Acompanhei uma parte do processo eleitoral lá em Portugal e isso foi uma boa experiência porque pude ver com um certo distanciamento as coisas do Brasil, além, é claro, de ver de perto a maneira como eles nos vêem.
A candidatura de um palhaço e algumas das propagandas eleitorais veiculadas por lá causaram reações bem negativas. Os portugueses com os quais tive a oportunidade de conversar sobre isso ficaram chocados com algumas manifestações que mais eram deboche do que política. Para eles, bem mais conservadores (ou mais sérios) do que nós, determinadas coisas não combinam com política. Mas as candidaturas aos governos estaduais e às legislaturas estaduais ou federais eram coisas de menor importância para a população e para os analistas na mídia em Portugal. O grande interesse correu por conta da disputa pela presidência. E, naturalmente, Dilma e, em menor escala, Serra, foram os nomes mais comentados. Tanto na mídia como nas conversas o nome de Marina foi pouco mencionado. Quando isso acontecia era sempre em termos elogiosos, porém considerava-se que sua candidatura resultaria em pouco peso na disputa. A surpresa que ocorreu aqui, saibam, foi menor do a que aconteceu por lá. Ninguém esperava que Marina alcançasse praticamente 20% dos votos. A mídia e a população tinham toda a certeza de que a candidata da situação ia levar de roldão os adversários conquistando a presidência no primeiro turno, sem contemplação. Para a população portuguesa Lula é um mito. A maior parte das pessoas que encontrei elogiou sua forma de governar e grande número de pessoas (assim me pareceu) tem uma visão bem histórica do processo atual tão positivo (e mesmo invejável) da nossa economia. Reconhecem que esta pujança econômica não é tão estável como poderia parecer aos incautos, mas encontram que a partir do estabelecimento do plano real, ainda no governo Itamar Franco, sob a batuta de FHC, o Brasil encetou um caminho de qualidade que até aquele momento desconhecia. Vêem, e nisso concordo com eles, que Lula teve bom senso em não dar ouvidos à extrema esquerda, mantendo uma orientação econômica herdada do governo anterior, porém (para os analistas portugueses) com uma conduta que sugere maior participação popular. Um articulista (que lamentavelmente olvidei o nome) de um jornal da cidade do Porto considerou que este foi o maior mérito de Lula, e que este teve grande competência em assumir como seus programas de governos anteriores, o que, a meu ver, corresponde à verdade. Independentemente destes comentários, destas considerações e constatações, a mídia portuguesa me pareceu considerar Lula como um político capaz, carismático, competente até, na condução de nossa nação e acrescentam invariavelmente que Dilma é uma criação (assim se referem) dele. Havia um consenso tanto na mídia quanto entre as pessoas que a candidata situacionista seria eleita no primeiro turno, por obra e graça do todo poderoso Lula. Confesso que incomodou-me um pouco a forma com que os experts referiam-se a Dilma. Era comum tratá-la como se fosse uma marionete, e nós aqui no Brasil sabemos que não é bem assim. Dilma tem uma história e concordando ou não com suas maneiras (eu, particularmente, não sinto nenhum agrado pelo seu novo sorriso eleitoral), suas idéias, e, mesmo com a referida história, devemos reconhecer que ela existe por direito próprio. E isso não significa desconhecer que os votos destinados a ela apontam para Lula, que é realmente carismático, sabe conversar com a população e consegue como ninguém usar o PT para seus fins e desviar-se de todos os atos bizarros tanto do PT quanto de seus assessores.
Quanto a Serra, recebeu numerosos elogios, porém havia um consenso de que não tinha chances de ganhar. Receberia muitos votos, mostrando a força (declinante) do PSDB, mas estes votos seriam em menor quantidade do que mostravam as pesquisas. Uma observação freqüente era que os programas e a ideologia dos dois candidatos eram tão próximos que podiam sobrepor-se em quase tudo. Aliás, nisso eu também concordo e acrescento que gostaria de ver PT e PSDB como aliados. Mas voltando ao povo lá de fora, e resumindo, eles não viam a possibilidade de segundo turno.
Uma atuação que foi bastante criticada em Portugal, tanto na televisão como nos jornais, foi a da mídia brasileira. Alguns articulistas criticaram duramente revistas brasileiras que agridem Lula pelos seus erros de português ou que lançam mão de meios bisonhos de tentar abalar o gosto do brasileiro pelo seu presidente. Foi citado o caso de uma reportagem sobre a morte de um cangaceiro de Lampião que seria tio ou tio avô de Lula (não me lembro o parentesco). Quando li a reportagem estava na cidade de Ovar, no norte de Portugal. Ri um pouco desta insana tentativa de abalar Lula e, consequentemente, Dilma. Pareceu-me uma conduta mais estúpida do que qualquer estupidez que o presidente tenha cometido contra a língua. Ora, a população está pouco se lixando para a linguagem pulcra e cada vez que as críticas se firmam na incompetência gramatical do sujeito, isso desperta muito mais simpatia do que condenação. Um ou outro se preocupa com a língua; a maioria quer saber como está o bolso. Ademais, que importa isso. Cuidemos da democracia, se ela está sendo atingida; atentemos para as orientações econômicas, se elas levam a bom termo; vigiemos a educação, se ela é conduzida por caminhos nos quais os estudantes possam alcançar a escrita e a leitura proficientes e colabore para que eles sejam sujeitos pensantes e não massa de manobra para aventureiros populistas... Temos coisas sérias a tratar! As denúncias de corrupção são essenciais para o processo democrático, mas por que elas não mobilizam a população de forma mais contundente? Não há dúvida que a presença de Lula joga um importante papel, mas também a estabilidade econômica, o poder de compra, a inflação controlada. Ou seja, assim como há males que vêm pra bem, há bens que vêm pra males. Sofremos tanto com uma economia pessimamente administrada que aceitamos quase tudo desde que as coisas estejam nos seus lugares. Voltando à mídia brasileira, lá em Portugal ela não é vista como tão séria como gostaria. Foi o que me pareceu.
A grande surpresa foi o dia seguinte. Marina cresceu e todos correram a explicar o acontecido. Como, onde, porque... Falou-se muito na opinião dos candidatos quanto ao aborto como fator de elevação de Marina e diminuição de Dilma. Mas também considerou-se a história de Marina, sua reputação, inteireza e postura na campanha. Ninguém conseguiu explicar a complexidade do caso, mas até hoje se discute. Os articulistas por lá consideram que com, ou sem, o apoio de Marina, Dilma leva o segundo turno. De minha parte, penso que foi bom um segundo turno, por que para a democracia não convém excesso de poder em um homem, mulher, ou partido.
Recebam o meu carinho, Aureo Augusto.