinham mais liberdade, mas onde quer que seja a tendência era que os valores associados ao feminino tivessem menos valor.

Esta afinidade guerreira não produziu apenas desastres. Com isso o ser humano conseguiu “estômago” para praticar dissecações, por exemplo, de cadáveres, e assim ter maiores conhecimentos de anatomia. A ciência (e, consequentemente, os seres humanos) progrediu, na medida em que conseguimos certo grau de distância do objeto de estudo, possibilitando uma abordagem isenta (claro que isso foi positivo por um lado e péssimo por outro, mas isso é outra história). Ou seja, algo de bom veio, porém o prejuízo para as relações intra humanidade e da humanidade com o entorno é incalculável e se não mudarmos isso de imediato há risco sério de que levemos a cabo a destruição do planeta (e de nós).
Urge uma conduta onde possamos reconhecer e incluir o de positivo que o patriarcado nos trouxe, mas que possa romper com o paradoxo de querer viver matando, crescer aniquilando os parceiros existenciais, existir à parte de todo o demais, considerar mais valorizável a dor que a alegria.

Naquela interessante conversa intuímos que o grande passo que cada um de nós pode dar individualmente é investir na alegria já que talvez a frase mais relacionada ao pensamento exclusivista, patriarcal e misógino seja: “Muito riso é sinal de pouco siso”. Quando todos nós sabemos que os sérios políticos e governantes sisudos têm sido infinitamente mais devastadores, cruéis, assassinos, corruptos e corruptores do que os palhaços, os humoristas e as pessoas de riso fácil e feliz.

Quando nós, humanos comuns, nos deixamos levar pelo mau humor, pela irritação, frequentemente fruto do fato de que nos levamos mais a sério do que deveríamos, facilmente nos alinhamos com a segregação e logo encontramos lá fora os culpados pela nossa irritação. Não nego que existam razões externas que nos causem justa revolta, mas frequentemente elas não passam de desculpa para o nosso hábito mental de nos vincular à dor, e ao mau humor.
Um ponto importante é que facilmente, e como corolário do nosso hábito mental doentio, tendemos a afastar a responsabilidade da alegria. Chegamos a verbalizar que em tal ou qual lugar ficamos felizes porque longe das responsabilidades. Esta é uma armadilha. Claro que as férias são uma necessidade, exatamente para estarmos um pouco longe das responsabilidades, mas responsabilidade é condição natural e agradável da humanidade. E jamais é antônimo de alegria.

A alegria só será possível, no tempo, na medida em que nos responsabilizamos por nossas próprias decisões. Afinal foram nossas decisões erradas que fizeram com que o mundo corra risco de desaparecer e as relações estão tão problemáticas; não há como fugir da responsabilidade que não passa da resposta do Mundo a nossas decisões e condutas, por isso devemos abençoar nossa vida pelo riso bondoso e pela alegria.


Recebam um abraço alegre de Aureo Augusto.

sábado, 12 de abril de 2014

MANIFESTAÇÃO EM SALVADOR EXIGINDO HUMANIZAÇÃO DO PARTO.

Você sabia que mais de um quarto das mulheres que têm seus filhos em hospital são tratadas de forma grosseira, ou agredidas física e psiquicamente?
Esta é uma situação absurda para a qual a nossa sociedade não tem dado a devida atenção. Impressionante isso, considerando-se que a mulher grávida é uma esperança de mais vida e cede o seu corpo para que nossa espécie possa continuar sobre a Terra. E a forma como acontece o parto é determinante de muitos aspectos da nossa personalidade, da nossa forma de se relacionar com o mundo, até, da nossa felicidade.

Esta conversa não se insere em qualquer discussão quanto ao local do parto, se em casa ou no hospital, já que vai além disso. A mulher em qualquer circunstância, porém mais ainda na hora do parto, deverá sempre ser tratada com a devida consideração, respeito e carinho.
Ontem, dia 11/4/14, aconteceu em Salvador (e em todo o Brasil) uma manifestação pela humanização do parto. O grupo de pessoas ali presentes não foi muito grande (não pude ir, infelizmente), mas foi o suficiente para que rendesse uma reportagem do jornal A Tarde, que é o de maior circulação no norte/nordeste do país, coisa bastante significativa.

Quem já se deu conta de que a objetivação da pessoa, que o tratar a pessoa como se fosse um objeto sem consciência, sem sentimentos, sem sensações, dores ou amores, é atitude que acaba por interferir negativamente nos resultados dos tratamentos (para dizer o mínimo) deve estar atento para estes eventos, participar da mobilização e mesmo fomenta-los.

Fico triste por não ter ido, mas aproveito este meio de comunicação para divulga-lo e assim dar minha contribuição.

Vamos todos cuidar de quem nos cuida.

sábado, 5 de abril de 2014

ALGODÃO E OUTRAS PLANTAS NO PARTO

Uma das aprendizagens interessantes que tive aqui no Capão foi o do uso das plantas durante o processo de parto. Em outra parte comentei sobre os temperos “nas partes”, mas tem coisas menos pitorescas e mais aplicáveis em outros lugares. Uma das plantas mais interessantes usadas pela comunidade aqui é o algodoeiro.

Antigamente todas as pessoas tinham um pé de algodão em casa, ou sabia dos vizinhos que tinham. Esta planta é extremamente bem considerada pela gente local. A literatura médica fitoterápica diz que esta planta usada em chás ou sumos tem papel significativo no tratamento da asma, das infecções respiratórias, diarreias, dores abdominais. Para os problemas da mulher o algodoeiro é de primeira linha: Contra dismenorreia (dificuldades, incluso dores, na menstruação), metrorragia e menorragia (perdas de sangue fora ou durante a menstruação).
Considera-se que não deve ser usado quando se quer engravidar, pois aumenta a contratilidade uterina dificultando a nidação (fixação) do ovo no útero. No entanto, pode ser usado em mulheres reconhecidamente não férteis e querem engravidar.

Aqui no Vale quando alguém toma uma pancada forte a ponto de provocar dores nas costelas ou em algum membro se usa o sumo das folhas ou em casos de infecção – usos reconhecidos pela literatura.

Sempre gostei do chá desta folha quando a mulher em trabalho de parto apresenta redução das contrações uterinas e encontrei este uso por aqui. O banho de assento bem quente com o chá da folha que também deve ser ingerido é maravilhoso. As contrações logo recomeçam. No entanto, convém só usar após 6cm de dilatação para não forçar o útero.

Após o parto gosto recomendar à mulher lavar a vagina com o chá para impedir infecções já que os taninos nele presentes são antibacterianos e por fim, por serem adstringentes facilitam a cicatrização. Como veem, trata-se de uma planta bem especial.

Outra planta que também era usada, mas que noto está reduzindo seu uso por aqui é o mentrasto. Acabava o parto e a mulher era banhada com esta planta que servia para “afastar tudo de mal”, pois o parto é uma condição mágica, onde muitas energias, algumas bastante primitivas são liberadas e o mentrasto ajuda na “limpeza das energias”. Esta é outra planta bastante considerada na literatura. Serve para um sem número de afecções, mas como era de se esperar, não se menciona na ciência seu uso mágico.

O mal-me-quer-bem-me-quer (calêndula) também pode ser usado para lavar a área genital após o parto e aqui no Capão observei um uso que não conhecia. Algumas mulheres que tudo fizeram para engravidar sem sucesso, ficaram prenhes após o uso do chá desta planta. Fiquei intrigado, pois nos textos científicos são mencionadas suas características antissépticas (contra infecção), inclusive antivirais, entre outros usos, mas nada sobre aumentar a fertilidade feminina. Há que estudar isso.

Temos muito a aprender e descobrir!

Recebam um abraço partejado.

domingo, 30 de março de 2014

TEMPEROS "NAS PARTES"

Foi há um bom tempo, tem já muita água passada por debaixo das pontes aqui deste Vale abençoado desde o acontecido que agora vou contar.
Fui chamado prum parto lá pras bandas do Militão. A mulher, me disse a parteira que me esperou na porta, estava “incomodada” havia várias horas, mas não despachava. A coisa não ia adiante, estava devagar.

Adentrei a casa, daquelas de antigamente, sem janela, e caixas de papelão fingindo-se de gavetas, mais pra escura que iluminada; a mulher, uma moça na verdade, branquela e com cara de que não entendia o que se passava. Naquela época não tínhamos posto da Estratégia de Saúde da Família por aqui e muito menos agentes comunitárias de saúde, e nem todas as mulheres compareciam à consulta em Lothlorien, a instituição onde eu atendia gratuitamente a gente daqui. Assim nem sempre tinha pré-natal apesar da minha insistência. Aquela moça não havia frequentado e acredito que era isso que lhe dava aquele jeito de que vivia um segredo revelado sem mais nem que. Antes mesmo de me acostumar ao escuro e de ver o rosto leitoso no meio das sombras, uma coisa me causou surpresa: O forte cheiro de tempero caseiro, dos bons – tinha coentro, pimenta, tinha alho – dava pra abrir a fome... Quase brinco com a coisa dizendo que ia almoçar por ali mesmo, embora não fosse coisa de almoço já que os lampiões estavam acesos.

Deitei-a com cuidado, conversei um pouco, fiz perguntas e brinquei até que relaxasse. Então apalpei o barrigão. Quando pus o estetoscópio de Pinar e escutei o coração a 140 bpm (batimentos por minuto) em QIE (quadrante inferior esquerdo), já bem baixo, o cheiro de comida ficou bem forte. Então fui fazer o exame de toque, pra observar dilatação e altura do cabrito (ou cabrita) que estava por vir. Aí se revelou o segredo do apetitoso cheiro. Ela estava com “as partes” (termo comum para se referir à genitália) temperadas. A parteira, preocupada com a demora tinha enchido a vagina dela de especiarias. Nunca tinha visto aquilo e achei bem estranho. Mas a criança já estava quase nascendo e apenas me preocupei em limpar a comida, com medo de o cominho irritar os olhos do rebento.

Depois do parto, quando as comadres cuidavam da mulher, lembrei que a excitação da parede posterior da vagina estimula a contração uterina. Por isso o tempero. Não há dúvida de que a parteira conseguiu aumentar a contratilidade do útero, mas conversando com a parturiente ela comentou que ardeu muito. O método foi, portanto, bastante drástico.

O Vale me reservou muitos momentos de deliciosas aprendizagens em todos estes anos nos quais participei das vidas de tantas famílias e os partos foram momentos inesquecíveis e ricos como fonte de alegrias e lições.

recebam um abraço temperado de Aureo Augusto


quarta-feira, 26 de março de 2014

AS COMADRES

Uma coisa muito legal dos partos aqui no Vale do Capão é a comadreada que aparece.  Hoje em dia o povo está mais “civilizado” e a coisa já não é como antes, embora este costume ainda exista.

Era assim: O marido, um filho mais velho, irmão, tio ou a vizinha vinha em minha casa me tirar da cama, do almoço, da pintura de um quadro ou do descanso para me avisar que a mulher estava “incomodada”. Era esta a palavra para trabalho de parto. Às vezes era diferente. Um dia Ditinha me pegou na estrada, escuro, chegando de uma cansativa viagem, porque Reizinha, sua filha, estava com um parto complicado (coisa boba, colo anterior, bastou reduzir e o cabrito pulou fora – e não parou mais de pular, pois esse sempre foi danado). Noutra oportunidade arrumava a mala para ir a Salvador atender e me chamaram. Lembro que me preocupei com a viagem do dia seguinte. Naquele momento meus olhos divisaram minha bolsa de runas. Então resolvi tirar uma runa pelo parto, saiu Wunjo, a runa da alegria, invertida. Pensei: invertida ou não é a runa da alegria. E saí.

O parto demorou bastante e a mulher ficou muito agoniada me perguntando a cada momento se a criança estava viva. Preocupava-se demais e tive que fazer algumas manobras para que as coisas acontecessem a contento. Mas no final tudo deu certo (e já fiz o parto do filho deste menino que naquela noite nasceu). Voltei pra casa apenas para pegar a mochila e viajar. Só então me lembrei da runa. Então abri o manual das runas escrito por Ralph Blum onde encontrei a frase inicial do texto sobre wunjo invertida: “As coisas levam muito tempo para frutificar. O processo de nascimento é longo e árduo e aparecem medos pela segurança da criança que está dentro”. Sorri e dormi no banco desconfortável enquanto o ônibus vencia a distância.

Mas escrevia da presença das comadres nos partos. Quando chegava já lá estavam várias senhoras; todas prontas para ajudar e me olhavam interrogativas quanto ao que deveriam fazer, éramos uma equipe. Atentavam a cada atitude minha, riso, fala, jeito – depois descobri que deduziam a qualidade do acontecimento conforme meu jeito – e recitavam suas ladainhas em silêncio. Então, durante a espera era muito legal o converseiro. A mulher era o centro ao redor do qual todo o mundo girava naqueles instantes. Mas às vezes ela ficava com a cabeça encostada no regaço de alguma comadre e ali ficava por algum tempo descansando. Nestes momentos sempre tinha alguém que se lembrava de algum caso, alguma história e contava a boca pequena. Às vezes a própria parturiente contava algo e ria. Tinha uma coisa de poesia naquelas longas noites em que as sombras eram o pano de fundo do ato de dar a luz.
Depois que o parto acontecia, céleres, arrumavam tudo. Eu ficava sentado na sala vendo o sol me dizer que o dia cantava filho da noite. Então tudo limpo e arrumado me chamavam para dar os conselhos finais (ou iniciais de uma nova vida). Então recebia o abraço tão grato e doce de cada uma daquelas senhoras, beijava a testa da parturiente e do bebê e saía pro mundo das coisas comuns.


Recebam um abraço comadresco de Aureo Augusto