DEVO MORRER
Devo morrer. Mais uma vez chegou um momento destas transformações tais que a pessoa que por isso passa, passa por uma morte! De quando em vez isso acontece, por isso deixamos de ser crianças e depois abandonamos o corpo da adolescência e por aí vai. Às vezes a mudança é mais profunda, pois não se revela na alteração dos corpos. Trata-se da descoberta e compreensão da necessidade de superação de determinados padrões de comportamento ditados pelo bom senso em dado período, tornados neuróticos (que é o mesmo que dizer: anacrônicos) com a passagem do tempo.
Mas, também devo acrescentar que aquilo que se tornou neurótico, portanto um peso, é aquilo a que estou acostumado. Se por um lado experimento o alívio por haver deixado para trás algo que desde há muito me causava incômodo, me custava muita energia manter, de outra maneira é também algo que configurava uma rotina de identificação. Olho-me no espelho e descubro-me outro. Desacostumado deste outro, estranhado entristeço. Vem a mim uma xenofobia de mim, ou melhor, deste eu que é novo, estranho, estrangeiro na terra daquilo que eu sou. Pior, aqueles que me conhecem pensam que eu sou o eu ao qual se acostumaram. Acreditam que ainda serei o mesmo no qual sempre depositaram suas esperanças de carinho, de brigas, de birras, de irascibilidade, de infantilidade, de jogos de dominação etc. Que não nos enganemos: No outro quando o encontramos esperamos aquilo que cremos seja o melhor para nós, ainda que esta crença tenha o silêncio das coisas do inconsciente. Existem algumas pessoas das quais esperamos sempre uma guerra. É horrível quando nos decepcionam. D’outras preferimos esperar um eterno ombro amigo. É horrível quando nos decepcionam. Há aquelas de onde nos nutrimos de pirraças discretas, e aquel'outras donde haurimos jogos de sedução, fingidas recompensas, falsas complementações, fugazes amores irrealizáveis, inigualáveis, porém inexistentes promessas de futuros adoráveis... Quando o outro muda e não nos avisa caímos no vazio do inesperado. Por isso aviso: Estou mudando!
Soma-se aos meus impedimentos que atrapalham meu processo de mudança, minha tão cara procrastinação, meu adorável tradicionalismo, minha companheira de tantas horas solitárias, a preguiça e meu amado conservadorismo. Minha diligência nas tarefas cotidianas me ajuda no esconder de mim o caminho da saída deste emaranhado de rotinas psíquicas que me foram tão úteis, mas que agora se mostram um estorvo. Também, minha habitual cegueira revela-se um forte apoio na manutenção do fardo mofado que devo abandonar. Soma-se aos meus próprios impedimentos o fato de que meus amigos, parentes, a gente que amo e também a que detesto, segue olhando para mim como se a morte não rondasse os meus passos, como se a transformação fosse apenas uma miragem no horizonte. Por isso aviso, mudei!
Um eu que era o eu a que se acostumaram descobriu certas coisas de si e existem certas coisas que uma vez descobertas tornam-se incômodas (como a roupa nova do rei) e, pior, impossíveis. Tem determinados aspectos de si que só se mantêm enquanto inconscientes, uma vez descobertos tornam-se insustentáveis, por isso não posso sequer mais dizer que estou mudando, daí repito: Mudei!
Por isso, vocês que me conhecem, não me tratem como se eu fosse aquela pessoa que conheceram e não esperem de mim as mesmas respostas. E, se os aviso, devo dizer que apenas sigo o conselho da escritora americana Lillian Hellman, falecida em 1984, que disse: “As pessoas mudam e, geralmente se esquecem de comunicar a mudança aos outros”.
Isso, queridos, é mto forte qdo resolvemos cuidar de nossa saúde de uma forma profunda. Cuidar mesmo é mudar!
Aureo Augusto.
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
AYRÃ SEM MEDO
Ayrã chegou no posto e procurou a avó, Marilza, auxiliar de enfermagem, e perguntou se eu estava atendendo. Com a resposta positiva ele novamente perguntou se ela poderia “encaixar” ele entre as consultas. Escutei as risadas lá fora, com a pergunta dele. Logo ele estava sentado a minha frente, dizendo que não precisava a presença da avó na consulta apesar de contar apenas 8 anos. Conversamos animadamente e depois negociamos o tratamento. Ele não gosta de tomar remédios porque não lhe agrada o sabor, mas o mesmo acontece com os chás ou xaropes. Vai daí que tivemos que descobrir quais são as folhas cujo sabor eram mais aceitáveis – escolhemos hortelã e pitanga – depois consegui acrescentar limão. Entre mel e rapadura, optou pela última e por fim foi a discussão quanto à quantidade de gotas de extrato de própoles. Definimos por 9 – ele não quis 10 de jeito nenhum. Para mim foi muito divertida a consulta e depois, a negociação; no final saiu com a orientação do chá e do gargarejo, feliz porque pôde discutir comigo de igual para igual.
Admiram-me estas crianças de hoje em dia, com seu destempero, sua falta de medo ao lidar com o adulto. No caso de Ayrã ainda temos o fato de que sua avó, que o ama muito, trabalha no posto, local que visita com freqüência. Porém, ficou surpreso com os pequenos que aqui chegam. Com a claridade com que me olham, nos olhos, perguntam, informam... A filha de Ivone, com 11 meses, fez uma que quase me fez cair o queixo sobre a mesa: Estava a mãe descrevendo os problemas pelos quais trouxera a criança. Fui perguntando para entender, mas em dado momento entrou por detalhes da própria vida, sua relação com os pais e até do espaço físico de sua casa. Até certo ponto incentivei isso porque encontrei que tinha a ver com os problemas da criança. Em dado momento dispus-me a interromper para retornar ao fio, mas em um átimo, peguei a lapiseira e fiz um pequeno esboço do rosto da criancinha que me olhava com muita ternura. Não demorei nem um minuto, bem menos, portanto, não era uma coisa muito bem feita. Então fiz outras perguntas à mãe e seguimos a conversa quando a menina apontou para o desenho e disse em alto e bom som o próprio nome: Ana. Como fazia quando olhava no espelho. Ficamos a mãe e eu parados sem acreditar. Então ela olhando pra mim e sorrindo repetiu: Ana.
Outro dia uma criança de 5 meses foi trazida pela mãe. Quando me aproximei com o estetoscópio ela rapidamente pegou o aparelho de minha mão. Eu já estava com a parte superior no ouvido e ela pegou apenas aquela parte circular que encosta-se à área a ser auscultada. Imaginei que fosse brincar, levar à boca, coisas deste tipo. Não. Ela pegou o aparelho e colocou-o sobre o próprio tórax. Então auscultei e pedi para colocar em outro lugar, e em outro, e por aí foi. Quando fui passar às costas ela me entregou para que eu pudesse fazer.
Observo também que elas, as crianças já não se sentem mais tão ameaçadas com os estranhos. Não são todas e nem sempre, porém com freqüência. Admiro-me. Alguém dirá que tem a ver com a televisão que onipresenciou-se em nossas vidas. A influência ocorre inegável. Mas e quando aqui não tinha luz elétrica? Logo que aqui cheguei as crianças eram muito retraídas, mas em pouco tempo a mudança manifestou-se e logo tinha uns pequerruchos se mostrando. O mundo está mudando e não é só no clima.
Agora me lembrei de uma criança lá de Salvador. Tinha seis anos e eu estava no consultório lendo quando bateu à porta. Abri e aquela bolinha terna perguntou-me: Você é o médico que não dá injeção? Disse que não, então ela perguntou: Você quer ser meu médico? A menina havia escutado em uma casa próxima sua mãe conversando com minha irmã sobre coisas de medicina natural. Nem pensou duas vezes. A boa notícia é que não mais precisou tomar injeção.
Um abraço, Aureo Augusto.
Admiram-me estas crianças de hoje em dia, com seu destempero, sua falta de medo ao lidar com o adulto. No caso de Ayrã ainda temos o fato de que sua avó, que o ama muito, trabalha no posto, local que visita com freqüência. Porém, ficou surpreso com os pequenos que aqui chegam. Com a claridade com que me olham, nos olhos, perguntam, informam... A filha de Ivone, com 11 meses, fez uma que quase me fez cair o queixo sobre a mesa: Estava a mãe descrevendo os problemas pelos quais trouxera a criança. Fui perguntando para entender, mas em dado momento entrou por detalhes da própria vida, sua relação com os pais e até do espaço físico de sua casa. Até certo ponto incentivei isso porque encontrei que tinha a ver com os problemas da criança. Em dado momento dispus-me a interromper para retornar ao fio, mas em um átimo, peguei a lapiseira e fiz um pequeno esboço do rosto da criancinha que me olhava com muita ternura. Não demorei nem um minuto, bem menos, portanto, não era uma coisa muito bem feita. Então fiz outras perguntas à mãe e seguimos a conversa quando a menina apontou para o desenho e disse em alto e bom som o próprio nome: Ana. Como fazia quando olhava no espelho. Ficamos a mãe e eu parados sem acreditar. Então ela olhando pra mim e sorrindo repetiu: Ana.
Outro dia uma criança de 5 meses foi trazida pela mãe. Quando me aproximei com o estetoscópio ela rapidamente pegou o aparelho de minha mão. Eu já estava com a parte superior no ouvido e ela pegou apenas aquela parte circular que encosta-se à área a ser auscultada. Imaginei que fosse brincar, levar à boca, coisas deste tipo. Não. Ela pegou o aparelho e colocou-o sobre o próprio tórax. Então auscultei e pedi para colocar em outro lugar, e em outro, e por aí foi. Quando fui passar às costas ela me entregou para que eu pudesse fazer.
Observo também que elas, as crianças já não se sentem mais tão ameaçadas com os estranhos. Não são todas e nem sempre, porém com freqüência. Admiro-me. Alguém dirá que tem a ver com a televisão que onipresenciou-se em nossas vidas. A influência ocorre inegável. Mas e quando aqui não tinha luz elétrica? Logo que aqui cheguei as crianças eram muito retraídas, mas em pouco tempo a mudança manifestou-se e logo tinha uns pequerruchos se mostrando. O mundo está mudando e não é só no clima.
Agora me lembrei de uma criança lá de Salvador. Tinha seis anos e eu estava no consultório lendo quando bateu à porta. Abri e aquela bolinha terna perguntou-me: Você é o médico que não dá injeção? Disse que não, então ela perguntou: Você quer ser meu médico? A menina havia escutado em uma casa próxima sua mãe conversando com minha irmã sobre coisas de medicina natural. Nem pensou duas vezes. A boa notícia é que não mais precisou tomar injeção.
Um abraço, Aureo Augusto.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
UM DIA/CHUVA MUITO LEGAL!
A chuva antes de ontem foi muito legal! Saí de casa apreciando as cachoeiras rugindo nas serras ao redor. Muitas tanto na Serra do Candombá, no ocaso, quanto na Serra da Larguinha a leste, que dão a forma de telha a este vale. A cachoeira do Batista fazia uma festa boa de se ver. Os rios e córregos já estavam engrossados, mas passei tranqüilo pelas pontes e pontilhões. Poucas horas depois que cheguei no posto é que soube que na minha cola a água subiu no pontilhão da estivinha perto de minha casa, na ponte da Laribel e na ponte de Maninho. Uma mulher pra trazer a filha febril à consulta teve que carrega-la com a água nos joelhos. Ela me contou a aventura. Importa que a criança ficou bem.
Aí deu meio-dia e fui almoçar. Notei na ponte dos Brancos que a água roçava furiosa o fundo da ponte, como se o concreto atrapalhasse seu assanho e isso a deixasse agoniada. Pensei que se subisse mais ia ser difícil voltar ao posto. Nas outras pontes a água já havia cansado de sair do leito, de modo que não tive problema. Apenas no pontilhão perto de casa que não pude passar de carro, mas adorei sentir o frio da água até os joelhos. Deixei o carro na frente da casa de Genésio. Comi tranqüilo e descomi também. Voltei. Quando cheguei na ponte dos Brancos a água havia passado por cima, mas bem pouco. Deu pra passar com o carro tranqüilo (e as crianças amaram ver o barco diferente – imaginaram suas imaginações, estou certo). No trabalho vim a saber que depois que passei a água engrossou o suficiente para que as crianças se divertissem mais com o povo tendo que voltar do que com novos modelos de embarcações. Mas, à hora de retornar ao lar, as águas já haviam baixado e passei feliz desviando, isso sim, dos estragos que o agueiro fez na estrada.
Não foi um dia muito legal?
Recebam um abraço bem forte,
Aureo Augusto
Aí deu meio-dia e fui almoçar. Notei na ponte dos Brancos que a água roçava furiosa o fundo da ponte, como se o concreto atrapalhasse seu assanho e isso a deixasse agoniada. Pensei que se subisse mais ia ser difícil voltar ao posto. Nas outras pontes a água já havia cansado de sair do leito, de modo que não tive problema. Apenas no pontilhão perto de casa que não pude passar de carro, mas adorei sentir o frio da água até os joelhos. Deixei o carro na frente da casa de Genésio. Comi tranqüilo e descomi também. Voltei. Quando cheguei na ponte dos Brancos a água havia passado por cima, mas bem pouco. Deu pra passar com o carro tranqüilo (e as crianças amaram ver o barco diferente – imaginaram suas imaginações, estou certo). No trabalho vim a saber que depois que passei a água engrossou o suficiente para que as crianças se divertissem mais com o povo tendo que voltar do que com novos modelos de embarcações. Mas, à hora de retornar ao lar, as águas já haviam baixado e passei feliz desviando, isso sim, dos estragos que o agueiro fez na estrada.
Não foi um dia muito legal?
Recebam um abraço bem forte,
Aureo Augusto
sábado, 24 de outubro de 2009
II ENCONTRO DE PSF - O DIA SEGUINTE
Foi um pique! Nem tive condições de colocar, como de hábito, o texto de Medicina Oculta no Cotidiano das sextas-feiras. Mas o resultado compensou! Acabamos o II Encontro de Profissionais de PSF do Vale do Capão. Aprendemos uma tonelada de coisas. Agora será o tempo de assimilação das novidades e incorporação destas ao cotidiano do posto. A cabeça está a mil! A equipe do posto vibrou com cada palestra. É muito legal participar de uma equipe onde do coordenador (que é o enfermeiro) a auxiliar de serviços gerais trocam olhares significativos quando escutam o palestrante lançar novas que representam desafios. Muito legal!
Para os outros grupos presentes também foi um evento significativo, pois todos mostraram interesse e alegria com o aprendido.
A turma da Escola Técnica de Saúde da Bahia, o pessoal da DIRES 27, os profissionais da SESAB e do Ministério da Saúde que vieram palestrar todos mostraram disposição, vontade, vinculação a causa da saúde pública. Além disso, competência. Outros palestrantes foram profissionais da área da saúde que toparam vir aqui falar sem receber nada, gastando do próprio bolso seu transporte e nos brindaram com seus conhecimentos. Somos muito gratos.
Já estou antegozando a reunião da equipe do posto. Toda quinta-feira nos reunimos por uma hora. Esta próxima reunião vai estar desfalcada porque o enfermeiro e as ACS (Agentes Comunitárias de Saúde) estarão em um curso de formação permanente, mas quem fica estará bem excitado com as novas. Não apenas os conhecimentos técnicos, mas também com o que descobrimos de programas governamentais dos quais podemos participar. Vai ser uma onda!
Chovem a noite toda. Agora o vale sorri brilhante lavadinho sob uma garoa singela que canta no telhado. Estou gripado, com a coluna doendo, uma tosse danada e, feliz.
Um beijão,
Aureo Augusto
Para os outros grupos presentes também foi um evento significativo, pois todos mostraram interesse e alegria com o aprendido.
A turma da Escola Técnica de Saúde da Bahia, o pessoal da DIRES 27, os profissionais da SESAB e do Ministério da Saúde que vieram palestrar todos mostraram disposição, vontade, vinculação a causa da saúde pública. Além disso, competência. Outros palestrantes foram profissionais da área da saúde que toparam vir aqui falar sem receber nada, gastando do próprio bolso seu transporte e nos brindaram com seus conhecimentos. Somos muito gratos.
Já estou antegozando a reunião da equipe do posto. Toda quinta-feira nos reunimos por uma hora. Esta próxima reunião vai estar desfalcada porque o enfermeiro e as ACS (Agentes Comunitárias de Saúde) estarão em um curso de formação permanente, mas quem fica estará bem excitado com as novas. Não apenas os conhecimentos técnicos, mas também com o que descobrimos de programas governamentais dos quais podemos participar. Vai ser uma onda!
Chovem a noite toda. Agora o vale sorri brilhante lavadinho sob uma garoa singela que canta no telhado. Estou gripado, com a coluna doendo, uma tosse danada e, feliz.
Um beijão,
Aureo Augusto
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
A LIÇÃO DO POETA BRONCO
Vejam as surpresas da vida: Aqui no Vale tem um rapaz (já não tão rapaz) que é motoboy. Ele é um sujeito meio troncudo, rude, não no trato, mas por natureza. É difícil entender o que fala, pois mais pra dentro diz as coisas. A gente ao redor fica no esforço de entender e em geral capta por pedaços o seu pensamento. Outro dia usei de seus serviços e quando passamos por perto de umas flores que aqui chamam de açucenas (não é, com certeza). Então ele parou e me disse que quando está agoniado, nervoso, tenso, pára a moto e recolhe uma daquelas flores e fica aspirando o perfume. Em pouco tempo está calmo. O jeito de ele falar era tão poético, tão lindo que me causou uma sensação muito legal. Olhava para aquele gorila e não acreditava que havia tido a sensibilidade de descobrir aquela terapêutica. Na verdade minha surpresa revela um preconceito. Só porque o cara é meio bronco não significa que seja insensível. Aprendi. Aprendo todo dia. Isso é bom, saber que podemos aprender todo dia. Hoje tenho 56 anos no couro (como se diz) e tenho a sensação que agora estou mais capacitado a aprender do que quando era mais jovem. É que depois dos 40 parece que metade da necessidade de estar certo foi embora. Evaporou. Desapareceu. Também lá se foi aquele imperativo de salvar o mundo. É, que onipotência!
Agora olho o mundo se descortinando a minha frente e não me surpreendo quando a ira enrubesce minha face à visão da injustiça, da negligência, da inoperância, da incompetência, da desonestidade... A lista não é pequena. Mas a par da ira, com ela e de braços dados, vem uma coisa que me diz de fazer o que for possível. Xingar quando necessário e calar de outro momento. Arregaçar as mangas e trabalhar com intensidade e prazer, mas hoje já não estou tão atado ao resultado.
Um dia Cybele me viu acordar com cenho franzido. Perguntou por quê. Expliquei que havia acordado com determinadas preocupações. Ela disse que eu já tinha vivido muito, mais de 50 anos, já tinha feito de tudo, ajudado tantos, laborado outro tanto e que agora deveria ficar mais bebendo da doçura do mundo (a primeira doçura é o sorriso dela). Deveria ficar mais tranqüilo e não querer resolver tudo. Tomei na ponta da letra (e não na ponta da faca). Passaram-se uns dias e um amigo de São Paulo telefonou para ela e em dado momento perguntou por mim. Ela respondeu que eu agora estava bem, que tudo o que ela falava eu respondia que tinha mais de 50 anos e que não dava mais para muito esforço ou preocupação. Eles riram muito por lá pelo telefone, e eu cá com meus botões, pois em muito (mas infelizmente não em tudo) tem verdade nesta fala.
Depois de certa idade, embora tenhamos menos tempo para viver, o tempo parece que se estica.
Em 21 de outubro de 2009, receba um abraço carinhoso.
Aureo Augusto
Agora olho o mundo se descortinando a minha frente e não me surpreendo quando a ira enrubesce minha face à visão da injustiça, da negligência, da inoperância, da incompetência, da desonestidade... A lista não é pequena. Mas a par da ira, com ela e de braços dados, vem uma coisa que me diz de fazer o que for possível. Xingar quando necessário e calar de outro momento. Arregaçar as mangas e trabalhar com intensidade e prazer, mas hoje já não estou tão atado ao resultado.
Um dia Cybele me viu acordar com cenho franzido. Perguntou por quê. Expliquei que havia acordado com determinadas preocupações. Ela disse que eu já tinha vivido muito, mais de 50 anos, já tinha feito de tudo, ajudado tantos, laborado outro tanto e que agora deveria ficar mais bebendo da doçura do mundo (a primeira doçura é o sorriso dela). Deveria ficar mais tranqüilo e não querer resolver tudo. Tomei na ponta da letra (e não na ponta da faca). Passaram-se uns dias e um amigo de São Paulo telefonou para ela e em dado momento perguntou por mim. Ela respondeu que eu agora estava bem, que tudo o que ela falava eu respondia que tinha mais de 50 anos e que não dava mais para muito esforço ou preocupação. Eles riram muito por lá pelo telefone, e eu cá com meus botões, pois em muito (mas infelizmente não em tudo) tem verdade nesta fala.
Depois de certa idade, embora tenhamos menos tempo para viver, o tempo parece que se estica.
Em 21 de outubro de 2009, receba um abraço carinhoso.
Aureo Augusto
terça-feira, 20 de outubro de 2009
ENCONTRO DE SAÚDE NO VALE
Estamos aqui no Posto de Saúde da Família (PSF-Vale do Capão) no corre-corre porque logo mais nos dias 22 e 23 teremos o II Encontro de Profissionais de PSF do Vale do Capão. Já estamos no segundo encontro! Foi uma idéia que surgiu no seio da equipe. Uma grande novidade, um posto de saúde promover um encontro de saúde. Um dos maiores motivos é que temos muitas dúvidas quanto a condutas de um posto e mais ainda de um posto que faz parte da Estratégia de Saúde da Família, um sistema muito interessante, mas que, embora exista em profusão no Brasil, a realidade é que nós, médicos, enfermeiros, atendentes etc. ainda estamos precisando aprender um bocado sobre isso. Como não podemos convidar profissionais para nos ensinar, fica mais viável convidar profissionais para ensinar a 50 pessoas que trabalham em PSF. Não é uma boa idéia? Por outro lado teremos a oportunidade de partilhar com os colegas nossas experiências, dúvidas, soluções, dificuldades enfim, tudo!
Vejam o programa:
Dia 22 de outubro de 2009, quinta-feira:
8h: Distribuição de pastas e credenciais.
9h: Abertura: Apresentação e Boas Vindas.
Fala das Autoridades.
Palestra: Humanizar o Atendimento por Maria Caputo (Diretoria de Gestão da Educação e do Trabalho na Saúde-SESAB).
12h: Almoço.
12:30h: Espaço para práticas de relaxamento e massagem. Aqui você, participante, poderá receber massagem de relaxamento, Reike, ou outras práticas por profissional residente no Vale do Capão. Inscreva-se, pois as vagas são limitadas.
14h: Apresentação - Como Estamos Cuidando das Pessoas com Hipertensão em nossa Área de Atuação pela Equipe do PSF-Vale do Capão.
15h: Stress e Qualidade de Vida, por Dr. Sérgio Carneiro (LAC-Seabra).
16h: Merenda.
16:30h: Fitoterapia, Plantas Medicinais e SUS, por Dra. Mayara Silva(SESAB/UFBa).
17:30h:O SUS é uma escola - o Curso Técnico dos ACS, uma Proposta de Inclusão, por Dra. Tércia Lima(Escola de Formação Técnica em Saúde-Ba).
19h: Jantar.
Dia 23 de outubro de 2009, sexta-feira:
7:30h: Prática de Tai-chi-chuan. Conheça esta antiga arte chinesa composta de movimentos harmônicos que, além da beleza, contribui para um melhor funcionamento do físico e tranquiliza o mental (nos jardins da pousada).
9h: Debate - Lidando com o Cliente Difícil. 15 minutos de introdução por Dr. Aureo Augusto (PSF-Vale do Capão, Palmeiras) e em seguida debate com todos os participantes. O mote é a pergunta: Como você age ou reage ao cliente difícil?
10h: Dermatologia Sanitária pela Dra. Shirlei Moreira (Ministério da Saúde).
12h: Almoço.
12:30h: Espaço para práticas de relaxamento de massagem. Inscreva-se.
14h: Uma Medicina para Escravos, por Dr. Aureo Augusto.
15h: Epilepsia, o Atendimento Pensando na Pessoa pela Dra. Vera Lúcia Rocha (Ministério da Saúde).
16h: Merenda.
16:30h: A Política Estadual da Atenção Básica em Saúde para o Estado da Bahia, por Dr. Ricardo Heinzelmann (SESAB)*.
17:30h: A Síndrome Metabólica, por Dr. Manoel Alfonso (Clínica Santa Bárbara-Seabra).
19h: Jantar.
*O Dr. Ricardo Heinzelmann não poderá participar e virá outra pessoa da equipe substituilo.
Não é um programa bem legal? Claro que nem pensamos em esgotar tudo em um ou dois encontros. Mas teremos muitos outros. Assim pretendemos.
Devo dizer que a nossa equipe é muito legal. Todos muito animados e dispostos a contribuir efetivamente para melhorar a saúde dos residentes em nossa área de atuação. Para mim tem sido uma alegria trabalhar com esta turma.
Recebam um abraço,
Aureo Augusto
Vejam o programa:
Dia 22 de outubro de 2009, quinta-feira:
8h: Distribuição de pastas e credenciais.
9h: Abertura: Apresentação e Boas Vindas.
Fala das Autoridades.
Palestra: Humanizar o Atendimento por Maria Caputo (Diretoria de Gestão da Educação e do Trabalho na Saúde-SESAB).
12h: Almoço.
12:30h: Espaço para práticas de relaxamento e massagem. Aqui você, participante, poderá receber massagem de relaxamento, Reike, ou outras práticas por profissional residente no Vale do Capão. Inscreva-se, pois as vagas são limitadas.
14h: Apresentação - Como Estamos Cuidando das Pessoas com Hipertensão em nossa Área de Atuação pela Equipe do PSF-Vale do Capão.
15h: Stress e Qualidade de Vida, por Dr. Sérgio Carneiro (LAC-Seabra).
16h: Merenda.
16:30h: Fitoterapia, Plantas Medicinais e SUS, por Dra. Mayara Silva(SESAB/UFBa).
17:30h:O SUS é uma escola - o Curso Técnico dos ACS, uma Proposta de Inclusão, por Dra. Tércia Lima(Escola de Formação Técnica em Saúde-Ba).
19h: Jantar.
Dia 23 de outubro de 2009, sexta-feira:
7:30h: Prática de Tai-chi-chuan. Conheça esta antiga arte chinesa composta de movimentos harmônicos que, além da beleza, contribui para um melhor funcionamento do físico e tranquiliza o mental (nos jardins da pousada).
9h: Debate - Lidando com o Cliente Difícil. 15 minutos de introdução por Dr. Aureo Augusto (PSF-Vale do Capão, Palmeiras) e em seguida debate com todos os participantes. O mote é a pergunta: Como você age ou reage ao cliente difícil?
10h: Dermatologia Sanitária pela Dra. Shirlei Moreira (Ministério da Saúde).
12h: Almoço.
12:30h: Espaço para práticas de relaxamento de massagem. Inscreva-se.
14h: Uma Medicina para Escravos, por Dr. Aureo Augusto.
15h: Epilepsia, o Atendimento Pensando na Pessoa pela Dra. Vera Lúcia Rocha (Ministério da Saúde).
16h: Merenda.
16:30h: A Política Estadual da Atenção Básica em Saúde para o Estado da Bahia, por Dr. Ricardo Heinzelmann (SESAB)*.
17:30h: A Síndrome Metabólica, por Dr. Manoel Alfonso (Clínica Santa Bárbara-Seabra).
19h: Jantar.
*O Dr. Ricardo Heinzelmann não poderá participar e virá outra pessoa da equipe substituilo.
Não é um programa bem legal? Claro que nem pensamos em esgotar tudo em um ou dois encontros. Mas teremos muitos outros. Assim pretendemos.
Devo dizer que a nossa equipe é muito legal. Todos muito animados e dispostos a contribuir efetivamente para melhorar a saúde dos residentes em nossa área de atuação. Para mim tem sido uma alegria trabalhar com esta turma.
Recebam um abraço,
Aureo Augusto
sábado, 17 de outubro de 2009
CARINHO
Não sei como é pra vocês estas coisas, mas elas me tocam. Esta coisa do cuidado, do ter carinho e fazer um afago delicado. Ontem, após um dia de trabalho intenso, atendendo em Conceição dos Gatos e no Rio Grande, chegamos Gleiton, o enfermeiro, e eu, ao posto de saúde, que já estava fechado por causa da hora. Quando vínhamos chegando cruzamos com Beli que de longe acenou para que eu fosse em sua casa. Respondi-lhe que iria daí a pouco, mas antes que se realizasse o daí a pouco ela veio ao posto com um pacote cuidadosamente embrulhado em papel laminado. Disse que haviam preparado para o almoço, mas lembraram de mim. O povo sabe que sou guloso. Tenho cuidado com a qualidade do que como, mas ainda tenho um longo caminho a percorrer no que respeita à quantidade. Beli sabe disso e sabe que uma comida bem gostosa é uma alegria para mim. Ela não sabia, mas como em Conceição havia tido muita gente a consultar, cheguei tarde em Palmeiras (onde nestes dias almoço) e, como havia que fazer um programa no rádio, ir na Secretaria de Saúde fazer algumas diligências, entre outras coisas, acabei não almoçando. Por sorte em Conceição dos Gatos o povo, que é muito hospitaleiro, sempre tem merendas. Havia um aipim delicioso que comi fartamente. Mas, à hora que chegava de volta ao Vale, a fome batia na porta do estômago e solicitava-me com vigor. O pacotinho era uma comida de forno, naturalmente natural e vegetariana, muito deliciosa que saboreei com prazer (após oferecer um pedaço a Gleiton que aceitou – às vezes sou até um cara decente para estas coisas!).
O que me leva a pensar é constatar que ela na hora do almoço, por algo, lembrou de mim, assim do nada, ou talvez porque quando levou a comida à boca e sentindo-lhe o sabor ocorreu-lhe minha gulodice. Também no dia anterior, dia de N. S. Aparecida, que no Vale do Capão é festejada com hinos e comidas e que se associa ao dia das crianças e, portanto, há farta distribuição de comidas de aniversário, eu havia estado atarefado fotografando a festa muito bela de Beli. Aliás, registro que a festa foi tão maravilhosa quanto a de Cosme. Como sempre a distribuição farta de petiscos foi o forte. A família toda, Beli, seu marido, as belas filhas e o filho, algumas vizinhas mais chegadas, unidos naquela celebração, indo e vindo, distribuindo e rindo embora toda a turma cansada porque foram vários dias nos preparativos. O fato foi que no ritmo de fotografar terminei por não comer nada. Beli, Eldinha (a filha mais velha) e Derme, o marido, ficaram tristes quando descobriram que não comi. Correram à cozinha, olvidaram o cansaço, preparam suco de manga para mim e para Cybele e bastante pipoca. Comi até me fartar, mas parece que ficou na cabeça da dona da casa que eu não tinha comido a empanada tão saborosa. O seu jeito de ter cuidado seguramente assenhoreou-se de sua memória e ontem tive a felicidade, de em um momento de muita fome, comer algo com o sabor dado pelo dom da cozinheira, pelo amor da lembrança e pelo tempero da fome. Tenho do que me queixar?
Em 14/10/09
O que me leva a pensar é constatar que ela na hora do almoço, por algo, lembrou de mim, assim do nada, ou talvez porque quando levou a comida à boca e sentindo-lhe o sabor ocorreu-lhe minha gulodice. Também no dia anterior, dia de N. S. Aparecida, que no Vale do Capão é festejada com hinos e comidas e que se associa ao dia das crianças e, portanto, há farta distribuição de comidas de aniversário, eu havia estado atarefado fotografando a festa muito bela de Beli. Aliás, registro que a festa foi tão maravilhosa quanto a de Cosme. Como sempre a distribuição farta de petiscos foi o forte. A família toda, Beli, seu marido, as belas filhas e o filho, algumas vizinhas mais chegadas, unidos naquela celebração, indo e vindo, distribuindo e rindo embora toda a turma cansada porque foram vários dias nos preparativos. O fato foi que no ritmo de fotografar terminei por não comer nada. Beli, Eldinha (a filha mais velha) e Derme, o marido, ficaram tristes quando descobriram que não comi. Correram à cozinha, olvidaram o cansaço, preparam suco de manga para mim e para Cybele e bastante pipoca. Comi até me fartar, mas parece que ficou na cabeça da dona da casa que eu não tinha comido a empanada tão saborosa. O seu jeito de ter cuidado seguramente assenhoreou-se de sua memória e ontem tive a felicidade, de em um momento de muita fome, comer algo com o sabor dado pelo dom da cozinheira, pelo amor da lembrança e pelo tempero da fome. Tenho do que me queixar?
Em 14/10/09
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 10
ERRO ACERTADO.
Você já se viu em uma situação onde sabe do que se passa, mas sabe que qualquer ato resultará em problemas? Uma vez eu estava no mar em meio às ondas. Fui apanhado enquanto mergulhava e jogado contra as pedras tratei de me esquivar e consegui, porém saí com um corte no pé. Enquanto o mar me jogava de um lado para outro eu ia desviando das pancadas, mas, como era muita a agitação das águas, de quando em quando não conseguia me desviar e recebia um golpe; como a situação não oferecia maiores perigos, eu era jovem e em certa medida aventureiro, foi até divertido. Mas o corte no pé me fez sair da brincadeira. A mesma coisa na estrada aqui do Capão. Tem momentos em que paro o carro e olho a buraqueira sem saber para onde ir. E para onde quer que vá o resultado é cair em algum buraco. A vida de quando em quando faz isso conosco.
Isso não quer dizer que na vida existam armadilhas preparadas tão habilmente que não há como escapar. O significado disso, é que nós mesmos construímos as situações de tal maneira que chega um momento em que o que quer que façamos irá resultar em algum corte no pé, ou tropeço em algum buraco. Nunca somos meras vítimas das circunstâncias. Se assim percebemos, o buraco é o guia para o carro encontrar a estrada mais leve, o corte no pé é o momento em que refletimos cuidadosamente sobre todas as atitudes que tomamos e que levaram àquela situação específica. O erro nos ajuda a acertar. Porém se não percebemos a nossa participação criativa no processo, nos encontraremos de novo em um momento idêntico.
O passado é imutável. Mesmo que agora você perceba os inúmeros pequenos ou grandes erros que você cometeu, o encadeamento das coisas resultará em um constrangimento atual ou futuro. A percepção poderá contribuir para que a situação fique mais aliviada, mas não o liberará completamente. Este mundo é concreto. Uma vez que a matéria se move, ela seguirá. Essa é a beleza da matéria.
Por isso, na tempestade, só nos resta, uma vez conhecida em parte ou no todo, a seqüência de atitudes que levaram a estar ali, sob a borrasca, só nos resta, dizia, agir conforme aquilo que temos por correto e, esperar.
Aureo Augusto.
Você já se viu em uma situação onde sabe do que se passa, mas sabe que qualquer ato resultará em problemas? Uma vez eu estava no mar em meio às ondas. Fui apanhado enquanto mergulhava e jogado contra as pedras tratei de me esquivar e consegui, porém saí com um corte no pé. Enquanto o mar me jogava de um lado para outro eu ia desviando das pancadas, mas, como era muita a agitação das águas, de quando em quando não conseguia me desviar e recebia um golpe; como a situação não oferecia maiores perigos, eu era jovem e em certa medida aventureiro, foi até divertido. Mas o corte no pé me fez sair da brincadeira. A mesma coisa na estrada aqui do Capão. Tem momentos em que paro o carro e olho a buraqueira sem saber para onde ir. E para onde quer que vá o resultado é cair em algum buraco. A vida de quando em quando faz isso conosco.
Isso não quer dizer que na vida existam armadilhas preparadas tão habilmente que não há como escapar. O significado disso, é que nós mesmos construímos as situações de tal maneira que chega um momento em que o que quer que façamos irá resultar em algum corte no pé, ou tropeço em algum buraco. Nunca somos meras vítimas das circunstâncias. Se assim percebemos, o buraco é o guia para o carro encontrar a estrada mais leve, o corte no pé é o momento em que refletimos cuidadosamente sobre todas as atitudes que tomamos e que levaram àquela situação específica. O erro nos ajuda a acertar. Porém se não percebemos a nossa participação criativa no processo, nos encontraremos de novo em um momento idêntico.
O passado é imutável. Mesmo que agora você perceba os inúmeros pequenos ou grandes erros que você cometeu, o encadeamento das coisas resultará em um constrangimento atual ou futuro. A percepção poderá contribuir para que a situação fique mais aliviada, mas não o liberará completamente. Este mundo é concreto. Uma vez que a matéria se move, ela seguirá. Essa é a beleza da matéria.
Por isso, na tempestade, só nos resta, uma vez conhecida em parte ou no todo, a seqüência de atitudes que levaram a estar ali, sob a borrasca, só nos resta, dizia, agir conforme aquilo que temos por correto e, esperar.
Aureo Augusto.
domingo, 11 de outubro de 2009
PIPAS E PÁSSAROS
Quando acordei e abri a porta de casa assustei uma mamãe sabiá que alimentava seu filho no ninho construído acima da coluna da varanda da casa. Isso me fez lembrar um texto que escrevi em 2006 que quero compartilhar com vocês:
Hoje pela manhã, enquanto o sol aparecia por trás da Serra da Larguinha fui para a varanda terminar de ler o livro de Khaled Husseini, O Caçador de Pipas. Precisava termina-lo sob pena de não conseguir fazer mais nada. Ontem mesmo comecei a lê-lo, mas fui obrigado a interromper, pois tive uma reunião na rua, aonde cheguei ligeiramente atrasado, coisa que abomino, porque não conseguia parar a leitura. Quando retornei pra casa estava com algumas preocupações na cabeça e por isso o livro havia saído do meu foco de interesse. Infelizmente, após o almoço, quando fui descomer, com diz algumas pessoas do povo, peguei o livro novamente. Com isso tudo o que tinha que fazer ou resolver ficou em suspenso. Não consegui desgrudar mais até que Cybele chegou e, como sempre faço, interrompi o que fazia para dar-me o prazer de assisti-la. Olhar e ouvir. Acariciar e ser acariciado. Fomos dormir e fiz isso quase obrigado porque ainda faltavam umas dez páginas para terminar. Concluí hoje pela manhã, sentindo a frescura do ar em minha pele. O final é perfeito. O livro não é perfeito, tem alguns pequenos furos, e algo que me pareceu erros de tradução, mas é ótimo. Tomara você resolva lê-lo.
Mas ao iniciar esta crônica queria dizer que os pássaros voltaram. Sim, aqui em casa, sobre cada coluna da varanda há um ninho vazio que de vez em quando são ocupados por sabiás. As aves ficam um pouco assustadas com a presença humana e fogem quando abrimos a porta; mas isso apenas no início, depois se acostumam e ficam olhando atentos a nossa movimentação, mas não fogem. Depois vêem os filhotes, os ensaios de vôo e por fim abandonam o ninho até o próximo período. E, como sempre, estas loucas garrinchas escolhem os lugares mais inconvenientes para se estabelecer. Um casal delas escolheu desta vez o espaço que há entre dois livros de arte compridos e o volume de Van Loon sobre história da arte que está entre os primeiros. O último livro é grosso e baixo e sobre ele as garrinchas fizeram seu lar. Agora estou com receio de pegar os livros de arte para ler. Pelo menos até que o ninho seja abandonado.
Eu e os passarinhos nos damos bem, mesmo quando fico com raiva deles porque me estropiam a horta e os morangos. É uma bela amizade, destas em que um aceita o outro apesar dos seus defeitos. Também, apesar de bela, não se pode dizer que haja grande confiança entre nós. Eles não se aproximam muito, mas sabem que em minha casa há certa segurança e eu não confio em que não vão me atacar a horta. Mas mesmo assim nos gostamos. Isso basta.
Em 7/11/06.
Recebam o meu abraço agora em 2009
Hoje pela manhã, enquanto o sol aparecia por trás da Serra da Larguinha fui para a varanda terminar de ler o livro de Khaled Husseini, O Caçador de Pipas. Precisava termina-lo sob pena de não conseguir fazer mais nada. Ontem mesmo comecei a lê-lo, mas fui obrigado a interromper, pois tive uma reunião na rua, aonde cheguei ligeiramente atrasado, coisa que abomino, porque não conseguia parar a leitura. Quando retornei pra casa estava com algumas preocupações na cabeça e por isso o livro havia saído do meu foco de interesse. Infelizmente, após o almoço, quando fui descomer, com diz algumas pessoas do povo, peguei o livro novamente. Com isso tudo o que tinha que fazer ou resolver ficou em suspenso. Não consegui desgrudar mais até que Cybele chegou e, como sempre faço, interrompi o que fazia para dar-me o prazer de assisti-la. Olhar e ouvir. Acariciar e ser acariciado. Fomos dormir e fiz isso quase obrigado porque ainda faltavam umas dez páginas para terminar. Concluí hoje pela manhã, sentindo a frescura do ar em minha pele. O final é perfeito. O livro não é perfeito, tem alguns pequenos furos, e algo que me pareceu erros de tradução, mas é ótimo. Tomara você resolva lê-lo.
Mas ao iniciar esta crônica queria dizer que os pássaros voltaram. Sim, aqui em casa, sobre cada coluna da varanda há um ninho vazio que de vez em quando são ocupados por sabiás. As aves ficam um pouco assustadas com a presença humana e fogem quando abrimos a porta; mas isso apenas no início, depois se acostumam e ficam olhando atentos a nossa movimentação, mas não fogem. Depois vêem os filhotes, os ensaios de vôo e por fim abandonam o ninho até o próximo período. E, como sempre, estas loucas garrinchas escolhem os lugares mais inconvenientes para se estabelecer. Um casal delas escolheu desta vez o espaço que há entre dois livros de arte compridos e o volume de Van Loon sobre história da arte que está entre os primeiros. O último livro é grosso e baixo e sobre ele as garrinchas fizeram seu lar. Agora estou com receio de pegar os livros de arte para ler. Pelo menos até que o ninho seja abandonado.
Eu e os passarinhos nos damos bem, mesmo quando fico com raiva deles porque me estropiam a horta e os morangos. É uma bela amizade, destas em que um aceita o outro apesar dos seus defeitos. Também, apesar de bela, não se pode dizer que haja grande confiança entre nós. Eles não se aproximam muito, mas sabem que em minha casa há certa segurança e eu não confio em que não vão me atacar a horta. Mas mesmo assim nos gostamos. Isso basta.
Em 7/11/06.
Recebam o meu abraço agora em 2009
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 10
Hoje é dia de tratar desta forma de medicina que está embutida na vida cotidiana. Quero apresentar João Quaresma, uma pessoa especial, que faleceu há pouco tempo:
JOÃO QUARESMA
O velho João Quaresma tem na base de 108 anos, isso é o que se diz por aqui. É o mais velho dos antigos que pisam na terra e que ainda não foram por ela tragados. Homem muito especial, como era de se esperar de alguém que ultrapassou o século. Conheci-o há muito e impressionou-me sua memória e lucidez. Até hoje, sai do Rio Grande, onde mora, até Palmeiras a pé. Mantém vivo seu passo, do mesmo jeito que o olhar. Homem forte, como também era de se esperar de alguém que viveu mais do que todos os seus amigos e parentes. Já idoso em uma quinta-feira resolveu subir em uma mangueira a colher frutas. De baixo lhe gritaram que não fosse porque tratava-se de uma quinta-feira maior, ou seja, véspera da paixão, época muito respeitada pelo sertanejo. João Quaresma lá de cima gritou que todos os dias são do mesmo tamanho, não tem maior nem menor, coisa que é verdade e não é; mas perdeu a atenção, caiu e se machucou muito. Nem por isso deixou, assim que melhorou, de subir em ‘pé de pau’ e continuar falando do tamanho dos dias. Homem sabedor de muitas coisas, como era de se esperar de quem ouviu falar de fatos há muito escondidos da memória das gentes, tem hábitos bem pessoais. João Quaresma não mata nada. Uma vez o Sr. Manuel Quati, chamado de Manézinho, matou uma cobra no caminho de Capão pra Palmeiras, quase chegando, pelo atalho, em Rio Grande. Matar cobra é um hábito. Observo que o povo nem se preocupa em ver se é venenosa, se mansa, calma ou agressiva, à vista do réptil, facões são desembainhados, cacetes surgem do nada e a bagaceira está feita. Tenho uma longa experiência com estes animais que algum dia contarei e aprendi que cada cobra, embora tenha seu jeito serpentiforme de ser, também tem sua maneira única; descobri que a imensa maioria é dócil, doce até. Das histórias macabras que se contam, a grande maioria, não passa de pura fantasia. Voltando a João Quaresma: O seu amigo Manézinho passou aquela noite em sua casa. Mas, quando no dia seguinte João soube que ele havia matado uma cobra nas proximidades de sua casa, abusou-se disso e afirmou que se soubesse antes, ele não teria dormido em sua. Para ele não faz sentido matar. Um dia caminhando no mato caiu-lhe uma cobra sobre o chapéu. O estardalhaço que ao redor fizeram não lhe abalou o passo; curvou-se tranqüilo dando à bichinha sua chance de escapar incólume da aventura. Cascavel, jararaca, jaracuçú, coral, que importa? Onde encontre, conduz a lugar seguro. E não é só cobra. Há algum tempo encontrou uma paca e, para que não corresse risco tomou-a nas mãos ao que o animal assustado meteu-lhe as presas na carne entre o indicador e o polegar. Levou o bicho a lugar protegido e só então se preocupou em tirar o dente da carne. De outra feita deu de cara com um gato do mato em lugar de perigo pro animal. Com agilidade agarrou-o no lombo com ambas as mãos, e suspendeu-o sobre a cabeça, com as patas pra cima. O felino ficou chiando, mas não pôde nada fazer contra seu captor. Longe dali, em local abrigado da intromissão dos cachorros, deixou que se fosse o bicho. Ele não mata nada, nem murinhanha, barata, lacraia. Quem lhe ensinou isso? Ninguém, saiu de sua cachola e penso que de alguma maneira isso tem a ver com sua idade. Homem único, como se esperaria de quem muito viveu, mas esse muito viver pode ter vindo de seu jeito de ser único. Esse indivíduo, soube trilhar em sua vida o caminho que seus próprios pés fizeram. Não se trata de um mero fruto daquilo que se constrói com os hábitos sociais. Saiu dos acostumamentos. A vida para ele deixou de ser a repetição e, mesmo vivendo esse tanto que viveu, ainda curioseia o mundo e segue construindo o seu viver. É isso que nele devemos aprender.
O cara não era demais? Manter sua mente lúcida na idade que tinha, tem a ver com sua enorme capacidade de manter a própria maneira de ser, única.
Aureo Augusto.
JOÃO QUARESMA
O velho João Quaresma tem na base de 108 anos, isso é o que se diz por aqui. É o mais velho dos antigos que pisam na terra e que ainda não foram por ela tragados. Homem muito especial, como era de se esperar de alguém que ultrapassou o século. Conheci-o há muito e impressionou-me sua memória e lucidez. Até hoje, sai do Rio Grande, onde mora, até Palmeiras a pé. Mantém vivo seu passo, do mesmo jeito que o olhar. Homem forte, como também era de se esperar de alguém que viveu mais do que todos os seus amigos e parentes. Já idoso em uma quinta-feira resolveu subir em uma mangueira a colher frutas. De baixo lhe gritaram que não fosse porque tratava-se de uma quinta-feira maior, ou seja, véspera da paixão, época muito respeitada pelo sertanejo. João Quaresma lá de cima gritou que todos os dias são do mesmo tamanho, não tem maior nem menor, coisa que é verdade e não é; mas perdeu a atenção, caiu e se machucou muito. Nem por isso deixou, assim que melhorou, de subir em ‘pé de pau’ e continuar falando do tamanho dos dias. Homem sabedor de muitas coisas, como era de se esperar de quem ouviu falar de fatos há muito escondidos da memória das gentes, tem hábitos bem pessoais. João Quaresma não mata nada. Uma vez o Sr. Manuel Quati, chamado de Manézinho, matou uma cobra no caminho de Capão pra Palmeiras, quase chegando, pelo atalho, em Rio Grande. Matar cobra é um hábito. Observo que o povo nem se preocupa em ver se é venenosa, se mansa, calma ou agressiva, à vista do réptil, facões são desembainhados, cacetes surgem do nada e a bagaceira está feita. Tenho uma longa experiência com estes animais que algum dia contarei e aprendi que cada cobra, embora tenha seu jeito serpentiforme de ser, também tem sua maneira única; descobri que a imensa maioria é dócil, doce até. Das histórias macabras que se contam, a grande maioria, não passa de pura fantasia. Voltando a João Quaresma: O seu amigo Manézinho passou aquela noite em sua casa. Mas, quando no dia seguinte João soube que ele havia matado uma cobra nas proximidades de sua casa, abusou-se disso e afirmou que se soubesse antes, ele não teria dormido em sua. Para ele não faz sentido matar. Um dia caminhando no mato caiu-lhe uma cobra sobre o chapéu. O estardalhaço que ao redor fizeram não lhe abalou o passo; curvou-se tranqüilo dando à bichinha sua chance de escapar incólume da aventura. Cascavel, jararaca, jaracuçú, coral, que importa? Onde encontre, conduz a lugar seguro. E não é só cobra. Há algum tempo encontrou uma paca e, para que não corresse risco tomou-a nas mãos ao que o animal assustado meteu-lhe as presas na carne entre o indicador e o polegar. Levou o bicho a lugar protegido e só então se preocupou em tirar o dente da carne. De outra feita deu de cara com um gato do mato em lugar de perigo pro animal. Com agilidade agarrou-o no lombo com ambas as mãos, e suspendeu-o sobre a cabeça, com as patas pra cima. O felino ficou chiando, mas não pôde nada fazer contra seu captor. Longe dali, em local abrigado da intromissão dos cachorros, deixou que se fosse o bicho. Ele não mata nada, nem murinhanha, barata, lacraia. Quem lhe ensinou isso? Ninguém, saiu de sua cachola e penso que de alguma maneira isso tem a ver com sua idade. Homem único, como se esperaria de quem muito viveu, mas esse muito viver pode ter vindo de seu jeito de ser único. Esse indivíduo, soube trilhar em sua vida o caminho que seus próprios pés fizeram. Não se trata de um mero fruto daquilo que se constrói com os hábitos sociais. Saiu dos acostumamentos. A vida para ele deixou de ser a repetição e, mesmo vivendo esse tanto que viveu, ainda curioseia o mundo e segue construindo o seu viver. É isso que nele devemos aprender.
O cara não era demais? Manter sua mente lúcida na idade que tinha, tem a ver com sua enorme capacidade de manter a própria maneira de ser, única.
Aureo Augusto.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
OS TIGRES E OS MORANGOS DO MONGE
O sol vertical transforma em pó qualquer dos muitos caminhos deste Vale. A onipresença da poeira é tristeza para as donas de casa, mas, não nego, gosto de ver o pó levantar à passagem de pés ou rodas. Havia um sujeito, um monge zen, que vivia muito longe daqui do Vale do Capão, era da China. Não sei bem porque me vem esta história quando estou pensando neste calorzão que se dá neste momento em que o mundo pede chuva, mas, enfim, vamos lá: O tal monge, caminhando em um bosque, deu de cara com um tigre. Considerando que ainda não era o momento de abandonar o veículo corpóreo (ainda não se iluminara), deitou a correr e nessa caiu em um despenhadeiro. Por sorte e agilidade conseguiu segurar-se em uma raiz e não se arrebentou lá embaixo. O tigre que o perseguia ficou lá em cima olhando triste pela perda do almoço. Mas a raiz foi aos poucos cedendo e logo o monge cairia. Para ele isso não era grande problema, talvez escapasse, um pouco estropiado, porém livre da fera.
Porém, para seu desespero descobriu que outro tigre o espreitava embaixo do despenhadeiro. Naquele momento, quando a situação estava neste trânsito terrível notou que ao alcance da mão havia um pé de morango carregadinho. Não pensou duas vezes e começou a saborear as deliciosas frutas. Coisa de monge zen...
Pensando bem, o fato é que o cara estava em uma situação na qual o usufruto do morango não representava melhora nem piora. Já que vou morrer que morra feliz! Lembro de uma mulher aqui do Vale do Capão, Landinha, que, viúva, sustentava a filharada com muito trabalho. Sabia eu das suas agruras de labuta diuturna. Um dia surpreso (?) encontrei-a no forró quinzenal daqui do Capão. Pensei que ela, com tantos problemas, ali estava se divertindo como se a vida só lhe houvesse dado grandes alegrias. Depois vi que minha surpresa era um despropósito, pois aqueles momentos de diversão tinham o papel de amenizar-lhe os cansaços. Não fosse à dança e acrescentaria mais uma desalegria a sua vida dura. Aliás, a realidade é que no trabalho sempre estava contente. Ria e brincava muito, embora, registre-se, sem deixar de lado a responsabilidade. Landinha nem nunca ouviu falar nessa coisa de zen, mas algo disso ela aprendeu. Landinha estava entre dois tigres, mas saboreava o morango.
Nem sempre é fácil. Alguém poderá até dizer que os problemas da minha amiga eram não tão grandes. Coisa nenhuma! Eu sei que ela tinha uma vida que poucos agüentariam. Por merecimento hoje está bem melhor, casada com um sujeito gente boa, que, por acaso, atraiu-se por ela justo pelo sorriso de lado a lado e pela alegria marota. Deixasse ela de lado o forró e mourejaria sem brilho até o presente.
De monge falta-me quase tudo; não tenho esta competência para a disciplina rigorosa, preces, meditações, posturas e coisas que tais, mas devo reconhecer que aquele lá dos tigres sabia das coisas. O desafio é, guardadas as proporções, incluir aquela competência em nossa vida cotidiana.
Para mim é um prazer poder partilhar com você estes pensamentos; receba um abraço,
Aureo Augusto
Porém, para seu desespero descobriu que outro tigre o espreitava embaixo do despenhadeiro. Naquele momento, quando a situação estava neste trânsito terrível notou que ao alcance da mão havia um pé de morango carregadinho. Não pensou duas vezes e começou a saborear as deliciosas frutas. Coisa de monge zen...
Pensando bem, o fato é que o cara estava em uma situação na qual o usufruto do morango não representava melhora nem piora. Já que vou morrer que morra feliz! Lembro de uma mulher aqui do Vale do Capão, Landinha, que, viúva, sustentava a filharada com muito trabalho. Sabia eu das suas agruras de labuta diuturna. Um dia surpreso (?) encontrei-a no forró quinzenal daqui do Capão. Pensei que ela, com tantos problemas, ali estava se divertindo como se a vida só lhe houvesse dado grandes alegrias. Depois vi que minha surpresa era um despropósito, pois aqueles momentos de diversão tinham o papel de amenizar-lhe os cansaços. Não fosse à dança e acrescentaria mais uma desalegria a sua vida dura. Aliás, a realidade é que no trabalho sempre estava contente. Ria e brincava muito, embora, registre-se, sem deixar de lado a responsabilidade. Landinha nem nunca ouviu falar nessa coisa de zen, mas algo disso ela aprendeu. Landinha estava entre dois tigres, mas saboreava o morango.
Nem sempre é fácil. Alguém poderá até dizer que os problemas da minha amiga eram não tão grandes. Coisa nenhuma! Eu sei que ela tinha uma vida que poucos agüentariam. Por merecimento hoje está bem melhor, casada com um sujeito gente boa, que, por acaso, atraiu-se por ela justo pelo sorriso de lado a lado e pela alegria marota. Deixasse ela de lado o forró e mourejaria sem brilho até o presente.
De monge falta-me quase tudo; não tenho esta competência para a disciplina rigorosa, preces, meditações, posturas e coisas que tais, mas devo reconhecer que aquele lá dos tigres sabia das coisas. O desafio é, guardadas as proporções, incluir aquela competência em nossa vida cotidiana.
Para mim é um prazer poder partilhar com você estes pensamentos; receba um abraço,
Aureo Augusto
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
LUA LUA LUAR
Ontem Cybele colocou cadeiras confortáveis na porta de casa, cobertores (porque fazia frio) e me convidou a ver a lua. O Vale do Capão estava completamente imerso na escuridão (faltara luz) e aguardamos o astro adentrar o céu saindo da cortina das serras. O leste iluminou-se aos poucos e de repente vi a borda do disco lunar que logo converteu-se em um amplo círculo de prata. O momento mais bonito foi quando sua borda inferior descansou sobre a borda verde musgo escuro da serra da Larguinha. Parecia que se preparava para tomar impulso antes de lançar-se ao céu estrelado.
Quando saiu total, o Vale iluminou-se de sonho. O mato ficou verdeamarelocinzapratasombreado, como convém a uma noite de lua cheia. Deixamo-nos estar por longo tempo apenas contemplando. Nada demais, nada mais.
Um beijo no coração
Quando saiu total, o Vale iluminou-se de sonho. O mato ficou verdeamarelocinzapratasombreado, como convém a uma noite de lua cheia. Deixamo-nos estar por longo tempo apenas contemplando. Nada demais, nada mais.
Um beijo no coração
sábado, 3 de outubro de 2009
AMANHECENDO NO VALE
Quando acordei hoje, o dia ainda não havia se organizado e os passarinhos sequer chamavam o sol com seus pipiladoscantantes. Caminhei um pouco pela casa acompanhando as sombras insistentes da noite; depois deixei-me embalar pela chuva brincando de fazer música nas teclas das telhas. Agora, os pássaros gritam o bem-te-vi e beija-flores simulam naves espaciais. Foi dada permissão a luz alastrar-se, ocupando cada rincão do Vale preenchendo a umidade chuvosa das folhas por brilhos inusitados. A serra ainda espreguiça a névoa que a toma completa. Os limites do mundo estão bem próximos. Sei que atrás da cortina branca existem árvores, montanhas e o planalto dos gerais espera minha imaginação e minhas pernas. Mas aqui aconchego-me entre o canto dos galos que tarde despertam, o tocplimtumtactinnn da chuva em um mundo que está tão quieto que nem vento ou brisa se atrevem. As vozes humanas ainda não quiseram evadir-se do sono e mesmo aqueles que se domesticaram à labuta cedeira, parece, hesitam em transformar repouso em jogo de enxada, serrote ou facão e machado.
É assim que hoje começa o dia no Vale do Capão. Assisto como quem não tem televisão.
Tomara o seu dia seja lindo como o meu está sendo. Um abraço, Aureo Augusto.
É assim que hoje começa o dia no Vale do Capão. Assisto como quem não tem televisão.
Tomara o seu dia seja lindo como o meu está sendo. Um abraço, Aureo Augusto.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 9
Hoje é dia de assunto ligado a Saúde. Hoje trago para vc a questão da responsabilidade pessoal neste assunto.
TODO MUNDO DE ÓCULOS!
Dalva está se queixando dos óculos novos. Disse que cada vez que os coloca vê tudo caindo. “A rua fica caindo do lado”, “o povo cai pro lado...” E por isso obrigou-se a não usar o equipamento que a custo comprou.
Estava eu em Salvador quando apareceram por aqui algumas pessoas que se diziam oculistas e o povo acorreu em massa. Alguns dias após o meu retorno reparei que o Vale do Capão em peso estava usando lentes. O exame foi gratuito (gente generosa!), mas os óculos, naturalmente, pagos. Os resultados não foram completamente satisfatórios. Uma prova disso é que (comenta-se a boca pequena) até o pessoal de uma determinada família que adora usar óculos, nem eles estão conseguindo desfilar com as novas lentes que lhes foram receitadas. Dalva já falou que vai atrás pra recuperar o dinheiro que investiu ou pelo menos dar um jeito de fazer as coisas deixarem de desabar, de cair pros lados, escorrer pelas beiradas do seu campo de visão. Recuperar o dinheiro importa, assim como corrigir um erro de diagnóstico, porém convém pensar um tanto no pouco que damos de atenção à nossa saúde. Penso até em mim mesmo, que apesar de médico, às vezes me deixo levar por inércia e procrastinação, não observando os cuidados devidos. Penso também na alegria daquelas pessoas “encandiladas” com a possibilidade de um exame grátis, mesmo sem saber se bom; usam um velho adágio: “De graça, até prego na testa”. Ora! É esperado que o oculista (se é que era oftalmologista mesmo) grátis queira compensação pelo serviço, do mesmo jeito que o político que compra voto vai querer de volta o seu investimento.
A quem nós entregamos o nosso corpo, alma, futuro, sociedade, bem-estar? Uma vez um amigo me disse que estava muito preocupado com o fato de que todos nós entregamos nossa vida a outros sem permitir-nos o controle da situação. Médicos, políticos, professores, motoristas, cozinheiros, entre outros nos conduzem:
Médicos: Freqüentemente deixamos de fazer perguntas cuidadosas quanto ao diagnóstico e a terapêutica de nossos males; deveríamos aprender da nossa saúde e da nossa cura, exigir claridade nas explicações. Existem excelentes médicos no mundo (a par de outros não tanto), mas mesmo que encontre um Hipócrates extraordinário, ainda assim ele por si só é incapaz de saber de mim com a intimidade com que eu mesmo sei.
Políticos: Os políticos tantas vezes definem diretrizes para a nossa sociedade e para a economia que favorecem mais a eles mesmos e aos seus partidos do que à população. Nós idiotamente uma infinidade de vezes esquecemos de vigia-los; Há uma certa quantidade de políticos honestos, mas que podem errar. Deixa-los com toda a responsabilidade é, no mínimo, uma idiotice (no sentido grego).
Educadores: Milhares de professores tornam-se responsáveis pela educação de nossos filhos e filhas; às vezes não preparam (em parte porque não sabem preparar) aulas, não planejam, nem fazem formação continuada até porque nem sempre os coordenadores pedagógicos cumprem suas 25 funções expressas na LDB; centenas de secretários de educação desconhecem ou não querem conhecer suas obrigações e não passam de capachos de prefeitos e governadores. Enfim, inusitadas vezes, nós, pais e mães, esquecemos ou negligenciamos nossa participação na educação. Mesmo contando com professores excelentes, coordenadores maravilhosos, secretários de educação impecáveis, ainda assim não temos o direito de delegar apenas a eles a educação de nossos filhos.
Motoristas: Em toda parte aí estão eles e, muitas vezes, são mal formados, ou estão sendo explorados pelas empresas trabalhando acima de suas capacidades, aumentando em muito a possibilidade de acidentes. Por que não prestar atenção neles, ver como estão, se possível protestar, discutir o caminho (táxi), não deixar em suas mãos toda a nossa vida naqueles momentos em que entregamos nossos rumos ao volante por eles manejado?
Cozinheiros, assim como as indústrias de alimentos, restaurantes, lanchonetes, vendedores de rua, em profusão, fazem qualquer coisa para que suas comidas sejam consumidas. A adição de conservantes, colorantes, edulcorantes, sal, açúcar, espessantes entre outros produtos cujos efeitos sobre nossos corpos são, para dizer o mínimo, imprecisos, é um dos meios utilizados para pescar-nos pelo paladar (“peixe morre pela boca”) e, nós nem sequer lemos os rótulos!
Entregamos nosso destino a outros e, nem sempre estes outros são idôneos e, quando o são, mesmo assim, passíveis de erro. Como tal, é tarefa nossa cuidar para que a nossa entrega aos profissionais competentes seja temperada pela natural e desejável presença de nossa consciência. No mínimo para que não aconteça de o mundo escorrer pelas bordas do nosso campo de visão.
Recebam um abração, Aureo Augusto.
TODO MUNDO DE ÓCULOS!
Dalva está se queixando dos óculos novos. Disse que cada vez que os coloca vê tudo caindo. “A rua fica caindo do lado”, “o povo cai pro lado...” E por isso obrigou-se a não usar o equipamento que a custo comprou.
Estava eu em Salvador quando apareceram por aqui algumas pessoas que se diziam oculistas e o povo acorreu em massa. Alguns dias após o meu retorno reparei que o Vale do Capão em peso estava usando lentes. O exame foi gratuito (gente generosa!), mas os óculos, naturalmente, pagos. Os resultados não foram completamente satisfatórios. Uma prova disso é que (comenta-se a boca pequena) até o pessoal de uma determinada família que adora usar óculos, nem eles estão conseguindo desfilar com as novas lentes que lhes foram receitadas. Dalva já falou que vai atrás pra recuperar o dinheiro que investiu ou pelo menos dar um jeito de fazer as coisas deixarem de desabar, de cair pros lados, escorrer pelas beiradas do seu campo de visão. Recuperar o dinheiro importa, assim como corrigir um erro de diagnóstico, porém convém pensar um tanto no pouco que damos de atenção à nossa saúde. Penso até em mim mesmo, que apesar de médico, às vezes me deixo levar por inércia e procrastinação, não observando os cuidados devidos. Penso também na alegria daquelas pessoas “encandiladas” com a possibilidade de um exame grátis, mesmo sem saber se bom; usam um velho adágio: “De graça, até prego na testa”. Ora! É esperado que o oculista (se é que era oftalmologista mesmo) grátis queira compensação pelo serviço, do mesmo jeito que o político que compra voto vai querer de volta o seu investimento.
A quem nós entregamos o nosso corpo, alma, futuro, sociedade, bem-estar? Uma vez um amigo me disse que estava muito preocupado com o fato de que todos nós entregamos nossa vida a outros sem permitir-nos o controle da situação. Médicos, políticos, professores, motoristas, cozinheiros, entre outros nos conduzem:
Médicos: Freqüentemente deixamos de fazer perguntas cuidadosas quanto ao diagnóstico e a terapêutica de nossos males; deveríamos aprender da nossa saúde e da nossa cura, exigir claridade nas explicações. Existem excelentes médicos no mundo (a par de outros não tanto), mas mesmo que encontre um Hipócrates extraordinário, ainda assim ele por si só é incapaz de saber de mim com a intimidade com que eu mesmo sei.
Políticos: Os políticos tantas vezes definem diretrizes para a nossa sociedade e para a economia que favorecem mais a eles mesmos e aos seus partidos do que à população. Nós idiotamente uma infinidade de vezes esquecemos de vigia-los; Há uma certa quantidade de políticos honestos, mas que podem errar. Deixa-los com toda a responsabilidade é, no mínimo, uma idiotice (no sentido grego).
Educadores: Milhares de professores tornam-se responsáveis pela educação de nossos filhos e filhas; às vezes não preparam (em parte porque não sabem preparar) aulas, não planejam, nem fazem formação continuada até porque nem sempre os coordenadores pedagógicos cumprem suas 25 funções expressas na LDB; centenas de secretários de educação desconhecem ou não querem conhecer suas obrigações e não passam de capachos de prefeitos e governadores. Enfim, inusitadas vezes, nós, pais e mães, esquecemos ou negligenciamos nossa participação na educação. Mesmo contando com professores excelentes, coordenadores maravilhosos, secretários de educação impecáveis, ainda assim não temos o direito de delegar apenas a eles a educação de nossos filhos.
Motoristas: Em toda parte aí estão eles e, muitas vezes, são mal formados, ou estão sendo explorados pelas empresas trabalhando acima de suas capacidades, aumentando em muito a possibilidade de acidentes. Por que não prestar atenção neles, ver como estão, se possível protestar, discutir o caminho (táxi), não deixar em suas mãos toda a nossa vida naqueles momentos em que entregamos nossos rumos ao volante por eles manejado?
Cozinheiros, assim como as indústrias de alimentos, restaurantes, lanchonetes, vendedores de rua, em profusão, fazem qualquer coisa para que suas comidas sejam consumidas. A adição de conservantes, colorantes, edulcorantes, sal, açúcar, espessantes entre outros produtos cujos efeitos sobre nossos corpos são, para dizer o mínimo, imprecisos, é um dos meios utilizados para pescar-nos pelo paladar (“peixe morre pela boca”) e, nós nem sequer lemos os rótulos!
Entregamos nosso destino a outros e, nem sempre estes outros são idôneos e, quando o são, mesmo assim, passíveis de erro. Como tal, é tarefa nossa cuidar para que a nossa entrega aos profissionais competentes seja temperada pela natural e desejável presença de nossa consciência. No mínimo para que não aconteça de o mundo escorrer pelas bordas do nosso campo de visão.
Recebam um abração, Aureo Augusto.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
ACEITANDO O NOVO
Uma peculiaridade do povo do Vale do Capão é a capacidade de receber o novo com pouca resistência. Há quase trinta anos cheguei aqui e, naturalmente atraímos, eu e aqueles que me acompanhavam, a curiosidade. Mas logo começaram a chegar outras pessoas a visitar ou fixar residência e esta curiosidade perdeu motivo. Os recém-chegados se inseriram na vida dos nativos e vice-versa, influenciando-se mutuamente. Talvez a maior (e melhor) influência que recebi foi uma certa calma na resolução das coisas. Uma vez o carro que me conduzia a Palmeiras para ir a Salvador quebrou. Fiquei muito angustiado, mas o povo que diligentemente procurava ajudar, não estava nem um pouco agoniado. Pensei que talvez fosse porque eles não tinham compromissos lá em Salvador como eu tinha, mas observando melhor encontrei que nos próprios compromissos a postura era a mesma. Há uma certa paciência no fazer as coisas. Quando participei dos mutirões da construção do coreto, notei que os pedreiros iam chegando, acendiam o fogo, preparavam o moquém para suas carnes (e meus aipins), rindo felizes, brincando entre si, depois começavam a fazer a massa e depois entravam no trabalho com vigor. Não havia preguiça, havia uma coisa depois da outra. Fui aprendendo embora não seja bom aluno. E o povo daqui aprendeu com a gente imigrante. Uma vez vi crianças nativas brincando de roda, cantando uma música em castelhano, lá do jeito deles, mas enfim. Quando tivemos uma gincana e nela se propôs um coral, este se tornou fixo e está aí até hoje. O povo gosta de novidade. Hoje, há pouco cheguei ao posto e encontrei Dêja dando aula de tai-chi-chuan para um grupo de senhoras. Todas nativas, todas felizes, estão adorando esta novidade de milhares de anos vinda do outro lado do mundo. Quando vou ao Pilates, noto as senhoras e senhores daqui fazendo a ginástica novedosa que todos aceitam, admiram e gostam. Claro que temos exceções, mas é impressionante como têm abertura para as coisas que não conhecem e que o mundo traz. E, entenda-se, não isso significa que deixem de ser eles mesmos.
Já andei por um bocado de lugares interioranos. A onipresença da televisão tem destampado as cabeças trazendo e as vezes impingindo aberturas para costumes alheios aos hábitos locais, mas mesmo assim há desconfiança para com o estrangeiro. Aqui não é isso o que acontece. O Brasil, que é um país de estrangeiros se bem o notamos, já que portugueses, africanos, japoneses, espanhóis que fazem de nosso sangue esta mescla de aqui não são. E daqui os que são, índios, o são em franca minoria. Vai daí que é do Brasil a competência para olhar o diferente sem aquele assombro de medo e rejeição. E aqui no Capão vejo que essa virtude se concentrou.
Recebam um abraço carinhoso em 1/10/09. Aureo Augusto.
Já andei por um bocado de lugares interioranos. A onipresença da televisão tem destampado as cabeças trazendo e as vezes impingindo aberturas para costumes alheios aos hábitos locais, mas mesmo assim há desconfiança para com o estrangeiro. Aqui não é isso o que acontece. O Brasil, que é um país de estrangeiros se bem o notamos, já que portugueses, africanos, japoneses, espanhóis que fazem de nosso sangue esta mescla de aqui não são. E daqui os que são, índios, o são em franca minoria. Vai daí que é do Brasil a competência para olhar o diferente sem aquele assombro de medo e rejeição. E aqui no Capão vejo que essa virtude se concentrou.
Recebam um abraço carinhoso em 1/10/09. Aureo Augusto.
Assinar:
Postagens (Atom)