sábado, 25 de junho de 2016

PAPO DE RUBINHO

Foi Rubinho quem me disse...
(Ele é moto-taxista e conserta motocicletas)
Falou que as vezes as coisas se juntam
Todas elas e derrubam a gente
Parece um conluio e somos apanhados
Como assim do nada uma rede!

E ria, e ríamos, pois é assim mesmo
Tanto aquelas que se juntam para a alegria
Como eu e Rubinho cortando a manhã
No rumo do trabalho, mas também às vezes
Não muito frequente ainda bem
Aquelas que nos fazem penar, sentir, sofrer
E como a alegria, de outro jeito, crescer!

Quando a noite cai na metáfora que é a vida
E ficamos sós porque sempre estamos sós
Ainda que com um doce olhar sobre nós
Vemos o fato de que viver é uma coisa coletiva
Sem deixar de ser subjetivamente erma
Um lugar onde os vizinhos desabitaram o mundo.

Esse é um jogo feito de vazio e repleto
Porque existo apenas enquanto parte
Sendo também essa parte, só.
Mas bem disse o meu amigo
Quando das coisas que se juntam e fazem
Orvalhando o existir como nas manhãs frias.

No meio de um momento como em uma encruzilhada
No meio do mundo como no princípio que é o fim
No meio da vida como na derrocada do azar
No meio de um novo começo aonde de novo
Não sei quem sou e isso me soa como um dejá vu.

O sorriso que nasce apenas pra me lembrar
Que estou na vida como colando uma fita:
O tempo reto como o aro de uma roda...
A lágrima informa que sempre há algo indo embora
Da mesma forma que os dedos acenam
Para os momentos recém-chegados...
Não sei bem como será

Mas isso não é diferente do jeito que sempre foi...

quinta-feira, 16 de junho de 2016

COQUI

Quando cheguei aqui no Capão, há mais de 30 anos, havia dois pássaros que se destacavam pela sua presença: coqui e anum. Hoje são raros. Conversando com Dinha há pouco ela me alertou que estes pássaros são amigos das culturas agrícolas. O Coqui sempre estava presente aonde a enxada tinha limpado o terreno. E gostava muito de comer o arroz nas bagas, por isso de manhã cedo e no entardecer o povo tinha que estar espantando o bichinho para não abater a produção. Eu mesmo, naquele tempo plantei arroz de sequeiro e fiquei feliz com a safra, mas tive que espantar a turma alada. Para mim o coqui e o anum são uma espécie de corvos de nossa área, não apenas pela plumagem preta, mas também pela capacidade de reproduzir palavras e o olhar penetrante e misterioso.

Dinha tinha um coqui. Ele era bem autoritário. Quando alguém passava na frente da casa dele (Dinha pensava que a casa era dela) bicava a cabeça da pessoa que era obrigada a estugar o passo. Para a vizinhança aquilo era brincadeira, mas os turistas se assustavam. Quando eu estava fazendo algo na enxada ele parece que adivinhava... chegava e observava aboletado em um galho baixo. Então pulava no meu serviço pra comer e eu tinha que interromper o trabalho. Tinha a sensação, quando ele me olhava desconfiado, que estava com medo de eu ir comer sua comida.
Um dia desapareceu. Dinha acha que um turista o levou pra si. Pena. Era gente boa!

Mas o fato é que alguns pássaros desapareceram na medida em que a agricultura minguou. Anum, coqui, capitinga (chupa-capim), até o tico-tico tem menos. Aumentou a Aranquã que antes era mais arisca, e o periquito que ainda assalta o os poucos cafezais que restam.

Sinal da passagem do tempo por um Vale do Capão que, embora tão guardado entre as serras, vê sua história mudada como nunca antes. Os jovens não se interessam mais pela labuta na terra; preferem ser pedreiros ou mesmo trabalhar com computadores... ainda temos alguns com o prazer de amanhar a terra, mas não sabemos por quanto tempo.
Não lamento.

Há quem diga que o Capão era melhor antes – quem diz isso não viveu aqui antes. Melhor ou pior, quem sabe? Sei que devemos estar prontos para nos adaptar às mudanças, porque elas estão aí. Quem sabe as mudanças serão tantas que até mesmo o coqui de Dinha volte para casa.

Recebam um abraço coqui de Aureo Augusto.


segunda-feira, 13 de junho de 2016

ALIMENTOS ORGÂNICOS INDUSTRIAIS

Primeiro pegam milho e deixam de molho por 36 horas em água com anidrido sulfuroso, para que os grãos inchem e o amido se separe do resto. O germe será esmagado para produzir óleo, a casca será usada para produzir vitaminas e aditivos, e o amido irá sofrer diversos processos até se transformar em maisena, um pó branco do mais puro amido. Este pó sofrerá mais algumas ações de enzimas artificiais e outros processamentos para se converter, por exemplo em glicose de milho (que quando eu era pequeno minha mãe me dava pensando que era a melhor coisa do mundo – Karo, não sei se ainda existe) ou em frutose de milho, que é mais doce ainda. E ambos têm um índice glicêmico inacreditável; talvez sejam os maiores responsáveis pela atual epidemia de diabetes tipo II no mundo.

Você vai me dizer que não come essas coisas, mas encontramos esses produtos em 9 de 10 produtos industrializados, tais como carnes processadas, enlatados, refrigerantes (basicamente são feitos disso) etc. Leia os rótulos e encontrará nomes como ácido cítrico e lático, maltodextrina, ciclodextrinas, frutose, goma xantana, amidos modificados etc. Quem nos conta isso é Michael Pollan no livro “O Dilema do Onívoro” que todos deveríamos ler.

O que me preocupa e quero partilhar com vocês, é que recentemente estamos sendo apresentados a muitos produtos ditos orgânicos, ou, naturais, apenas porque são feitos com milho e outras plantas, mas não nos contam em seus rótulos que aquela maltodextrina de milho, não saiu do milho pura e simplesmente, como uma farinha integral, foi fruto de muitos processos industriais obscuros dos quais não sabemos nada. O pão branco que é encontrado na padaria, se for feito apenas com farinha de trigo branca, fermento e água poderá ser mais natural do que certos produtos naturais que são vendidos como a maravilha do mundo (não estou defendendo o uso de pão branco, por favor).
Muitos produtos são elaborados a partir de plantas (especialmente o milho e a soja) associadas a derivados do petróleo, mas o fato de conter partes elaboradas do milho ou da soja podem ser tratados como algo de tal excelência que garante um preço maior do que mereceriam.

A razão deste texto é alertar àqueles que têm cuidado com o que comem, para não se deixarem levar pela rotulagem “orgânica”, ou “natural”. É importante que leiam as letrinhas miúdas, que na medida do possível se informem sobre como são produzidas aquelas coisas das letrinhas miúdas e tomar uma decisão a partir do conhecimento e não apenas da crença nos fabricantes. Infelizmente em uma sociedade como a nossa, seja ela de orientação capitalista ou comunista (ainda há?), o desejo de lucro ou de poder (ou dos dois), tão frequente à esquerda e à direita do espectro político (aliás, no centro também), a saúde dos consumidores não é o foco maior da produção.
Abramos nossos olhos.


Recebam um abraço desconfiado de Aureo Augusto.