quinta-feira, 19 de março de 2015

OS CARAMELOS DE STÁLIN

O pai de Magdalena Szaszkiewicz lhe contava que quando ele era pequeno, logo após a Segunda Guerra Mundial, quando da “liberação” da Polônia pela Rússia, na escola as crianças eram reunidas no pátio e um professor lhes dizia que pedissem a Deus que lhes desse caramelos. Então os alunos se punham a orar piedosamente, mas nada acontecia. Aí lhes recomendavam que pedissem ao “papai Stálin”, o que faziam, e os caramelos apareciam como num passe de mágica.

Magdalena cresceu naquela Polônia, construída com os caramelos de Stálin, onde as pessoas estavam obrigadas a usar de toda a sua criatividade para burlar a lei com a finalidade de conseguir o mínimo para sustentar suas famílias, já que o conforto dos autoproclamados comunistas pautado nas tarjetas de racionamento era nada mais que falácia ideológica e pratos insuficientes. Um mundo onde não se poderia confiar nos vizinhos, já que qualquer deles, incluindo o mais íntimo, poderia ser um vigia do governo. Um lugar onde não se podia falar alto nem pensar diverso, e seus olhos umedeciam com as lembranças.

Estávamos Irma, Belém, Magdalena e eu na hospitaleira cozinha de Jorge e Pati, em Pirque, junto à Cordilheira dos Andes, nas proximidades de Santiago de Chile. O acolhedor fogo e cheiro de pão tostado davam às lembranças da polonesa um sabor onírico, ao tempo em que nos trazia a uma realidade não muito distante no tempo. Irma não nos deixou esquecer dos tempos de racionamento na atroz revolução de direita acontecida nesse belo país e, conquanto o sofrimento brasileiro não tenha levado ao ponto da fome, o medo foi o mote que garantiu o poder àqueles que, com diferentes matizes ideológicos, trataram de impor a verdade que Deus, ou o Capital (o mercado), ou o Partido, davam por assentado como única.

Logo da “liberação” da Polônia com a queda da Cortina de Ferro (será que os jovens sabem o que é isso e o que significou?), Magdalena foi à Noruega e ali havia algo que a deixou estranhada. Não identificou de imediato esta sensação, mas depois percebeu que as jovens como ela vestiam roupas coloridas o que não era acostumado a seus olhos, pois só conhecia branco, negro ou azul marinho nas roupas. E, enquanto me contava de sua experiência de vida não pude deixar de pensar – e o expressei – quanto de medo havia naquele regime que para “salvar” as pessoas tirava delas a humanidade (autonomia, liberdade, criatividade, prazer de viver...), no que ela concordou.

E no decorrer da fascinante conversação, fomos destrinchando acontecimentos atuais e nisso incluindo o fato de que não estamos livres da dominação, até por conta das manipulações midiáticas que podem nos levar a comer o que não é bom para nossa saúde, inscrever-nos em grupos terroristas fundamentalistas religiosos e por aí vai. Mas qual a solução?

Vigilância. Mas não aquela expectativa armada a que estamos acostumados, pois isso não deixa de ser repetição do que está aí, mais do que sempre tivemos. Magdalena nos diz com os olhos úmidos de amor que carecemos nós, antes mesmo de divulgar mensagens de libertação e denúncia, carecemos, dizia, viver o amor, vivenciar o amor em si, por si e na vida e, então irradiá-lo, e seus olhos umedeciam com a mensagem, e, pena que nesse texto não possa mostrar a beleza luminosa que dela irradiava enquanto nos brindava com essas palavras.

Recebam um abraço carinhoso de Aureo Augusto.


6 comentários:

  1. Um problemão esse com que nos deparamos agora, Áureo.
    A juventude está assimilando os 'caramelos' que a mídia está
    oferecendo, e estes não tem nenhum 'licor' de amor:
    Apenas ódio está sendo ministrado!
    Pedem "intervenção militar". e nem sabem o que isso significa.
    Pedem "impeachment", e não veem que querem trocar os
    "quase honestos' por assaltantes.
    Os que votaram num "corrupto padrão" dizem ser contra a corrupção.
    Querem linchar, enforcar, queimar, metralhar, quando menos, exilar.
    Magdalena tem razão: Oremos e vigiemos.
    "É preciso estar atento e forte
    Não temos tempo de temer a morte!"
    (Caetano Veloso)
    Abraço sem rancor.

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    1. Legal a sua "fala", Tesco. Tomara todos leiam o comentário.
      abraço

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  2. Dr. Áureo , li o texto e o comentário do tesco. Tudo vdd. Às vezes fico bastante apreensiva com o que está acontecendo no nosso Brasil amado e sinto-me impotente e me assusto mais. Como dizem os espíritas: Vigiai e orai. Que Deus nos abençoe. Amém!

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    1. Lídia querida,
      há razão nessa sua apreensão. Coisas estranhas estão acontecendo, como se mtos não aceitassem essa coisa boa que é a democracia. Talvez haja impaciência com a lerdeza com que as coisas acontecem na democracia. Esquecem que na ditadura, seja de direita ou de esquerda, as coisas que deveriam acontecer não acontecem.
      Acontece, isso sim, o medo.
      Que Deus nos abençoe e que nós, as pessoas comuns, que se sentem impotentes, saibamos contrapor ao medo a alegria e a soberania de nossos corações.
      Receba um beijo

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  3. Dr. Áureo , li o texto e o comentário do tesco. Tudo vdd. Às vezes fico bastante apreensiva com o que está acontecendo no nosso Brasil amado e sinto-me impotente e me assusto mais. Como dizem os espíritas: Vigiai e orai. Que Deus nos abençoe. Amém!

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    1. Engraçado, seu comentário saiu duas vezes. Veja a resposta que pus acima.
      bjs

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