Caros amigos, hoje é dia de comentar um pouco de medicina. Mas antes quero avisar que estarei fora nos próximos 15 a 20 dias, por isso não vou alimentar o blog. Recebam um abração, até a próxima.
TÉCNICA E HUMANIDADE
Nos 3 últimos anos do curso de medicina e por mais algum tempo depois de formado estagiei em um hospital do governo em Salvador. Ali dava plantões regulares, aprendendo com os mais experientes aquilo que os livros insinuam, mas não dão: experiência. Naquela época havia um médico, já um senhor, muito respeitado (ainda o é, por merecimento) cujo nome não citarei apenas porque não lhe pedi permissão para contar esta passagem. Quando ele era meu chefe da equipe, o que acontecia uma a duas vezes por semana, nos momentos mais calmos me pedia que lhe contasse algo da história ou da mitologia, principalmente do povo grego. Desde muito jovem sou apaixonado por história e por mitos, assim que, aqueles momentos eram para mim deliciosos. O famoso médico me contou que havia vindo do interior e que em sua vida dedicara-se exclusivamente a sua formação técnica de modo que descurara do humanismo. Devo dizer que ele era e é uma pessoa muito humana. Desconhecer as tradições e a literatura dos antigos não lhe feriam o senso de valor da vida humana, tampouco lhe reduzia o tratamento carinhoso para com os pacientes. Mas, sentia falta. Dizia. Contava-me que sentia prazer em conversar e perguntar das aventuras, correrias e pensamentos das gentes do passado. Queria conhecer. Vejo-o até hoje como o protótipo do bom profissional.
As profissões em geral carecem de um permanente cuidado na formação. Hoje está se tornando lugar comum dizer formação continuada, mas, comum ou não, incomum é sua realização, porém esta realização é uma necessidade de toda profissão. O cuidado em aprender o que de novo traz o universo das pesquisas é essencial. Porém, com demasiada freqüência, tal formação importa-se apenas com a técnica crua do ofício. O que é uma pena, pois que, o profissional é gente, como tal carece de integridade. Sim, nós, seres humanos, queremos ser íntegros, ou seja, responder ao mundo, ou viver no mundo conforme a totalidade de nosso ser. Dentro do possível. O que nos dá o possível são as nossas capacidades de sentir, ver, refletir, degustar etc. Quando vivemos apenas a técnica do nosso ofício e deixamos de lado a vida social, afetiva, intelectual não profissional, do lazer, da arte entre outros aspectos, somos candidatos fáceis à infelicidade, mesmo surda e imperceptível, de não ser inteiro. Podemos não nos dar conta disso claramente, mas a vida começa a ser apenas repetição, enquanto ser humano implica uma variável dose de novidade. No âmbito profissional, a felicidade cultural (de quem está imerso na descoberta de si e do outro como seres sensíveis e pensantes, criadores e mantenedores de tradições, questionadores e vivenciadores de experiências variadas) gera humanismo no relacionamento. Na esfera pessoal esta felicidade pode contribuir sobremaneira para uma excelente qualidade de vida.
O conhecimento estrito da área do conhecimento que escolhemos como meio de ganhar a vida é útil e necessário, mas não basta. Essa era a mensagem que me trazia aquele excelente médico que muito me ensinou (e não só de técnica) no passado.
Dentro disso, vale refletir sobre o que vamos buscar “fora” da “nossa área”. Coloquei entre aspas a palavra fora porque sei que não há nada fora. Tudo o que aprendemos naquilo que as classificações naturalmente artificiais consideram fora da nossa área, estão, na verdade, dentro. Merecem e devem ser incluídas. Um médico (e encontro mais facilidade neste exemplo por ser essa a “minha área”) que conhece a história das religiões, particularmente do cristianismo no mundo sob esta influência religiosa, pode partilhar momentos especiais com aqueles que sofrem; gosto de descrever determinadas enfermidades com uma terminologia retirada da política ou da economia, às vezes da termodinâmica, outras da mitologia. A escolha depende do cliente e dos seus interesses. Às vezes o “sair do assunto” ajuda-nos a encontrar os trilhos da compreensão do assunto. Também coloquei entre aspas as palavras ‘nossa área’, porque não há esse negócio de uma área nossa exclusiva. O terreno humano é necessariamente não especializado e isso é um importante fator que nos distingue dos demais animais, grande parte deles tremendamente especializados. Pode até que haja necessidade de uma especialização profissional, em dado momento, em determinada situação, mas na vida (e vida inclui profissão), especialização é perda, restrição, anquilosamento, redução dos horizontes. Abusiva especialização lembra o mal de Alzheimer, onde a vida de relação se esvai em um desfiladeiro de restrições decorrentes das dificuldades neurológicas, cada vez maiores, cada vez mais amplas, até que nada mais existe a não ser um vazio de conexões. Tão amplas as restrições tão restritas as relações! Não ‘alzheimerizemos’ a vida.
Todas as pessoas do meu conhecimento que guardam em si a felicidade, ou pelo menos sua possibilidade, têm essa competência para aprender que as faz estar todo o tempo, consciente ou inconscientemente, submetendo seu modo de vida, ou suas crenças de como as coisas devem ser feitas ou são, a uma dúvida. Nem sempre têm consciência do que fazem, mas fazem. Uma reflexão é uma atividade consciente, mas ouso dizer que algumas pessoas refletem inconscientemente sobre suas vidas. Isso lhes aumenta a felicidade. Claro que existem aqueles que fazem esta reflexão em plena consciência. Mas isso não vem ao caso, o valor real para si e para os demais reside nessa postura de que o que fazemos ou acreditamos agora pode não ser absoluto. Isso não quer dizer que estas pessoas abandonem suas crenças mais básicas, ou que mudem com a moda. São como o nosso corpo, que só vive, e apenas vive, na medida em que perde para o mundo grande quantidade de elementos que o compõe, assim como permanentemente renova-se com novos elementos. Eliminamos grande quantidade de células da pele, das mucosas, substâncias químicas que eram parte de nós antes e que agora se vão pelo suor, pela urina etc. Adquirimos um mundo novo cada vez que nos alimentamos e, contudo, continuamos sendo as mesmas pessoas. Não fossem estas mudanças e estas permanências o que seria de nós?
Assim, quando me sento a lembrar do meu dia, ou de fatos do meu passado remoto, pergunto-me algumas coisas e constato outras. Aprendo no mero recordar, porque a recordação passa pelo crivo da reflexão. Escrever é um dos meios que uso para refletir. Fazer isso é garantia de felicidade? Sim e não. Agora neste momento sou pleno no meu escrever, amanhã ou mais tarde pode ser que não esteja assim, mas para o amanhã os seus cuidados como disse Jesus. Agora, nesse instante, escrevo e sou. Está bem.
Aureo Augusto.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
ARCO-ÍRIS
Desta vez não deu certo! Ocorre que quando acontece aqui no Capão de se formar um arco-íris lá pras bandas do oeste, na direção da serra do Candombá, é seguro que alguém morre. E morre mesmo. Tenho testemunhado inúmeros casos. Foi que desta vez pensei logo na lista de gente que não está bem de saúde, pessoas idosas, quem seria desta vez? Cheguei a fotografar o belíssimo meteoro, mas a despeito de toda a tradição ninguém morreu.
Será que os fenômenos sincrônicos obrigam-se a estabilidade? Ou será que esta profecia não mais se realizará? Quiçá isto signifique uma ruptura do equilíbrio das coisas aqui no Vale, ruptura esta desejável, na medida em que os tempos mudam e este mudar obriga a câmbios e desestruturação para que ocorram novos momentos.
Isso me ocorreu quando ao arco-íris não correspondeu a morte habitual.
Um abraço para vocês.
Será que os fenômenos sincrônicos obrigam-se a estabilidade? Ou será que esta profecia não mais se realizará? Quiçá isto signifique uma ruptura do equilíbrio das coisas aqui no Vale, ruptura esta desejável, na medida em que os tempos mudam e este mudar obriga a câmbios e desestruturação para que ocorram novos momentos.
Isso me ocorreu quando ao arco-íris não correspondeu a morte habitual.
Um abraço para vocês.
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
UMA ESQUIZOFRENIA BRASILEIRA
Há pouco postei um texto (v. É Ferro) onde comentava a postura de uma mulher, ou melhor, de uma comunidade de Palmeiras com relação ao atendimento médico. Disse de sua dependência às medicações e como reparei que naquela localidade as pessoas são ansiosas e tristes. Ontem (sábado, 15/8/09) fui a pizaria La Piedra aqui no Vale do Capão com um amigo pelo qual tenho muito carinho, o Dr. Ricardo, que também é médico. Enquanto saboreávamos uma deliciosa Marguerita integral, ele comentou sua estupefação diante do que encontrava em comunidades camponesas nas áreas onde atua (também trabalha em PSF). Disse que as pessoas já chegam na consulta dizendo que ali está para que o médico receite tal ou qual medicação (um cara com dor muscular exigiu uma Benzetacil) e esse ou aquele exame (“tou com uma dor aqui na cabeça e quero um raio X”). Ricardo disse que quando ele mostra para as pessoas que naquele caso não está indicado a medicação pedida, as pessoas se enervam. Ele está estarrecido com a quantidade de pessoas neuróticas no meio rural. Muitas pessoas são usuárias de medicações “tarja preta” e perderam a noção de perigo com relação ao uso de medicações. Acontece que os médicos que freqüentaram antes dele a área, obedeciam aos pacientes em um processo de inversão de atitudes impressionante. Enquanto em muitos lugares os médicos exercem autoritariamente sua autoridade, ali, na realidade por desprezo à população assistida (uma postura do tipo: quero me livrar), faziam o que esta mesma população pede. Não se deram ao trabalho de conversar, explicar, exercer o papel pedagógico que em muita medida a medicina pede. Claro que fica difícil conversar quando se tem trinta ou mais pessoas para atender, mas daí à irresponsabilidade que é abdicar seu papel de orientador das pessoas que sofrem... Comentei com Ricardo que o PSF é um programa maravilhoso, onde se exige que o médico lance mão de ações educativas, mas o mesmo governo que quer isso do médico, só leva em consideração, na hora de avaliar um posto, o número de atendimentos. Trata-se de um equívoco espantoso. Não é o número de doentes atendidos que mostram a saúde da população e sim o número de pessoas que não adoeceram.
Obviamente temos pessoas doentes e estas devem ser atendidas, porém se o sistema pede ações preventivas e educativas, estas têm que ser consideradas como ponto capital. Todos sabem que a educação é essencial para a saúde e um exemplo disso é o estudo dos pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Mário Jorge Cardoso de Mendonça e Ronaldo Seroa da Motta, apresentaram no final de 2005; um estudo onde fazem uma avaliação das melhores formas de reduzir a mortalidade infantil (uma das metas do milênio) e chegaram à conclusão que “a pesquisa mostra que a redução do analfabetismo das mulheres é a maneira mais barata de combater a mortalidade infantil”. E Márcia Fuquim de Almeida, professora de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da U. F. de São Paulo (USP) afirma: “A educação é o meio mais abrangente de combate à mortalidade infantil porque age em todas as componentes do problema”. Já sabemos disso, porque fingimos que não sabemos?
O Brasil precisa sair da postura esquizofrênica quando trata dos seus problemas: Por um lado ainda mantém o antigo paternalismo autoritarista, tratando o povo como crianças tuteladas e por outro investindo na construção de uma sociedade onde as pessoas comuns participam ativamente da governança. O nosso país joga nos dois times, como se fosse possível a um jogador de futebol atuar nas duas equipes ao mesmo tempo. Ou queremos uma sociedade adulta e responsável ou criaremos um país de dependentes, como se o governo fosse papai e mamãe. Resta saber se o SUS terá condições financeiras de suportar ser papai e mamãe.
Um abraço para todos vocês.
Em 16/8/09.
Obviamente temos pessoas doentes e estas devem ser atendidas, porém se o sistema pede ações preventivas e educativas, estas têm que ser consideradas como ponto capital. Todos sabem que a educação é essencial para a saúde e um exemplo disso é o estudo dos pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Mário Jorge Cardoso de Mendonça e Ronaldo Seroa da Motta, apresentaram no final de 2005; um estudo onde fazem uma avaliação das melhores formas de reduzir a mortalidade infantil (uma das metas do milênio) e chegaram à conclusão que “a pesquisa mostra que a redução do analfabetismo das mulheres é a maneira mais barata de combater a mortalidade infantil”. E Márcia Fuquim de Almeida, professora de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da U. F. de São Paulo (USP) afirma: “A educação é o meio mais abrangente de combate à mortalidade infantil porque age em todas as componentes do problema”. Já sabemos disso, porque fingimos que não sabemos?
O Brasil precisa sair da postura esquizofrênica quando trata dos seus problemas: Por um lado ainda mantém o antigo paternalismo autoritarista, tratando o povo como crianças tuteladas e por outro investindo na construção de uma sociedade onde as pessoas comuns participam ativamente da governança. O nosso país joga nos dois times, como se fosse possível a um jogador de futebol atuar nas duas equipes ao mesmo tempo. Ou queremos uma sociedade adulta e responsável ou criaremos um país de dependentes, como se o governo fosse papai e mamãe. Resta saber se o SUS terá condições financeiras de suportar ser papai e mamãe.
Um abraço para todos vocês.
Em 16/8/09.
domingo, 16 de agosto de 2009
É FERRO!
Sempre que mando os avisos de consultas qdo vou a Salvador, envio tb um texto de minha autoria. O último texto despertou mto interesse e alguns pediram que colocasse no blog. Aí vai:
A mulher é do campo, destas bem da roça. Atendi a sua criança e acostumado com o povo do Vale do Capão, expliquei que estava com anemia ferropriva. Claro que não usei este termo, mas disse-lhe que o ferro é fácil de encontrar nas folhas verdes e por isso receitei suco de couve, limão e melaço (este é rico em ferro e a vitamina C do limão facilita sua absorção). Não gosto de passar Sulfato Ferroso que é o comum das receitas quando as pessoas têm anemia, porque destrói a vitamina E; se uma pessoa toma um comprimido de sulfato ferroso, durante oito horas toda a vitamina E que ingerir será destruída. Além disso, o ferro é atacado pela bile e se torna uma substância oxidante, ou seja, se torna uma espécie de radical livre. Também não se deve receitar suplementos de ferro a quem tem câncer, pelo seu efeito estimulador da formação de radicais livres e porque inibe a ação dos macrófagos, células de defesa do organismo que participam da destruição dos tumores malignos. O ferro em excesso também estimula a formação de um tipo de colesterol mais capaz de entupir as artérias. Por fim, é perigoso para quem tem anemia falciforme, enfermidade hereditária relativamente comum na Bahia. Penso que esta é uma boa coleção de motivos para evitar seu uso. Entendo que o governo distribua Sulfato Ferroso para as crianças do sertão. Ocorre que estas não têm acesso razoável a couve e outras folhas verdes. Trata-se de uma medida heróica para livrar nossa população da anemia. Infelizmente a substância irrita o intestino o que dificulta a absorção futura de ferro. Creio que seria conveniente entender a distribuição de sulfato ferroso como algo provisório, investindo definitivamente na multimistura, tão divulgado pela Dra. Clara Takaki Brandão e utilizado pela Pastoral da Saúde. Ali não apenas ferro, como outros nutrientes essenciais garantem saúde com bases firmes para nossas crianças. Ademais, publicitar a alimentação rica em frutas, verduras e legumes como fonte de saúde.
Porém aquela mãe quer que a sua filha tome comprimidos. Ela perdeu completamente a fé no fato óbvio de que a alimentação é o determinante para a saúde e não a medicação. Isso é uma vitória de uma filosofia centrada na dominação e na alienação de si. De um sistema voltado para a medicalização da vida (a expressão é de I. Ilich) que resulta no aumento da dependência. É impressionante como a comunidade onde vive a referida senhora está perdida dos antigos laços, desgarrada. Vocês vão estranhar, mas existem comunidades rurais que estão mais afastadas do mundo natural do que gente que mora num edifício em uma grande cidade. Aqui em Palmeiras temos dois pequenos povoados próximos: Rio Grande e Conceição dos Gatos. O primeiro é onde vive a mulher que mencionei acima. Impressiona-me ali o desgarro que comentei há pouco. Há uma espécie de tristeza, uma melancolia ansiosa na maioria das pessoas, mesmo nas crianças. Já na Conceição dos Gatos encontro uma alegria, ali bebe-se fácil a sensação de que o mundo vale ser vivido e passam uma hospitalidade deliciosa. São tão próximos os dois lugares, e tão distantes. Por que tais diferenças? Por que uns assim enquanto outros d’outro talante? Creio que essa pergunta é prato para antropólogos... No entanto, tanto quanto tenha eu que ir tratar esta gente do Rio Grande, vou satisfazer-lhes em muito o desejo de medicações, não tenho outra saída, já que os atendo dentro de um posto de saúde pública. Noto que nos tempos de hoje, as pessoas não querem mais esperar que seus corpos ajam. Confundem direitos político-sociais com o domínio absoluto e tirânico sobre o mundo físico. É uma coisa sutil: Pensa-se que as conquistas sócio-políticas têm a ver com estar acima das injunções bioquímicas e, mesmo, ambientais. Os pobres e dentre eles os camponeses, perderam muito da antiga resignação, o que em muita medida é positivo, no entanto, neste processo podem ter jogado fora a constatação de que existem coisas desagradáveis que são parte da vida. Adoecer, passar por dissabores, decepções, perdas, são parte da vida. Não dá para (e não é desejável) viver sempre em um mar de rosas. A dor é parte da vida e para sermos livres, felizes ou alegres não devemos negar a dor e sim encara-la e supera-la (o que não significa que um analgésico oportunamente indicado seja uma inutilidade). Quando estamos perdidos de nós mesmos, mas do que o encontro, buscamos soluções rápidas para nossas agruras e responsabilidades. As medicações são muletas fáceis. Porém o uso abusivo, além de corromper o corpo, dificulta a cura. E não apenas a cura física, mas também a emocional, e impede o estabelecimento de uma filosofia, no sentido de busca de sabedoria. Dopa a mente. Sob o disfarce da liberdade, escraviza-nos abjetamente enquanto sustentamos com nosso trabalho e esforço um sistema injusto, desequilibrado e irresponsável.
Quanto a esta gente, aguardarei de tocaia para estar pronto no dia em que descubram que eles também são como todos os demais seres humanos, ou seja, capazes da autonomia. Somos dependentes, sim, mas da natureza. Esta que é mais do que algo lá e sim dentro aqui. Somos dependentes da Natureza porque somos a Natureza. Direi isso todos os dias a eles, será o contraponto da receita medicamentosa.
Em 14/8/09, Aureo Augusto.
A mulher é do campo, destas bem da roça. Atendi a sua criança e acostumado com o povo do Vale do Capão, expliquei que estava com anemia ferropriva. Claro que não usei este termo, mas disse-lhe que o ferro é fácil de encontrar nas folhas verdes e por isso receitei suco de couve, limão e melaço (este é rico em ferro e a vitamina C do limão facilita sua absorção). Não gosto de passar Sulfato Ferroso que é o comum das receitas quando as pessoas têm anemia, porque destrói a vitamina E; se uma pessoa toma um comprimido de sulfato ferroso, durante oito horas toda a vitamina E que ingerir será destruída. Além disso, o ferro é atacado pela bile e se torna uma substância oxidante, ou seja, se torna uma espécie de radical livre. Também não se deve receitar suplementos de ferro a quem tem câncer, pelo seu efeito estimulador da formação de radicais livres e porque inibe a ação dos macrófagos, células de defesa do organismo que participam da destruição dos tumores malignos. O ferro em excesso também estimula a formação de um tipo de colesterol mais capaz de entupir as artérias. Por fim, é perigoso para quem tem anemia falciforme, enfermidade hereditária relativamente comum na Bahia. Penso que esta é uma boa coleção de motivos para evitar seu uso. Entendo que o governo distribua Sulfato Ferroso para as crianças do sertão. Ocorre que estas não têm acesso razoável a couve e outras folhas verdes. Trata-se de uma medida heróica para livrar nossa população da anemia. Infelizmente a substância irrita o intestino o que dificulta a absorção futura de ferro. Creio que seria conveniente entender a distribuição de sulfato ferroso como algo provisório, investindo definitivamente na multimistura, tão divulgado pela Dra. Clara Takaki Brandão e utilizado pela Pastoral da Saúde. Ali não apenas ferro, como outros nutrientes essenciais garantem saúde com bases firmes para nossas crianças. Ademais, publicitar a alimentação rica em frutas, verduras e legumes como fonte de saúde.
Porém aquela mãe quer que a sua filha tome comprimidos. Ela perdeu completamente a fé no fato óbvio de que a alimentação é o determinante para a saúde e não a medicação. Isso é uma vitória de uma filosofia centrada na dominação e na alienação de si. De um sistema voltado para a medicalização da vida (a expressão é de I. Ilich) que resulta no aumento da dependência. É impressionante como a comunidade onde vive a referida senhora está perdida dos antigos laços, desgarrada. Vocês vão estranhar, mas existem comunidades rurais que estão mais afastadas do mundo natural do que gente que mora num edifício em uma grande cidade. Aqui em Palmeiras temos dois pequenos povoados próximos: Rio Grande e Conceição dos Gatos. O primeiro é onde vive a mulher que mencionei acima. Impressiona-me ali o desgarro que comentei há pouco. Há uma espécie de tristeza, uma melancolia ansiosa na maioria das pessoas, mesmo nas crianças. Já na Conceição dos Gatos encontro uma alegria, ali bebe-se fácil a sensação de que o mundo vale ser vivido e passam uma hospitalidade deliciosa. São tão próximos os dois lugares, e tão distantes. Por que tais diferenças? Por que uns assim enquanto outros d’outro talante? Creio que essa pergunta é prato para antropólogos... No entanto, tanto quanto tenha eu que ir tratar esta gente do Rio Grande, vou satisfazer-lhes em muito o desejo de medicações, não tenho outra saída, já que os atendo dentro de um posto de saúde pública. Noto que nos tempos de hoje, as pessoas não querem mais esperar que seus corpos ajam. Confundem direitos político-sociais com o domínio absoluto e tirânico sobre o mundo físico. É uma coisa sutil: Pensa-se que as conquistas sócio-políticas têm a ver com estar acima das injunções bioquímicas e, mesmo, ambientais. Os pobres e dentre eles os camponeses, perderam muito da antiga resignação, o que em muita medida é positivo, no entanto, neste processo podem ter jogado fora a constatação de que existem coisas desagradáveis que são parte da vida. Adoecer, passar por dissabores, decepções, perdas, são parte da vida. Não dá para (e não é desejável) viver sempre em um mar de rosas. A dor é parte da vida e para sermos livres, felizes ou alegres não devemos negar a dor e sim encara-la e supera-la (o que não significa que um analgésico oportunamente indicado seja uma inutilidade). Quando estamos perdidos de nós mesmos, mas do que o encontro, buscamos soluções rápidas para nossas agruras e responsabilidades. As medicações são muletas fáceis. Porém o uso abusivo, além de corromper o corpo, dificulta a cura. E não apenas a cura física, mas também a emocional, e impede o estabelecimento de uma filosofia, no sentido de busca de sabedoria. Dopa a mente. Sob o disfarce da liberdade, escraviza-nos abjetamente enquanto sustentamos com nosso trabalho e esforço um sistema injusto, desequilibrado e irresponsável.
Quanto a esta gente, aguardarei de tocaia para estar pronto no dia em que descubram que eles também são como todos os demais seres humanos, ou seja, capazes da autonomia. Somos dependentes, sim, mas da natureza. Esta que é mais do que algo lá e sim dentro aqui. Somos dependentes da Natureza porque somos a Natureza. Direi isso todos os dias a eles, será o contraponto da receita medicamentosa.
Em 14/8/09, Aureo Augusto.
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 7
A MENOPAUSA DESEJADA
Há algum tempo estava viajando de carona com um amigo e sua mãe. A senhora, sumamente simpática, dizia que o seu maior desejo na vida era ter e criar filhos, para ela não era importante ter marido e sim ter filhos e que, apesar do seu casamento ter acabado, ficou com os filhos e os criou alegremente. Sentia-se realizada. Curioso, perguntei-lhe como havia sido sua menopausa. Contou que para ela a menopausa fora apenas a suspensão das regras sem nenhuma outra intercorrência. Lembrei-me então de uma outra mulher, cujo propósito na vida não fora ter filhos, mas que, tendo tido uma filha apenas, encontrara realização em suas atividades intelectuais. Chamava-a Bete, casada com Luís Guimarães, com ele formando um casal delicioso que, apesar de idosos quando os conheci, estavam sempre cercados de jovens, pois eram adoráveis, interessantes, instigantes... Tampouco Bete teve sintomas da menopausa.
As mulheres queixam-se com freqüência de fogachos, ressecamentos vaginais e enfraquecimento da pele entre outras coisas quando chega o climatério. Porém nem todas as mulheres do mundo têm estas queixas. Aliás, fora do mundo civilizado estas coisas não são norma e, às vezes não são freqüentes.
Em nossa sociedade, até recentemente o único propósito da infinita maioria das mulheres era casar, ter filhos e cria-los. Quando vinha a menopausa, os filhos já criados, ficava uma sensação de que nada mais havia a fazer. Minha mãe um dia me disse que na criança dos filhos muitas vezes a mãe dá a mais do que devia. Explicou-me que até uma certa medida é útil, acima dela é demais e como tal in-necessário. Ela me disse que tinha a sensação de que se privou de outras coisas (como, por exemplo, de seu desejo de estudar psicologia) quando deu a mais do que era realmente necessário. Esta conversa ocorreu quando já era uma senhora com os cabelos canosos e foi fruto de uma reflexão demorada, pela qual sou agradecido, pois muito me elucidou quanto a certos aspectos da parternidade/maternidade. Mas, que fazer quando não se fez em tempo hábil?
Na vida nós os seres humanos carecemos de propósito, como muito bem assinala Victor Frankl. Mas quando uma mulher chega na menopausa ela alcançou o seu propósito, pois sua vida fértil chegou ao fim, e regra geral os filhos estão criados e donos de sua vida (aliás, é pior quando isso não aconteceu). Uma vez que alcançou seu propósito (ou uma vez que descobriu que não conseguiu alcançar seu propósito porque os filhos não se educaram e o casamento fracassou), a mulher fará o que? Sofrerá sintomas da menopausa. Lou Marinof (in “Mais Platão e Menos Prozac”) comenta que alguém disse que o ser humano foi feito para ter vários propósitos um de cada vez. Muitas mulheres em nossa sociedade têm emprego fora do lar e isso tem sido bom, e..., ruim, em alguns casos. Infelizmente nem sempre nos realizamos no emprego. Às vezes ali é apenas um lugar onde ganhamos o sustento. Tantas mulheres carregam fardo dobrado ou triplicado, atuando como “rainha do lar”, ademais de suas atividades profissionais, as vezes maçantes. E, após uma vida de labuta, nem sempre olha com alegria o fruto de suas fadigas, podendo incluso ver que filhos e esposo não reconhecem seus esforços.
Lutar pelo propósito de criar os filhos pode ser muito significante (como no caso da primeira senhora acima citada), mas pode não ter tanto significado e labutar sem sentido não é agradável. Não importa o trabalho escolhido, emprestar-lhe um significado, coisa que só se pode fazer através (também) a inserção de uma carga emocional, é torna-lo vivo. E, aquelas que conseguiram isso, ficaram felizes e tendem a ter uma menopausa sem queixas. Então assumem alegremente o fato de que a mulher menopausada extrapola sua função social – relacionada à fecundidade, à criação e ao domínio conjugal. Agora, ela é algo assim como uma grande mãe, um exemplo de vida para toda a humanidade. Em certa medida, passa a ser a mãe de toda a sociedade humana. Simbolicamente, sua imagem se confunde com aquela da avó sábia. Principalmente quando ela sabe encarar as mudanças tecnológicas e sociais dos últimos tempos, mas mantendo seu domínio histórico, ela carregará a tocha civilizatória. Sim, ela – em par com seu companheiro, o avô – será a responsável por contar as histórias, cotejar as velhas verdades com as novas conquistas humanas, ajudar-nos a discernir aquilo que não mais é útil daquilo que permanece incólume à passagem do tempo.
Longe de mim olvidar os aspectos fisioquímicos da menopausa. Aqui ressalto algo de seu caráter psicossomático que, sem dúvida é um dos aspectos da essencialidade humana.
recebam um abração
Há algum tempo estava viajando de carona com um amigo e sua mãe. A senhora, sumamente simpática, dizia que o seu maior desejo na vida era ter e criar filhos, para ela não era importante ter marido e sim ter filhos e que, apesar do seu casamento ter acabado, ficou com os filhos e os criou alegremente. Sentia-se realizada. Curioso, perguntei-lhe como havia sido sua menopausa. Contou que para ela a menopausa fora apenas a suspensão das regras sem nenhuma outra intercorrência. Lembrei-me então de uma outra mulher, cujo propósito na vida não fora ter filhos, mas que, tendo tido uma filha apenas, encontrara realização em suas atividades intelectuais. Chamava-a Bete, casada com Luís Guimarães, com ele formando um casal delicioso que, apesar de idosos quando os conheci, estavam sempre cercados de jovens, pois eram adoráveis, interessantes, instigantes... Tampouco Bete teve sintomas da menopausa.
As mulheres queixam-se com freqüência de fogachos, ressecamentos vaginais e enfraquecimento da pele entre outras coisas quando chega o climatério. Porém nem todas as mulheres do mundo têm estas queixas. Aliás, fora do mundo civilizado estas coisas não são norma e, às vezes não são freqüentes.
Em nossa sociedade, até recentemente o único propósito da infinita maioria das mulheres era casar, ter filhos e cria-los. Quando vinha a menopausa, os filhos já criados, ficava uma sensação de que nada mais havia a fazer. Minha mãe um dia me disse que na criança dos filhos muitas vezes a mãe dá a mais do que devia. Explicou-me que até uma certa medida é útil, acima dela é demais e como tal in-necessário. Ela me disse que tinha a sensação de que se privou de outras coisas (como, por exemplo, de seu desejo de estudar psicologia) quando deu a mais do que era realmente necessário. Esta conversa ocorreu quando já era uma senhora com os cabelos canosos e foi fruto de uma reflexão demorada, pela qual sou agradecido, pois muito me elucidou quanto a certos aspectos da parternidade/maternidade. Mas, que fazer quando não se fez em tempo hábil?
Na vida nós os seres humanos carecemos de propósito, como muito bem assinala Victor Frankl. Mas quando uma mulher chega na menopausa ela alcançou o seu propósito, pois sua vida fértil chegou ao fim, e regra geral os filhos estão criados e donos de sua vida (aliás, é pior quando isso não aconteceu). Uma vez que alcançou seu propósito (ou uma vez que descobriu que não conseguiu alcançar seu propósito porque os filhos não se educaram e o casamento fracassou), a mulher fará o que? Sofrerá sintomas da menopausa. Lou Marinof (in “Mais Platão e Menos Prozac”) comenta que alguém disse que o ser humano foi feito para ter vários propósitos um de cada vez. Muitas mulheres em nossa sociedade têm emprego fora do lar e isso tem sido bom, e..., ruim, em alguns casos. Infelizmente nem sempre nos realizamos no emprego. Às vezes ali é apenas um lugar onde ganhamos o sustento. Tantas mulheres carregam fardo dobrado ou triplicado, atuando como “rainha do lar”, ademais de suas atividades profissionais, as vezes maçantes. E, após uma vida de labuta, nem sempre olha com alegria o fruto de suas fadigas, podendo incluso ver que filhos e esposo não reconhecem seus esforços.
Lutar pelo propósito de criar os filhos pode ser muito significante (como no caso da primeira senhora acima citada), mas pode não ter tanto significado e labutar sem sentido não é agradável. Não importa o trabalho escolhido, emprestar-lhe um significado, coisa que só se pode fazer através (também) a inserção de uma carga emocional, é torna-lo vivo. E, aquelas que conseguiram isso, ficaram felizes e tendem a ter uma menopausa sem queixas. Então assumem alegremente o fato de que a mulher menopausada extrapola sua função social – relacionada à fecundidade, à criação e ao domínio conjugal. Agora, ela é algo assim como uma grande mãe, um exemplo de vida para toda a humanidade. Em certa medida, passa a ser a mãe de toda a sociedade humana. Simbolicamente, sua imagem se confunde com aquela da avó sábia. Principalmente quando ela sabe encarar as mudanças tecnológicas e sociais dos últimos tempos, mas mantendo seu domínio histórico, ela carregará a tocha civilizatória. Sim, ela – em par com seu companheiro, o avô – será a responsável por contar as histórias, cotejar as velhas verdades com as novas conquistas humanas, ajudar-nos a discernir aquilo que não mais é útil daquilo que permanece incólume à passagem do tempo.
Longe de mim olvidar os aspectos fisioquímicos da menopausa. Aqui ressalto algo de seu caráter psicossomático que, sem dúvida é um dos aspectos da essencialidade humana.
recebam um abração
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
LAPA, O RETORNO
Escutei fogos espocando no Vale. As montanhas ecoavam e o som se reproduzia cada vez mais baixo, de uma parede para outra, da Serra da Larguinha para a Serra do Candombá, saindo da Rua indo pra Serra da Moitinha. Mas antes que morresse o barulho outros mais e mais outros e muito mais. No início lembrei que podia ser mulher parindo, hábito velho por aqui: Uma vez nascida a criança, fogos estouram. Mas, primeiro, não tinha ninguém esperando para agora, e em segundo lugar, muito barulho pra um parto. Guardei pra perguntar.
Foi só no dia seguinte que me disseram que chegou o povo da Lapa. Todos os anos vai muita gente em romaria para aquele santuário. E cada ano mais. Não mais como antigamente quando se ia a pé e não era pouca a demora; hoje o povo vai de ônibus. É bom saber que a gente daqui agora tem condições de ir em melhor situação. E como gostam! Afora a devoção, tem a alegria de sair do cotidiano, correr o mundo, passear, faltar com as responsabilidades, que são muitas, que são, em alguns casos, opressivas. Como têm a desculpa da fé, muitas senhoras (e, claro, senhores também), conseguem ausentar-se de seus lares e têm o refresco deste longo passeio, repleto de prêmios em conversas divertidas, chistes típicos das viagens em grupo, comilança, cores e paisagens diferentes que preenchem os olhos, além das possíveis indulgências. Gosto de ver esta alegria. E depois é a contação de tudo o que aconteceu nos detalhes mais mínimos: Porque este passou mal em tal dia e aquele caiu da cadeira de tanto comer, e o passeio do outro lado do rio com tanto peixe? Não dá pra esquecer que tem muito ladrão e quatro velhinhas foram roubadas no meio da missa, sorte tiveram que os policiais viram, mas também não ouviram a recomendação de não andar com bolsas... Muitas histórias que preencherão as cozinhas e as salas de jantar até a próxima romaria.
A vida não foi brincadeira para a maior parte desta gente. Hoje jovens se estão incluindo nesta aventura e isso me agrada. Deve ser porque a par da religião a farra é grande, mas enfim, que bom vê-los partilhando com pais e avós. Oxalá fossem em maior número. Gostaria que os jovens do Vale do Capão tivessem a oportunidade de conhecer a vida que seus progenitores levaram. Nosso país não é muito bom para salvar a história. Muito se esquece. Pena. Muito se aprende quando a memória não é demasiadamente curta. Quero que convivam os velhos e os jovens e quero que se contem uns aos outros suas histórias (que, justiça seja feita, os rostos juvenis também têm o que dizer). Tenho tido a sorte de ser escutado pela juventude e conto com amigos cuja idade é um terço da minha. Embora meus filhos, nos momentos de brincadeira, digam que sou do tempo da televisão a vapor, parece que as histórias do tempo do vapor eram bem interessantes!
O legal é que o mundo gira, mas os problemas morais continuam, em essência, os mesmos.
Inté outro dia.
Foi só no dia seguinte que me disseram que chegou o povo da Lapa. Todos os anos vai muita gente em romaria para aquele santuário. E cada ano mais. Não mais como antigamente quando se ia a pé e não era pouca a demora; hoje o povo vai de ônibus. É bom saber que a gente daqui agora tem condições de ir em melhor situação. E como gostam! Afora a devoção, tem a alegria de sair do cotidiano, correr o mundo, passear, faltar com as responsabilidades, que são muitas, que são, em alguns casos, opressivas. Como têm a desculpa da fé, muitas senhoras (e, claro, senhores também), conseguem ausentar-se de seus lares e têm o refresco deste longo passeio, repleto de prêmios em conversas divertidas, chistes típicos das viagens em grupo, comilança, cores e paisagens diferentes que preenchem os olhos, além das possíveis indulgências. Gosto de ver esta alegria. E depois é a contação de tudo o que aconteceu nos detalhes mais mínimos: Porque este passou mal em tal dia e aquele caiu da cadeira de tanto comer, e o passeio do outro lado do rio com tanto peixe? Não dá pra esquecer que tem muito ladrão e quatro velhinhas foram roubadas no meio da missa, sorte tiveram que os policiais viram, mas também não ouviram a recomendação de não andar com bolsas... Muitas histórias que preencherão as cozinhas e as salas de jantar até a próxima romaria.
A vida não foi brincadeira para a maior parte desta gente. Hoje jovens se estão incluindo nesta aventura e isso me agrada. Deve ser porque a par da religião a farra é grande, mas enfim, que bom vê-los partilhando com pais e avós. Oxalá fossem em maior número. Gostaria que os jovens do Vale do Capão tivessem a oportunidade de conhecer a vida que seus progenitores levaram. Nosso país não é muito bom para salvar a história. Muito se esquece. Pena. Muito se aprende quando a memória não é demasiadamente curta. Quero que convivam os velhos e os jovens e quero que se contem uns aos outros suas histórias (que, justiça seja feita, os rostos juvenis também têm o que dizer). Tenho tido a sorte de ser escutado pela juventude e conto com amigos cuja idade é um terço da minha. Embora meus filhos, nos momentos de brincadeira, digam que sou do tempo da televisão a vapor, parece que as histórias do tempo do vapor eram bem interessantes!
O legal é que o mundo gira, mas os problemas morais continuam, em essência, os mesmos.
Inté outro dia.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 7
CAPINANDO CÁLCIO
D. Francisca gosta de cuidar da roça e se aborrece com sua filha porque esta tenta impedi-la de trabalhar na horta alegando sua idade avançada. A filha não percebeu que a senhora, apesar da idade está muito bem. As pessoas idosas muitas vezes são tratadas como se fossem bem mais frágeis do que em realidade são. Mas agora não quero ‘conversar’ sobre isso, deixo para um outro momento. Hoje quero assinalar que aquela senhora está bem porque em toda a sua vida não deixou de fazer exercício.
O Vale do Capão, onde resido, é um lugar impressionantemente belo. Porém a vida das pessoas aqui, no passado, não era tão bela assim. Quando aqui cheguei notei que havia pobreza e mesmo miséria, apesar da aparente fertilidade do lugar. Beleza e fertilidade não necessariamente caminham juntas. O deserto de Atacama, nos Andes, é tão belo quanto um jardim zen, e, também o lugar mais árido da Terra. Este vale do Capão não tem nada de deserto, mas nem tudo que aqui medrava era agradável, como qualquer lugar do mundo, diga-se. Mas, é claro, o contraste sempre torna as coisas mais evidentes, daí beleza e pobreza evidenciavam-se mutuamente. Como as pessoas não dispunham de condições financeiras para uma vida confortável, como havia muita chuva, muito frio, o povo não tinha outra saída senão andar, trabalhar muito em muitos serviços pesados e a alimentação era frugal (porque não havia outro jeito) embora não ideal. Claro que as condições de vida cobravam seu preço e a mortalidade infantil era muito alta, assim como havia razão de sobra para afirmar o ditado de que “a mulher quando engravidava estava com um pé na cova”. Mas, como comentava, estas mesmas condições, obrigando as pessoas a muita atividade física lhes melhorava a circulação, o tônus, fortalecia o sistema imunológico e (de interesse especial para as mulheres), aumentava a resistência óssea, reduzindo a possibilidade de osteoporose.
As principais células dos nossos ossos são os osteoblastos (construtores de ossos) e os osteoclastos (destruidores de ossos). O esqueleto, apesar de sua aparência estática está permanentemente em transformação, pois os osteoclastos vão destruindo-o pouco a pouco, sem, contudo acontecer de ele ser corroído totalmente, porque os osteoblastos os vão seguindo e reconstruindo aquilo que foi destruído. Enquanto estamos crescendo há uma predominância de osteoblastos; já na maturidade os osteoclastos predominam, e os ossos enfraquecem. Acontece que todas as vezes que os músculos se contraem, e tanto o fazem com mais força mais isso é efetivo, eles pressionam os ossos com os quais se relacionam, e tal pressão estimula o osteoblasto a trabalhar mais e mais, construindo e calcificando o osso. Por isso nos lugares onde as mulheres têm uma vida mais ativa, cheia de atividades há menos possibilidade de osteoporose.
Mas, e as mulheres do Vale do Capão? Antigamente o trabalho árduo, na roça (capinando, roçando, catando e batendo o café), na cozinha (catar e rachar lenha não é um trabalho suave), no lavar louça e roupa na beira do rio, nas longas caminhadas até Palmeiras para a feira (seis horas de ida e outra tanto na volta) contribuía para a calcificação, mas agora, raramente alguém vai a pé para a feira, cada vez mais temos fogões a gás, as máquinas de lavar pululam... Longe de mim propor uma volta ao idílico passado que só é interessante, romântico, belo para quem não o viveu. Porém se não tomarmos cuidado sofreremos. O ser humano foi elaborado levando-se em consideração o fato de que teria que caminhar muito, subir, trepar, abaixar, levantar-se, descer, exercitar-se enfim. Os confortos nos facilitam o ócio e este pode nos ajudar a criar novos mundos, mas também pode atolar-nos em um estado onde percamos consistência, literalmente, perdendo cálcio. E o pior é que com as facilidades modernas alimentos como açúcar e outros produtos refinados, inimigos do cálcio tornaram-se facilmente disponíveis; D. Francisca só recentemente conheceu refrigerantes (e gostou), já os jovens estão saturados deles e o ácido fosfórico aí presente trará conseqüências no futuro, e não serão boas. Aqui neste micro-mundo que é o Capão, teremos contato com o lado negativo do progresso, mas aí, no mundo imenso onde a maioria dos leitores está, já temos exemplos claros de alguns desastres provocados pelo excesso de conforto. Urge mudar.
Daqui, desta manhã fria lhes mando um grande abraço.
D. Francisca gosta de cuidar da roça e se aborrece com sua filha porque esta tenta impedi-la de trabalhar na horta alegando sua idade avançada. A filha não percebeu que a senhora, apesar da idade está muito bem. As pessoas idosas muitas vezes são tratadas como se fossem bem mais frágeis do que em realidade são. Mas agora não quero ‘conversar’ sobre isso, deixo para um outro momento. Hoje quero assinalar que aquela senhora está bem porque em toda a sua vida não deixou de fazer exercício.
O Vale do Capão, onde resido, é um lugar impressionantemente belo. Porém a vida das pessoas aqui, no passado, não era tão bela assim. Quando aqui cheguei notei que havia pobreza e mesmo miséria, apesar da aparente fertilidade do lugar. Beleza e fertilidade não necessariamente caminham juntas. O deserto de Atacama, nos Andes, é tão belo quanto um jardim zen, e, também o lugar mais árido da Terra. Este vale do Capão não tem nada de deserto, mas nem tudo que aqui medrava era agradável, como qualquer lugar do mundo, diga-se. Mas, é claro, o contraste sempre torna as coisas mais evidentes, daí beleza e pobreza evidenciavam-se mutuamente. Como as pessoas não dispunham de condições financeiras para uma vida confortável, como havia muita chuva, muito frio, o povo não tinha outra saída senão andar, trabalhar muito em muitos serviços pesados e a alimentação era frugal (porque não havia outro jeito) embora não ideal. Claro que as condições de vida cobravam seu preço e a mortalidade infantil era muito alta, assim como havia razão de sobra para afirmar o ditado de que “a mulher quando engravidava estava com um pé na cova”. Mas, como comentava, estas mesmas condições, obrigando as pessoas a muita atividade física lhes melhorava a circulação, o tônus, fortalecia o sistema imunológico e (de interesse especial para as mulheres), aumentava a resistência óssea, reduzindo a possibilidade de osteoporose.
As principais células dos nossos ossos são os osteoblastos (construtores de ossos) e os osteoclastos (destruidores de ossos). O esqueleto, apesar de sua aparência estática está permanentemente em transformação, pois os osteoclastos vão destruindo-o pouco a pouco, sem, contudo acontecer de ele ser corroído totalmente, porque os osteoblastos os vão seguindo e reconstruindo aquilo que foi destruído. Enquanto estamos crescendo há uma predominância de osteoblastos; já na maturidade os osteoclastos predominam, e os ossos enfraquecem. Acontece que todas as vezes que os músculos se contraem, e tanto o fazem com mais força mais isso é efetivo, eles pressionam os ossos com os quais se relacionam, e tal pressão estimula o osteoblasto a trabalhar mais e mais, construindo e calcificando o osso. Por isso nos lugares onde as mulheres têm uma vida mais ativa, cheia de atividades há menos possibilidade de osteoporose.
Mas, e as mulheres do Vale do Capão? Antigamente o trabalho árduo, na roça (capinando, roçando, catando e batendo o café), na cozinha (catar e rachar lenha não é um trabalho suave), no lavar louça e roupa na beira do rio, nas longas caminhadas até Palmeiras para a feira (seis horas de ida e outra tanto na volta) contribuía para a calcificação, mas agora, raramente alguém vai a pé para a feira, cada vez mais temos fogões a gás, as máquinas de lavar pululam... Longe de mim propor uma volta ao idílico passado que só é interessante, romântico, belo para quem não o viveu. Porém se não tomarmos cuidado sofreremos. O ser humano foi elaborado levando-se em consideração o fato de que teria que caminhar muito, subir, trepar, abaixar, levantar-se, descer, exercitar-se enfim. Os confortos nos facilitam o ócio e este pode nos ajudar a criar novos mundos, mas também pode atolar-nos em um estado onde percamos consistência, literalmente, perdendo cálcio. E o pior é que com as facilidades modernas alimentos como açúcar e outros produtos refinados, inimigos do cálcio tornaram-se facilmente disponíveis; D. Francisca só recentemente conheceu refrigerantes (e gostou), já os jovens estão saturados deles e o ácido fosfórico aí presente trará conseqüências no futuro, e não serão boas. Aqui neste micro-mundo que é o Capão, teremos contato com o lado negativo do progresso, mas aí, no mundo imenso onde a maioria dos leitores está, já temos exemplos claros de alguns desastres provocados pelo excesso de conforto. Urge mudar.
Daqui, desta manhã fria lhes mando um grande abraço.
terça-feira, 4 de agosto de 2009
OVOS DE PRESENTE
Dizia outro dia que nem sempre as pessoas entendem porque gosto tanto do povo daqui. Devo dizer que este gostar foi imediato a minha chegada. O lugar e sua gente tocaram o meu coração logo que meus sentidos foram impressionados pelo lugar. Ademais a amizade se foi fortalecendo com as dificuldades. Naqueles tempos o Vale do Capão não despertava o interesse como hoje. Aqui as dificuldades eram inacreditáveis. Chovia espantosamente, não tínhamos água encanada, luz elétrica, a prefeitura de Palmeiras era distante, muito distante. Tantas vezes tive que costurar pessoas usando lanternas ou fifós. Contávamos uns com os outros e isto fortalecia os laços. Mas também contou a bondade e a hospitalidade do povo. E hoje, continua sendo assim, tanto é que vocês não têm idéia da quantidade de ovos que ganhei. O povo sabe que não como nenhum tipo de carne, mas consumo ovos de galinhas de quintal. Isso não significa que coma ovos todos os dias ou que seja particularmente apaixonado por este produto (delicioso) até porque sei que um ovo contém 213mg de colesterol o que é muito. A ingestão diária de colesterol não deve passar 300mg. Se considerarmos que para 70% das pessoas o colesterol alimentar não causa grande impacto e estas podem comer um ovo por dia (se nas refeições não utiliza outras fontes ricas em colesterol) eu poderia me esbaldar. Porém 30% da população é mais sensível, e deve ser mais cautelosa (será que estou entre elas?). A realidade é que, embora o colesterol seja muito útil ao organismo, não devemos brincar com o seu excesso. Creio que todo mundo sabe disso. Talvez hoje em dia só come muitos ovos de uma vez as pessoas que querem não ver ou que não querem ver os riscos! Age do mesmo modo quem come gorduras saturadas demais, quem não lê os rótulos dos produtos que consome pra ver se ali tem os termos: gordura saturada, gordura vegetal hidrogenada e gordura trans que não são coisa boa. Devemos correr destas coisas, muito mais do que dos ovos, que tem seus defeitos, mas suas qualidades, como proteínas de alto valor biológico e vitamina B12, entre outras coisas. Ainda mais quando os vizinhos trazem-nos embalados de carinho e esperam no recipiente de seus olhos o sorriso grato. Eles olham para mim e esperam ver em mim a criança que sou quando recebe um presente. E não falho. Rio de alegria e faço escândalo atraindo a atenção de quem passa, pois meu coração fica alegre, com o presente e seu valor, mas mais ainda com aquilo que poderia chamar de valor agregado se fosse um economista. Aqui o valor agregado é o amor. Vocês precisam ver o carinho de Jaci e sua alegria quando me entrega o regalo, Vina também, ou Gilsinho – embora este goste de me dar mais bananas (e aproveita para me chamar carinhosamente de macaco) – ou Dinha, Ditinha. Pérolas, jóias preciosas, luz clara, diamantes escondidos nas serras... É isso. Quando as almas se encontram: Estrelas e luz.
Desculpem, deixei-me levar pelo olhar dessa gente e quase esqueço de dizer que convém levar em consideração que havendo ruptura da gema ocorre oxidação (que é a combinação com o oxigênio) do LDL colesterol ali presente o qual se torna mais nocivo. Quando preparamos ovo cozido devemos cuidar para que não fique por tempo demais no fogo, pois o calor por muito tempo também desnatura o colesterol. Assim devemos preferir ovo cozido ao ovo frito (aqui a temperatura é muito maior do que no cozimento em água) e, no cozimento, não exceder o tempo. Também registro que o colesterol no ovo é encontrado apenas na gema. A clara não contém esta substância. Agora, tenho um problema (e, por favor, não digam ao povo do Capão): o que vou fazer com tantos ovos?
Recebam o meu abraço, Aureo Augusto.
Desculpem, deixei-me levar pelo olhar dessa gente e quase esqueço de dizer que convém levar em consideração que havendo ruptura da gema ocorre oxidação (que é a combinação com o oxigênio) do LDL colesterol ali presente o qual se torna mais nocivo. Quando preparamos ovo cozido devemos cuidar para que não fique por tempo demais no fogo, pois o calor por muito tempo também desnatura o colesterol. Assim devemos preferir ovo cozido ao ovo frito (aqui a temperatura é muito maior do que no cozimento em água) e, no cozimento, não exceder o tempo. Também registro que o colesterol no ovo é encontrado apenas na gema. A clara não contém esta substância. Agora, tenho um problema (e, por favor, não digam ao povo do Capão): o que vou fazer com tantos ovos?
Recebam o meu abraço, Aureo Augusto.
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