Quando ia para as passeatas nos idos dos sessenta do século
XX, esse era um dos motes que mobilizavam os estudantes: Abaixo a Burguesia! Eu
ia, morrendo de medo da polícia, procurando o mais possível não ficar muito
exposto, o que não foi difícil já que, mirrado como era, passava despercebido.
Na época eu não sabia bem o que falava, mas lia Marx tentando saber – e não
adiantou muito.
Na época eu não percebia que burguesia é evolução. Tomemos o
século XVIII por exemplo. Dois países: França e Holanda (Países Baixos). A
França era invejada como centro de civilização. Seus nobres empoados desfilavam
em carruagens douradas, usando trajes caríssimos, comportando-se conforme
regras esotericamente elaboradas, os homens inclinando-se reverentemente diante
das mulheres sacudindo as mãos ou lenços de forma cuidadosa, com um sentido de
honra aristocrática. Tudo muito bom, muito bonito, mas não passavam de
parasitas intolerantes que viviam às custas dos agricultores e dos burgueses
que trabalhavam diuturnamente e sustentavam o bando de parasitas “bem-nascidos”.
A Holanda havia emergido de cruentas guerras de
independência contra a Espanha. Seu povo, constituído de agricultores e
comerciantes burgueses, era industrioso, prezava a limpeza, a tolerância e não
se aplicavam demasiadamente em amostrar-se em público. Os Holandeses
mostraram-se bem próximos do que hoje entendemos como democracia. No seu país
não havia tantos pobres, párias, miseráveis quanto na rica França. A renda per
capita da Holanda era bem maior, pois a riqueza era bem melhor distribuída, já
que a burguesia amava a competência, enquanto a aristocracia (como na França)
reconhecia o direito de sangue, a origem nobre.
A aristocracia é um sistema onde uma pessoa tem
prerrogativas sobre as demais apenas pelo fato de ter uma ascendência (ou nome)
nobre. Não importa se é um crápula ou um imbecil, tendo nascido em berço de
ouro será tratado de forma diferenciada e despreza com toda a força da alma aos
demais, sem nome. Quando vemos filmes em que príncipes e princesas vivem em
palácios ou casas senhoriais, encantados com os bons modos que demonstram e as
belas roupas, não nos esqueçamos que aquilo se sustentava a partir da ideologia
de que os muitos devem servir a uns poucos escolhidos por eles mesmos (os
poucos) para postar-se no ápice da sociedade. Aquele príncipe tão digno, altivo
e distinto, tão capaz de atitudes nobres, não trabalhava, e, no máximo,
aprendera apenas a matar e a saquear (e isso era o seu conceito de dignidade).
Enquanto isso, os burgueses holandeses (e os franceses e de
outros países) diligentemente construíam um mundo novo, onde o valor seria
derivado do trabalho, do esforço, e não do nome. Eram preconceituosos, sim, mas
nunca tanto quanto os aristocratas. Eles representaram a possibilidade da
democracia no mundo moderno.
Os movimentos antiburguesia tendem a um comportamento
democrático num primeiro momento, mas ao assumirem o poder tornam-se arremedos
da aristocracia, quando começam a amar o poder, sempre em nome do povo. Na
democracia pode ocorrer (e é frequente) uma degeneração onde quem ascende vira “aristocrata”
passando a se considerar superior (porque ascendeu) e desejando preservar na
família posses, títulos, cargos, recursos lançando mão de expedientes escusos
muitas vezes.
Na União Soviética formou-se uma aristocracia burocrata (a Nomenklatura)
e nos Estados Unidos os grandes trustes labutam no sentido de manter-se acima
das leis.
Quando, no século passado, protestamos contra os valores
burgueses, estávamos certos na medida em que tais valores careciam de revisão,
adequação, purificar-se de determinadas injustiças, muitas delas, herança das
ideias aristocráticas.
Tantos de nós que querem uma sociedade mais justa, tão
frequentemente crê que um grupo (ou partido, ou um líder) será capaz de fazer a
grande mudança. Mas quando acreditamos em um grupo, um partido, ou um líder,
sem considerar aqueles que são contrários, ou olhando os demais como rebanho a
ser liderado, estamos apenas retornando aos valores pré burgueses, involuindo
em direção à aristocracia. Precisamos ir além da burguesia e não recuar ao
passado.
Recebam um abraço burguês (rs) de Aureo Augusto.