Dia 16/10 tive a oportunidade de fazer uma fala no Curso de Permacultura na Comunidade Campina, aqui no Vale do Capão. Foi muito legal estar com aquelas pessoas que se ocupam da sustentabilidade no Planeta. Aqui vai o material usado:
SAÚDE CORPO AMBIENTE PRAZER
Muito agradável saber que há um grupo de pessoas pensando
agricultura, economia, vida humana enfim, em uma perspectiva ambiental. Tenho
notado, mesmo morando aqui nestes confins do mundo, que este interesse está
aumentando entre as pessoas.
Fico pensando no que poderia falar para vocês, que
seguramente conhecem mais agricultura, ambientalismo e economia do que eu.
Ocorreu-me de início trazer um texto de um precursor de todo o movimento que,
em dado momento se autodenominou alternativo.
Nome já bastante desgastado. Este autor a que me refiro talvez tenha sido o
primeiro a propor a formação de uma comunidade alternativa, nos moldes pensados
no final do século passado. Refiro-me a Epicuro, que viveu na Grécia (nasceu em
341 a.C.). Em 306 a.C. em Atenas fundou uma comunidade onde as pessoas viviam
plantando o que comiam, encontrando prazer na vida simples, vivendo
frequentemente em barracas. Esta comunidade atraiu gente de muitos lugares e
sobreviveu ao mestre.
Começo apresentando um excerto da carta que Epicuro escreveu
para Meneceu, seu discípulo, que aqui apresento retirado do livro Carta Sobre a Felicidade (A Meneceu),
publicado em grego e português pela Editora UNESP em 2002:
Nunca devemos nos esquecer que o futuro não é nem totalmente nosso, nem
totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse
por vir com toda a certeza, e nos desesperarmos como se não estivesse por vir
jamais.
Consideremos também que dentre os desejos,
há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são
necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são
fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros,
ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a
direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade
do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz; em razão desse fim
praticamos todas as nossas ações para nos afastarmos da dor e do medo.
...
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso
escolhemos qualquer prazer. Há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando
deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que
consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior
advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.
A filosofia de Epicuro está centrada no fato de que todos os
seres procuram sempre o prazer (aqui significando bem estar). Devemos
considerar que seu exemplo é bem atual, inda mais neste momento, em que o
processo desencadeado pelos seres humanos (que a rigor começou na pré-história,
ampliou-se com as navegações portuguesas e agora culmina com a cada vez maior
interdependência comercial e com a internet) de globalização das relações entre
as diversas pessoas, culturas, nações, economias. De repente percebo que às vezes,
mesmo morando no Capão, sei tanto do que acontece com meu vizinho, em tempo
real, como do que se passa no Irã, na Indonésia, ou no Kwait. Somos uma
comunidade terráquea e devemos atentar para o fato de que os nossos desejos não
fundamentais, bem como os não naturais, frequentemente instaurados em nós por
uma mídia a serviço do lucro de corporações que não levam em consideração a
sustentabilidade, dizia, que tais desejos podem ser uma declaração de morte ao
nosso futuro.
Vai daí que precisamos aprender a lidar com o prazer, uma
vez que a nossa recusa a tratar isso da forma adequada nos tem levado a
deixar-nos ser vítimas de uma mídia que nos impõe a medicalização da vida, e a
agrotoxificação da vida. No afã de atender a prazeres imediatos não podemos nos
considerar vítimas inocentes de corporações que querem lucro a todo custo (o
custo será não das corporações – para elas apenas o lucro), uma vez que em
grande medida (e sem querer tirar a responsabilidade – ou irresponsabilidade –
das grandes empresas e governos) nós também somos agentes ativos de nossa
própria desgraça ecológica.
“O futuro não é
totalmente nosso, nem não-nosso”.
Mas é nossa a decisão de como vamos atuar no presente com vistas ao
futuro. Isso tanto em nossa vida particular quanto na relação com o meio
ambiente. Lembrando Morris Bermann (in El Reencantamiento del Mundo, Cuatro
Vientos, Santiago-Ch) quando nos diz que o jeito com o qual lidamos com nosso
corpo é isomórfico à nossa ação com o ambiente entendemos que agrotoxificamos a
vida na mesma medida em que medicalizamos nossa vida.
Tenho notado a forma imediatista com que lidamos com nossas
dores físicas e psíquicas. Os pais não suportam suportar a dor nos filhos e em
si. As medicações antiálgicas são uma verdadeira praga. Para não sentir a mínima dor, desconforto ou
doença aguda nos medicamos assiduamente, o que traz consequências avassaladoras
para a saúde, seja por causa de efeitos colaterais, seja por que deixamos de
ter competência para lidar com a dor e a perda. Tornamo-nos aos poucos tomados
de um narcisismo que, em última análise é autodestrutivo (sobre isso veja Dana
Zohar, in O Ser Quântico). E acabamos por agir com o ambiente, como se
estivéssemos fora dele e para sermos por ele servidos – corolário disto é a
atitude tão comum hodiernamente quando tantos se consideram seres especiais a
serem servidos pelos demais, pelos pais, pela sociedade; um número razoável de
pessoas está exigindo muito dos demais, sem, contudo, se esforçarem pelos
demais; usando argumentos justos, de crítica à sociedade, vivem à margem dela,
parasitando-a, criticando-a, porém sem efetivamente contribuir para sua
transformação ou sustentação e sustentabilidade.
Dessa forma e no desejo de atender a desejos tornados
essenciais, mas que não passam de não naturais, ou não necessários, acabamos
por sobre exigir da Terra que “pode
prover a toda e qualquer necessidade, mas não a toda e qualquer cobiça” (Gandhi
in Minha Vida e Meus Encontros com a
Verdade, Diffel, São Paulo).
Saídas existem e são muitas, como um encontro como este que
está ocorrendo, porém todas passam pela consciência. Passam por aprendermos com
o passado, netamente com o século XX, o das ideologias, onde o culpado era
sempre o outro (capitalistas, comunistas, fascistas, democratas, negros,
brancos, europeus, cristãos etc.) que deveria, preferencialmente, ser
eliminado.
Assumir a responsabilidade pelos nossos desejos e pelo
futuro, bem como com pelo presente. Sem ver as medicações como obra (apenas) de
interesses escusos, entendê-las como úteis em determinadas circunstâncias, mas
evita-las sistematicamente. Procurar encontrar soluções para o desabastecimento
de grande parcela da população mundial sem o uso fácil de insumos artificiais e
alheios aos costumes locais. Não alinhar-se com hegemonias óbvias, apenas
porque poderosas, porém não esquecer que aquilo de hegemônico assim se tornou não
por obra do acaso. Entender as injunções que criaram um mundo tão injusto, tão
hipócrita, tão terrível, mas que nos traz maravilhas que merecem contemplação. Estas
são algumas das tarefas que devemos assumir.
Nossa tarefa não é fácil. Estamos sendo convidados a rever o
mundo que criamos não mais com o olhar meramente e facilmente crítico
depreciativo. É tão fácil derrubar, desconstruir, quando não temos competência
para colocar-nos ombro a ombro com o nosso próximo. Por isso nossa tarefa é
difícil. Somos nós, os que padecemos de narcisismo, de sedentarismo (ainda que
seja uma forma de sedentarismo psíquico que nos faz acreditar em teorias nas
quais mais uma vez clivamos o mundo entre pessoas certas e pessoas erradas).
Nossos próprios desvios psicológicos e nossas necessidades narcísicas nos fazem
condenar aos demais e repetir toda a história da humanidade onde sempre criamos
a necessidade de ricos e pobres, líderes e liderados (rigidamente
estabelecidos), nobres e plebeus, ortodoxos e heterodoxos, salvadores do mundo
e destrutores do mundo, absolutamente bons e absolutamente maus, este partido e
aquele partido...
Talvez esta globalização que estamos vivendo, com tudo de
absurdo que há nela, seja enfim uma oportunidade de viver como se vivia na
aldeia, um convite a sairmos do conforto umbilical de estar certo das nossas
certezas. A chance de desfrutar prazerosamente do ato de viver a satisfação dos
nossos desejos naturais e até alguns a mais, atendendo também ao desejo de que
as gerações futuras possam desfrutar do mesmo prazer de cuidar do mundo.
Povoado do Vale do Capão, em 16/9/12, Aureo Augusto.