domingo, 26 de janeiro de 2014

FESTA DE SÃO SEBASTIÃO

A festa de São Sebastião é para o Vale do Capão um dos momentos mais fortes das celebrações religiosas. O São João e os festejos de Cosme e Damião são os concorrentes. Este último tem se fortalecido nos últimos tempos. Mesmo nos momentos mais difíceis da comunidade, quando a maior parte das pessoas se haviam ido para Goiás, Mato Grosso e, principalmente, São Paulo, e as dificuldades financeiras alcançaram o ponto alto, mesmo naqueles duros momentos, a festa acontecia com a concorrência de muita gente. Era o momento em que muitos emigrantes retornavam para rever familiares e trazer novidades de outras plagas.

Agora, noto que há certo esmorecimento. Antes era um orgulho para qualquer morador ser escolhido “festeiro”, hoje muitos fogem da honraria. Alguns, como Fafá e sua esposa Bibia, desejaram e assumiram com alegria, outros se esquivam. Mesmo assim, nos últimos anos a festa vem num crescendo de beleza. Neste ano, os festeiros brilharam. O casal Neide e Robertinho, e também Fabiana e Dió (agora não me lembro do outro casal quem é) estão cuidando de cada detalhe com um carinho que só podia dar no que deu: Uma festa linda. Tivemos muito forró, muita procissão, muita comilança, fogos, tudo bem organizado e saboroso. Hoje termina com a última procissão, teatro com a história do santo etc. e, a grande expectativa, quais serão os próximos festeiros?

Mas dizia que noto um esmorecimento. Este, assim me parece, tende a atingir os rituais oficiais da igreja católica. Aqui não temos padre. Este atende a diversas localidades e se divide para atender às necessidades de seu rebanho. Já outras atividades religiosas que tendem a ser menos dependentes de uma autoridade remota, como os festejos de Cosme, sincréticos e autônomos, crescem exponencialmente. A Congregação Cristã no Brasil, que é o grupo evangélico mais antigo por aqui, mantém-se firme, com um regular aumento de adictos. Todos notam que aqueles rapazes que, por um ou outro motivo, não conseguem uma noiva, entram para a congregação e logo estão casados. Esta é uma das causas do crescimento, mas também, há uma atividade constante, um ir e vir entre as casas, encontros frequentes, onde se reforça mutuamente a fé e a decisão de dela participar. Esta igreja evangélica também tem a vantagem de não ser codiciosa e não explora economicamente seus fiéis, o que é grande virtude, neste mundo onde os milagres são fonte de renda para líderes religiosos.

Do ponto de vista religioso, os jovens frequentam o face book com ardor dos novos conversos, da mesma forma como na minha juventude ser marxista era a religião da moda. Os rapazes e as moças parecem que entendem automaticamente o funcionamento de tablets, smartphones, laptops, net e coisas assim. Seus caminhos agora tendem a ser menos os caminhos do garimpo na serra, ou as trilhas para Palmeiras e Lençóis com vistas à feira, e muito mais, as navegações virtuais.
Velhos e jovens se misturam nas festas e nos cultos, mas seus caminhos já não são os mesmos. Onde será que tudo isso vai dar?


Recebam um abraço observador de Aureo Augusto

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A INVASÃO DOS DESCONECTADOS

Comentei em uma postagem anterior como a Chapada, em que pese o seu passado violento, convida ao silêncio. No fundo de minha casa corre um rio em cujas águas me banho todas as manhãs, antes do sol nascer. Aquele lugar me dá calma, refresca, enfim, muito mais que o corpo. O mesmo acontece no poço da Cruzinha, na Cachoeira da Angélica, ou da Purificação, lugares enternecedores. Há um remanso logo no início da trilha que vai para Lençóis que é delicioso e o lugar chamado Águas Claras é delicado e aconchegante. Em cada um desses lugares e em outros, e, mesmo, sentado à porta de casa, descansando os olhos no Morro Branco e outras serras ao redor, posso ficar horas, apenas contemplando... Isso é o Vale do Capão. Assim é a Chapada Diamantina.

Então me impressionam os inúmeros jovens que estão chegando neste período por aqui. Em geral causam estranhamento nos moradores por seus modos pouco higiênicos, pelo barulho todas as noites, pelo excesso de bebidas e drogas, entre outras coisas. Parece-me que não vieram para este lugar e nele passam o tempo como se não o tocassem ou vissem. Vêm aqui e veem isso aqui apenas como mais um espaço onde podem fazer o que fazem em qualquer outro lugar: beber, fumar, cheirar, festejar. Durante a noite os moradores ficam incomodados porque seus passeios ficam transbordando de gente gritando, dançando, escutando música alta, bebendo... Ao amanhecer a frente da casa lastrada de copos plásticos, garrafas de bebidas. Então os comensais da noite dormem todo o dia, para novamente voltar à árdua obrigação de esvair-se. Isso se repetindo insanamente diuturnamente. Muitos procuram o posto de saúde em deplorável estado, em crises de garganta, asma, diarreias, dores desesperantes, desesperados pedindo a ajuda que negam a si mesmos. Atendidos, nem sempre gratos, voltam à rotina de raspar toda a energia vital jogando-a no lixo de um dia-a-dia ou noite-a-noite que se tornou uma obrigação de vício.

Estes dias, um sujeito (aparentemente com certa comiseração da mãe) derrubou as traves que são colocadas na praça São Sebastião para tolher a passagem nesses dias de festa do padroeiro local. Com seu carro invadiu o espaço reservado e fez cavalos de pau adoidado, para revolta da população. O povo a custo conseguiu conter o carro, esvaziou os pneus, houve briga e sopapos. Mas o grupo daqueles que queriam que a polícia viesse ganhou daqueles que desejavam fazer justiça com as próprias mãos, estimulados pelas tantas noites tentando dormir em vão para trabalhar no dia seguinte. Por sorte veio a polícia e levou o motorista à cadeia. Quem lê isso e não conhece o Capão não faz ideia do risco. Aqui as praças são das crianças que nelas sentem-se na extensão de suas casas. Há quatro dias outro rapaz estava fumando maconha dentro da farmácia. A balconista pediu-lhe que se retirasse e ele a tratou com muita grosseria por estar cerceando seus direitos. Um morador aqui da rua, teve que usar um cabo de telefone para às 2h da madrugada expulsar os notívagos barulhentos de sua porta. No dia anterior haviam saído, a instâncias do mesmo morador, da porta de um casal de idosos.

Tem sido terrível para a gente daqui que quando ouve falar que vai ter um show chamado Universo Paralelo já começa a se preocupar com o dia seguinte, pois esta tropa tresloucada sai dali para tentar continuar aqui, até que o povo os expulsa, como ocorreu no ano passado.

Não sou um moralista. Acho a farra algo bem legal – conquanto eu mesmo não seja dado a esta atividade salutar quando esporádica – mas o que ocorre pelos lugares aonde os egressos deste Universo Paralelo chegam não tem nada de salutar.
A comunidade aqui no Vale já está chegando ao nível do insuportável. Logo teremos expulsões, mas eu gostaria que a polícia viesse por aqui, afinal, não cabe ao cidadão comum fazer este papel.


Recebam um abraço de um Vale do Capão um pouco cansado de Aureo Augusto.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

ESTIVA

Hoje conheci um lugarejo que participou bem ativamente da história guerreira da Chapada Diamantina. Seu nome oficial é Afrânio Peixoto, mas ninguém chama assim. Todos o conhecem como Estiva. Faz parte de Lençóis.
O lugar é bem bucólico, mas as ruínas dão mostra da pujança antiga. Comparando estas ruínas com as casas atuais, mesmo o posto de saúde novinho, vemos como no passado havia mais cuidado nas construções e como eram maiores, mais imponentes. Pena que esta imponência foi resultado de muita dor, luta, desastres (incluso ecológicos). O garimpo aqui na Chapada e a riqueza subsequente trouxe milhares de pessoas para cá, conduzidas pela ganância, tão natural em nós, seres humanos. Mas, a vista do brilhante fez com que muitos perdessem o siso. Aqui neste pequeno e hoje quieto povoado, muitas pessoas morreram nas correrias de coronéis e jagunços. Incêndios, estupros, vinganças, vendetas, torturas, roubos, traições... Tudo que pior pode o ser humano criar veio no rastro da beleza incorruptível da pedra preciosa. Impressiona o paradoxo da beleza em presença da maldade mais abjeta.

A Chapada é um lugar que convida ao silêncio, à meditação, ao recolhimento, embora o espírito de aventura marque as almas (e muitas vezes os corpos) de muitos que aqui aportam em busca de suas belezas estonteantes. Então, aventura e sossego em um mesmo lugar. É difícil para quem chega agora adivinhar o quanto de violência maculou a calma destas montanhas e platôs.

Despedi-me da povoação pensando no quanto é bom que conseguimos aqui no Brasil alcançar um estado onde o direito não é apenas do mais forte e do mais rico. Os leitores poderão questionar estas palavras, pois sabemos do tanto de injustiças que ainda maculam a justiça em nosso país. Realmente são muitas, mas naquele passado em que Estiva era grande, não havia justiça. O senhor de jagunços é quem definia o certo e o errado sem respeito por este ou aquele que ousasse opor-se a qualquer de seus desejos. Aqui não havia paz, não havia segurança de nenhuma espécie.

Agora as pessoas de boa vontade cultivam a terra enquanto o sol alteia-se entre as nuvens.


Recebam um abraço estival de Aureo Augusto.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

MÉDICOS CUBANOS - primeiras impressões

De início fiquei preocupado com a importação de médicos do exterior patrocinada pelo governo federal. No entanto, lembrei-me da briga de foice que é ter um médico contratado por aqui. Palmeiras tem uma fama antiga de não tratar de forma adequada seus funcionários, e a área da saúde não foge à regra, pelo contrário, reforça-a com vigor. Portanto vários médicos têm sido tratados de forma inadequada por aqui no passado. Mas considerar que apenas o poder público municipal é responsável pela desassistência é deixar de ver o outro lado da moeda.

Muitos dos médicos que por aqui aportam impõem grande quantidade de condições, não respeitam os horários e desconhecem radicalmente o significado de trabalhar em equipe. O posto de saúde da família de Palmeiras (na sede do município) tem sofrido muito com isso. Vários médicos impuseram seus horários e às vezes faltavam avisando na última hora. Um deles só atendia um número excessivamente restrito de pessoas e, apesar de chegar tarde, saía muito mais cedo, deixando o serviço descoberto. Outro se recusou a atender pré-natal ou puericultura. Houve quem abandonasse o serviço de uma hora para outra porque recebem proposta melhor de outro município – e o fez sem aviso prévio. Nenhum aceitou participar de uma reunião com a equipe; participar de qualquer atividade educativa? Aí seria demais! E isso não ocorre apenas em Palmeiras. Várias cidades da Chapada têm estas queixas.
Por isso pensei comigo que, em que pesem os erros cometidos pela forma como a coisa foi feita, a vinda de médicos de outros países poderia contribuir para corrigir estas distorções. Os médicos cubanos me encheram de esperança. Não creio que vão resolver tudo, que não sou tão besta assim, porém têm farta experiência na promoção da saúde e nas diversas formas de prevenção dos agravos. Isso me agradou.

Conheci e já tive algumas reuniões com os quatro que aportaram em Palmeiras. Gostei do que encontrei. Estão bem atentos ao fato de que cada consulta é um processo educativo, têm forte noção de dever e isso inclui a questão dos horários de trabalho. Sei que vou aprender muito com eles, e espero – e para isso a prefeitura terá que fazer sua parte, principalmente provendo condições adequadas de trabalho – que a saúde por aqui possa realmente entrar por um novo caminho.


Abraços saudáveis a todos de Aureo Augusto