quarta-feira, 27 de junho de 2012
COMENDO COM OS DEFUNTOS
Os últimos dias têm sido de intensas atividades. Vou tentar resumir fatos e sentires:
Se Londres é uma cidade bem legal, as cidadezinhas são absolutamente deliciosas. Uma delas, Bath, é bem interessante pelo fato de que foi planejada por um arquiteto apaixonado pela arquitetura paladiana (de origem italiana). A cidade é praticamente toda de pedra e sem colorido nas paredes. Foi concebida como uma cidade ideal e é bem bonita. Tem uma praça circular onde todas as casas exibem símbolos maçônicos, uma faixa de símbolos com 360º. Esta cidade foi para os romanos antigos um local de banhos medicinais e por isso tem um daqueles edifícios usados no tempo daquele império. Ademais tem uma igreja gótica muito bonita, ostentando na fachada uma escada sendo usada por anjos – uma coisa fofa!
É essencial a visita a Stonehenge. O círculo de pedras tem mais de 5000 anos. Não é atração artística, não é uma obra de arte convencional. Mas ali tem coisa! O lugar é bem especial. Parece que o nosso planeta tem linhas de força, como os meridianos da acupuntura e pontos especiais. Stonehenge é um ponto especial. Estive lá no dia de São João, quando no Brasil, e em especial no Nordeste, o povo acende as fogueiras. Os antigos celtas festejavam este dia, muito antes do cristianismo e um grupo de neodruidas fez um ritual no interior do círculo. Acabei conhecendo de passagem uma velha senhora que fazia parte do grupo. Ela impressionava pelo seu jeito, olhar e cara de bruxa (do bem).
Como era de se esperar, voltei no British Museum e na National Gallery. E seguramente voltarei mais uma vez. A torre de Londres é sinistra, apesar da multidão de turistas e do brilho intenso das joias da coroa (que não são poucas). É uma visita que não carece retorno. Passear de barco pelo Tâmisa é muito legal até porque dá uma visão bem gostosa da cidade.
A gigante abadia de Westminster impressiona pela sua altura, mas mais ainda por um equívoco. Ela foi evidentemente concebida para ser um espaço amplo e grandioso, como qualquer igreja gótica. Porém, eles aqui têm a mania de colocar preso nas paredes das igrejas placas de mármore ou outras pedras com frases e/ou esculturas homenageando seus mortos. Antigamente muita gente era enterrada nas igrejas (em Salvador também acontecia isso). Mas os sarcófagos dos reis eram bem grandes e começara a embatumar a igreja. Tem um espaço lateral dedicado a São João Batista. Entrei lá e tinha uma profusão de sarcófagos e homenagens a duques, capitães, esposas de marechais e coisas assim. Procurei pela imagem do santo e não vi. Não pude deixar de rir. O interessante é que se perdeu completamente a visão de conjunto da grandiosidade da abadia. Há somente um espaço, a casa paroquial, uma sala octogonal com uma coluna central que é um espaço bem especial. Luminoso, com as paredes revestidas de azulejos antigos (relativamente bem conservados). O lugar além de lindo, contrasta com o demais pela leveza e luz.
Ontem estava jantando em um restaurante situado no porão de uma igreja (logo depois assisti na nave principal da igreja uma apresentação de um pianista excelente, tocando Chopin – foi simplesmente maravilhosa). O ambiente era bem medieval e, mesmo, cavernoso, e em dado momento chamaram minha atenção para o piso. Eram lápides. Ou seja, estava comendo em um antigo cemitério sobre as sepulturas. Não tenho muita certeza se isso é bom para a digestão. Até fotografei uma das lápides sob minha mesa, vou tentar colocar neste post, procês verem. Eu nunca imaginaria que algum dia estaria comendo com os defuntos!
Abraços medievais pra todos de Aureo Augusto.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
PENSANDO ARTE NA NATIONAL GALLERY
Gosto de pintar e amo ler sobre história da arte. Por isso tenho alguns livros sobre estes assuntos, todos fartamente ilustrados. Ontem passei pela maravilhosa experiência de ver, ao vivo e a cores, aquelas imagens que antes via apenas nas fotos dos livros. Sentar em um confortável sofá pra ver um quadro de William Turner e poder ficar todo o tempo que quiser é uma experiência maravilhosa. O mesmo com os inúmeros artistas que fazem parte do inacreditável acervo deste museu. É outro presente que Londres oferece. Aliás, presente mesmo, pois é de graça.
Infelizmente, todo o tempo do mundo é pouco para apreciar tanto.
É bastante educativo comparar a maneira de pintar de Gainsborrough com Ticiano, por exemplo. A forma como Altdorfer lidava com a vegetação é muito diferente da maneira de Turner, que por sua vez se diferencia de seu conterrâneo, o também maravilhoso John Constable.
Podemos pensar a pintura como um conjunto de problemas (ou questões) a serem resolvidas. Nós temos basicamente duas opções:
1. A representação do mundo ao redor.
2. A representação do mundo interior.
Ambas as questões são intercomunicáveis, pois quando representamos o mundo ao redor muito do nosso mundo interno se manifesta. Se compararmos um quadro de Caravaggio veremos que seu mundo interior era bem mais dramático (e mesmo violento) do que o de Rafael. Aliás, Caravaggio se meteu em várias confusões por causa de seu gênio, digamos, tempestuoso. Goya, o maravilhoso espanhol, mostra os diversos momentos (e sentimentos) em sua vida, conforme sua pinturas, pois construiu em suas telas belas majas (vestidas e desnudas), cenas do anseio de liberdade de seu povo, pavorosas bruxas e demônios etc. Enfim, os dois mundos estão imbricados, embora, mais recentemente os pintores (e por extensão os artistas em geral) tenham feito um grande esforço para se afastar o máximo possível de qualquer representação externa.
Seja qual for a proposta há o desafio de colocar ali na tela, ou em outro suporte (ou em outra forma de representação ou apresentação artística), aquilo que quero ver representado (alguns dizem que não querem representar nada, e nisso põem o caráter revolucionário de sua arte, mas acabam representando, ainda que seja o nada que são ou querem representar). É maravilhoso poder ver a forma como os antigos foram aos poucos descobrindo novas maneiras de representar o mundo, de se comunicar com ele, de imita-lo em algumas situações ou recria-lo em outras e, por fim, de inventar novos mundos. E a National Gallery é uma oportunidade de ouro.
Estou grato em meu coração pelas oportunidades que tenho tido nesta viagem.
Em tempo: estou avançando também no Inglês, embora lentamente.
Recebam um abraço artístico de Aureo Augusto.
segunda-feira, 18 de junho de 2012
ROMA!
ROMA!
O que você faria se descobrisse uma promoção de passagem de avião para Roma por R$60,00. Pois é eu também iria aproveitar; e fui. Passei um fim-de-semana lá e achei alucinante. Foi um mergulho na História e na Arte. Para qualquer lugar que você olhar não importa aonde, há algo de arte (inclusive, claro, arte culinária) e algum testemunho das realizações do passado (ainda que seja apenas na arquitetura). O Coliseu é uma coisa, para dizer o mínimo, impressionante. Os aquedutos, as muralhas, o foro, os edifícios em geral. Os romanos sabiam construir para a eternidade! Mas o que mais me tocou de tudo foi o Pantheon. Está excelentemente conservado apesar da idade (2000 anos não é pouco) e mantém uma aura e uma acústica que nunca havia visto. Por coincidência havia uma série de apresentações de corais de todos os lugares do mundo (gostaria de ver o maestro Keiler Rego aqui). Fiquei horas lá dentro. Meus amigos me induzem a ir ver uma lista enorme de coisas, mas peço desculpas a eles. Não dá para ficar menos de duas horas dentro do Pantheon. O resultado é que deixo de ver outras coisas. Mas mesmo assim vi muito em dois dias. Admirei-me do cuidado com os enfeites nas paredes das casas, nas esquinas... No segundo dia, pensava que gostaria de ver uma igreja de Borromini. Lembrava-me a todo momento, mas como estava com amigos acabava esquecendo e via outras coisas. Vai daí que na hora de voltar, no caminho do aeroporto, chegamos em uma esquina com quatro fontes. Ali estava a igreja do grande arquiteto barroco. Deliciei-me.
Em Roma assisti a uma pitoresca passeata. O povo se queixando contra as medidas de austeridade (que são mais austeras com quem não tem do que com quem tem – desde dinheiro a culpa no cartório). Era ordeira e pacífica, conquanto nos gritos alguém era endereçado a tomar no culo. Será que culo é o que estou pensando? Era uma passeata com famílias, mães, pais, crianças (inclusive no peito). Uma coisa linda!
Não pude deixar de notar a marcante diferença de organização, exuberância, polidez entre outras características, entre italianos e ingleses. São muito diferentes! Uma coisa marcante em Roma são os cheiros. Alguns bons, como o que emana das onipresentes cozinhas. Uau! Mas outros, e são maioria, são pouco agradáveis, variando de um leve e sumamente frequente cheiro fraco de urina velha à subacaria geral permeado de quando em vez por cheiro de cachorro molhado. Já uma coisa muito legal é que os italianos são barulhentos. Muito barulhentos! E o mais interessante: Notei que os alemães e ingleses que aqui aportam começam a fazer barulho também.
Entrei em muitas igrejas. Aqui tem três ou quatro empencadas a cada esquina. E nelas, missas onde a culpa está na ordem do dia. É mea culpa pra cá, mea culpa pra lá; e mais mea culpa. E tome-lhe pedir perdão. Fiquei pensando que temos que pecar um bocado pra tanto perdão.
Eu pensava que tinha muito turista no Rio de Janeiro ou em Salvador. Que nada! Turismo é em Roma. Milhões se acotovelando em cada esquina. Surpreendeu-me ver muçulmanas no Vaticano, mas o número é o que mais chama a atenção. A Fontana de Trevi parecia 2 de julho no Campo Grande. E o povo numa alegria (eu também)! A fila pra entrar no Coliseu? Muito maior do que BA-VI em final de campeonato. Mas não vi ninguém se queixar.
Penso comigo que a cidade de Roma é uma coisa essencial para que compreendamos o gênero humano.
Recebam um abraço imperial romano de Aureo Augusto.
terça-feira, 12 de junho de 2012
PEQUENOS RETRATOS DE UM MUNDO PEQUENO
Chove, chove e chove, como aqueles invernos no Vale do Capão, vento frio, o frio entrando debaixo do capote. A mesma espécie de silêncio: o som abafado do jeito com que a água funciona como uma esponja segurando os ruídos. Nem céu, nem sol, uma beleza cinza, dias típicos da Londres a maior parte do ano (assim me disseram). Não me importo tanto, até porque me dá uma enorme alegria abrir o chuveiro de manhã e sentir a água na mesma temperatura friazinha do rio no fundo lá de casa.
O povo aqui tem uma coisa muito bonita: Eles estão se lixando para o que você está fazendo ou vestindo. Outro dia um homem me chamou a atenção. Sujeito enorme, branquelo, vestido com um longo vestido branco de cetim (acho) e uma vara na ponta da qual um nome: Jesus. E falava umas coisas que, claro, não entendi. Era normal. Ninguém via naquilo algo demais. Passavam punks, muçulmanas com apenas os negros olhos de fora das roupas negras, japonesas (ou descendentes, ou chinesas) com microssaias, homens com argolas pra todo lado, mulheres louras com chapéu careta e pesada maquiagem, africanos com um chapeuzinho redondo na cabeça, sikhs com turbante, homens das mais variadas colorações de pele portando gravatas e paletós elegantes... bem, uma infinidade de tipos muito diferentes entre si, alguns conversando entre si, ostentando suas diferenças em plena aceitação. Mas o fato é que se o cara grandão de branco fosse um apóstolo ninguém ia dar a mínima para ele.
É interessante a relação dos ingleses (de qualquer nacionalidade) com a rainha e, por extensão, a realeza. Em uma loja vi máscaras caricaturais da família real para festas a fantasia e na mesma loja os signos da festa e orgulho cívico pelo aniversário da coroação de Sua Majestade.
Estou estudando inglês. Um curso rápido e intensivo. Não é fácil para um bocó como eu. Ainda bem que estudei com Luíza, a professora lá do Capão. Eles fizeram um teste oral comigo e, ao invés de ir para o Nível Elementar como estava previsto, me colocaram no Intermediário 2, o que me fez estourar de orgulho, conquanto tenha que reconhecer que o mérito é mais de Luíza do que meu. Mas este nível é bem desafiador, pois os professores descascam. Aqui ou aprende ou aprende. De lascar. As aulas são uma loucura e o tempo passa numa rapidez invertebrada. Percebo que preciso escutar mais eles falando. Para me acostumar.
Duro mesmo é entender árabes, chineses, coreanos, enfim, meus colegas. Os árabes e os orientais, dadas as características de suas línguas maternas, encontram bem mais dificuldade do que eu com a pronúncia de certas palavras. Hoje levei uns três minutos para entender minha colega japonesa falando ‘color’. O interessante é que afora isso, eles sabem tudo, tudo, tudo. Uma colega coreana tentou me ajudar com um dever que eu I don’t understend (frase que uso bastante). Mas juntou o não entendimento com o constrangimento de dizer a ela que não adiantava tentar, pois não iria entender mesmo. Por fim, me saí dizendo que I’m very stupidy. Ela sorriu com pena e por sorte a professora interferiu e pude entender o trabalho. Mas posso dizer que eles são tímidos e adoráveis.
Estava em um parque quando um jovem hindu e sua imensa família se aproximou. O jovem puxou conversa, pois queria saber onde ficava alguma coisa. Expliquei-lhe que era turista e ele se animou. Perguntou de onde eu era o que respondi complementando que o Brasil teve em seu início forte influência hindu (lembro ao leitor os livros de Gilberto Freire para belas informações sobre isso) e ele de imediato foi lembrando alguns nomes tais como Diu, Goa, Damão e outras colônias orientais de Portugal. Foi em mim grata a sensação de proximidade com os anos iniciais da colonização portuguesa naquela conversa com um herdeiro de Calecute.
O rapaz da mercearia próxima é turco, nascido no Japão e morando na Inglaterra há alguns anos. É de agradável trato e olhar triste. Já viveu migrações, nem sempre desejadas, por certo. Já a alegre garçonete do restaurante é portuguesa de Lisboa, com irmã no Brasil. O motorista do ônibus sisudo a quem pedi informação é português, enquanto o jovem e sorridente garçom do restaurante natural onde hoje almocei uma detox salad ficou muito feliz em balbuciar algumas palavras em português, já que sue pai está no Rio de Janeiro, trabalhando. Vocês não acham que de repente o mundo está encolhendo? Daqui a pouco estaremos nos acotovelando.
Meu irmão menor foi da marinha mercante; talvez ele nem se lembre de um dia quando me falou que de todas as cidades (e foram muitas) que visitou por este mundo afora, Londres foi aquela onde ele se sentiu em casa. Eu também me sinto assim neste momento.
Recebam um abraço multinacional de Aureo Augusto.
segunda-feira, 11 de junho de 2012
UM PIANISTA NO HOSPITAL
Londres transpira música. Na realidade a arte tem farto abrigo nesta cidade. Em tudo quanto é canto, artistas se apresentam. Os músicos estão no metrô, nos restaurantes ao ar livre, nos pontos dos ônibus, em toda parte, em toda parte mesmo.
Fui ao Saint Thomas Hospital e lá, para minha surpresa, em um salão perto de uma estátua comemorativa dos 60 anos da Rainha Victória, havia um grande piano de cauda. Logo um senhor sentou-se e começou a tocar. O fato era tão surpreendente que quase ofuscou a qualidade da música. Quando ele terminou uma senhora de origem asiática se aproximou dele e fez uma pergunta que não escutei, mas que deduzi pela resposta que ele deu:
“Toco para os pacientes”.
Trata-se do grande pianista John Boswell Maver. Ele dá aos pacientes aquela música absolutamente maravilhosa como uma forma de amenizar-lhes as dores e o sofrimento. Pelo que depreendi da conversa que teve com aquela senhora, outros hospitais em Londres têm pianos. Que coisa maravilhosa, hospitais com pianos!
Conversei um pouco com um médico que assistia ao conserto e ele era fã de carteirinha do pianista. Havia encontrado um tempinho no seu intenso trabalho para se maravilhar com aquela música. Logo voltou para o batente, seguramente com a alma lavada!
Recebam um abração movido a Chopin que era o músico escolhido pelo inspirado pianista.
Aureo Augusto.
domingo, 10 de junho de 2012
MUSEU BRITÂNICO DE TODO O MUNDO
O ponto alto ontem foi uma visita ao British museum. Tivemos a sorte de Eduardo um grato amigo estar por aqui a trabalho e ontem, com um casal lisboeta (na verdade ele é angolano, porém vivem em Lisboa) nos ciceronearam até o famoso museu. Já me haviam alertado de que este museu é uma terrível armadilha para os incautos. Pois confirmei, já que desde o momento em que entrei até o fim (ficamos entre os últimos a sair), incansavelmente os olhos, ouvidos, corpo, tudo em total alerta para captar a infinidade de sentimentos, informações e sensações que o precioso, vivo e dinâmico contato com o passado gera. Vi-me novamente criança, aturdido diante da Grécia antiga. Estatuetas de Tanagra, espelhos de bronze, potes, kilix, mármores de várias épocas se sucedendo mostrando-me o tempo em “câmera rápida”. É difícil dizer o que se passou comigo. Agora tenho pena dos que me acompanharam e tiveram que esperar pacientemente eu ficar longo tempo olhando aquela ânfora que conhecia em fotos. Ou uma escultura delicada, colares testemunhando antigas vaidades, brinquedos de crianças (as barbies de outrora)...
No meio de tantos instrumentos de uso cotidiano, de repente estaquei diante de algumas espadas e pontas de lança de bronze dos séculos 12 a 10 a.C. Senti uma estranha sensação; o tempo passou sobre aqueles restos, mas nelas inda fortemente marcado o fato de que foram usadas para tirar vidas. Não mais vestígios de sangue, mas a impressão da morte, da dor... senti muito claro o horror que é habitar corpos de gente a par da graça que é ser gente humana. Somos realmente estranhos, mesmo a nós mesmos.
E a experiência de estar no Parthenon, que é um dos tesouros universais da arte? A construção tinha um longo friso belíssimo do qual tenho visto inúmeras fotografias. Porém as fotos mostram pedaços do friso. Ali tive a oportunidade de ver toda a empreitada. Todo. Então tive a revelação da obra como um conjunto, uma unidade, onde os animais e as pessoas se relacionam em um jogo agitado e organizado. Ondas. As patas dos animais formando um drapeado de riscos inclinados para a direita, os troncos dos rapazes do mesmo jeito e o movimento do conjunto lançando-se para a esquerda... Uma brincadeira com o movimento feito na estática da pedra. Ali, um resumo do que era ser ateniense (ou grego) em um momento culminante da civilização humana. Ali a extraordinária mensagem do equilíbrio entre o indivíduo e o social. A individualidade expressa com a contemplação e a regência do meio. A autonomia paradoxalmente elaborada sobre a base da mútua cooperação. Genial, genial, genial!
E tudo isso e muito mais à disposição, de graça (não se cobra ingresso), para uma infinidade de pessoas; confesso que naquele momento estava tão ligado nas peças que não vi quase nada do povo ao redor, mas deu pra perceber alguns monges tibetanos, bem como gentes de muitas línguas distintas. Os que gerenciam o museu demonstram grande confiança no fato de que as milhares (senão milhões) de pessoas que ali vão reverenciam as obras pois a proteção é mínima. As lojas do museu poderiam ser roubadas com extrema facilidade. Eles deixam os produtos expostos sem praticamente qualquer vigilância. Nós pegamos o que queremos e vamos pra fila pagar. Esta confiança gera um respeito que impregna o ar. Bom, vou parar por aqui por agora para não cansar demais o leitor. Também estou ficando sem bateria e ainda não consegui um adaptador para a tomada brasileira...
Recebam um abraço museístico de Aureo Augusto.
sexta-feira, 8 de junho de 2012
UNITED KINGDOM – PRIMEIRAS IMPRESSÕES
A viagem é dura. O avião da Air Europa, uma empresa espanhola não deixa as pernas lá muito à vontade. Havia um cara viajando também, ele devia medir, se pouco, 2 metros de altura. Não sei como aguentou. De Salvador fomos a Madrid, e fiquei um pouco preocupado porque a fama do tratamento dos espanhóis aos brasileiros não é das melhores, mas tudo correu bem. Depois esperamos mais duas horas e por fim embarcamos para Londres.
Havia estudado com cuidado o dever de casa. A professora Luíza, que ensina inglês pra turma do Capão (excelente professora, registre-se, já que está conseguindo fazer com que eu aprenda a língua bárbara), contou as perguntas que a polícia do aeroporto faz. Vai daí que tratei de estuda-las, pois um amigo meu foi barrado no aeroporto de Londres e teve que voltar sem pisar o pé na Inglaterra. Só que na hora deu um daqueles brancos que deixam a gente com cara de besta. Por sorte a policial era uma senhora bem simpática, com cara de baiana, bem tranquila. Nem se aborreceu quando lhe pedi para falar devagar. Liberou-nos rapidinho com votos de boa estadia. Ufa!
Agora estou no hotel, morrendo de sono. Agora mesmo me escondo nos cobertores, mas antes devo dizer que os nativos têm se mostrado pessoas bem legais. Um pouco reservados, porém prestativos, pacientes com meu inglês e, mesmo cuidadosos e paradoxalmente (se consideramos a enorme quantidade de estrangeiros que por aqui aportam) curiosos. Já na chegada entramos em um pub, bem típico, e fiquei observando os indígenas (ou seja, as pessoas nativas): bebem copos imensos de cerveja, falam alto ao mesmo tempo em que assistem a uma partida de futebol na TV, como se quisessem imitar os brasileiros. Tinham brancos, negros, e orientais no pub. Só era diferente porque os brancos eram brancos que nem leite, enquanto na terra da gente os brancos, salvo raras exceções, são um tanto caídos pro queimado.
Eles têm uma coisa bem interessante: tudo é organizado e funciona. Os horários também. Isso é muito legal. A entrada da cidade não nos brinda com favelas e sim casas bem simpáticas, coisas que parecem de bonecas. Encantadora. A cidade de Londres, apesar do tamanho se mostrou bem agradável. Gostei.
Por enquanto é só, pois o sono bate forte.
Abraços britânicos de Aureo Augusto.
quarta-feira, 6 de junho de 2012
ARCO-ÍRIS
Escrevi este texto ainda em maio, porém esqueci de postar. Aí vai:
Na sexta-feira pela tarde aconteceu um arco-íris duplo sobre o Morro Branco, bem defronte de casa. Foi algo estonteante. Muito nítido e o sol ardia sobre o morro que o refletia como um espelho. Fui para fora de casa e fiquei admirando e admirava sem cansar. Fotografei. Por coincidência, Cybele, que ainda estava no trabalho também olhava, junto com toda sua equipe. O Capão em peso assistiu ao espetáculo. Agora, dois dias depois, enquanto escuto a chuva cantando leve no telhado, penso comigo que todas as pessoas do Vale estavam no mesmo momento olhando para a mesma direção. Exupéry dizia que amar não é olhar um para o outro e sim ambos olharem na mesma direção. Naquele momento do arco-íris, veio para mim uma sensação de algo, de uma ocorrência especial, não sei se vocês se lembram de que na Bíblia o arco no céu é o sinal da aliança de Deus com os seres humanos... O meu sentimento era de que naquele momento estava ocorrendo algo de grande. Bem, o espetáculo foi realmente grandioso!
Logo depois recebi a visita de um amigo médico que há muito não via, veio do Nepal onde estava com a esposa e os três (pois ela está grávida) chegaram em minha casa como uma benção.
Agora apenas escuto a chuva...
Recebam um abraço grandioso, já que grandioso é o mero ato de estar aqui (no Mundo) e viver.
Aureo Augusto
PS: Cliquem acima à esquerda, onde está escrito exposição para que assistam a minha primeira exposição virtual, com retratos do povo que frequenta o posto de saúde onde trabalho. A exposição é no posto e os retratados receberão de presente os seus quadros como um regalo da Unidade de Saúde do Vale do Capão.
sábado, 2 de junho de 2012
VISITANDO ENFERMOS - VIDA
Ontem, sexta-feira, como de hábito foi dia de visita domiciliar, quando vou à casa das pessoas que não têm condições físicas ou psíquicas de frequentar o posto. Faz parte das atribuições de uma Unidade de Saúde da Família, atribuição que muito me agrada. Na minha área de trabalho o sofrimento é uma coisa frequente, a dor e a tristeza participam de minha vida diuturnamente, mas também há momentos de grande alegria, quando, por exemplo, (e isso aconteceu nesta semana) um homem que até recentemente nunca vinha ao posto (porque achava que seu problema – hipertensão – era pra ser tratado em médico particular), após anos com a pressão elevada, depois de dois meses sendo cuidado pela equipe (sim, porque a forma como foi recebido por Wanessa, na recepção, por Marilza, na pré-consulta, cuidado por Rozeli, a agente comunitária, que, preocupada com sua pressão sempre alta insistiu para que viesse ao posto), os níveis tensionais normalizaram. Aprendeu que não basta a medicação, há que caminhar todos os dias, parar de comer temperos artificiais, adotando o alho, a cebola, o manjericão, a salsinha etc. que além do sabor, nos beneficiam com vitaminas e minerais, fatores anticancerígenos e melhoram a circulação ou reduzem a pressão. Vibro e vibrei com isso, vibramos juntos felizes.
Alegrias e tristezas no dia-a-dia.
Ontem privei com as famílias que visitei de momentos completamente díspares entre si. Estive com duas pessoas em grave estado de saúde, situação terminal. Em um dos casos, particularmente doloroso pelo fato de que se trata de jovem de 35 anos, naturalmente passando por momentos de intensa revolta, tristeza, saudade, angústia, desalento, raiva, choro convulsivo, lembranças agradáveis, dor e dor mais uma vez, como me disse: “não é bem uma dor, é um vazio aqui” e apontava para o tórax à esquerda. Também estive com uma mulher que acaba de sofrer curetagem por abortamento espontâneo; situação onde fica um gosto amargo de coisa que não se completou, que não se começou. Outro vazio. E a mulher já madura, olhando para o vazio e pele murcha, úmida e fria, balbuciando silêncios, enquanto a família na sala aguarda o momento de uma despedida sem lenços acenando ou promessas de retorno; logo mais, um vazio sobre o leito simples.
Ao mesmo tempo, poucos metros depois, ali próximo, a vida celebrando outra instância. Na paisagem do tempo, neste novelo que é o tempo, onde as coisas se alcançam de alguma maneira, crianças sorriem ao Universo encarnado. Outras famílias tomadas pela alegria, completamente submetidas à graça representada por coisinhas ressonando silêncios ternos. Bichinhos aninhados em peitos fartos e doces. Olhares presos a frágeis talos de vida alçando-se da superfície daquele vazio onde o sentido perde-se de si. Estive com jovens casais iluminados pelo rosto de suas criancinhas ronronantes.
Segue a vida em muita medida alimentando-se da autofagia do tempo.
Recebam um abraço grato de Aureo Augusto em 2 de junho de 2012.
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