sábado, 27 de agosto de 2016

ABAIXO A BURGUESIA

Quando ia para as passeatas nos idos dos sessenta do século XX, esse era um dos motes que mobilizavam os estudantes: Abaixo a Burguesia! Eu ia, morrendo de medo da polícia, procurando o mais possível não ficar muito exposto, o que não foi difícil já que, mirrado como era, passava despercebido. Na época eu não sabia bem o que falava, mas lia Marx tentando saber – e não adiantou muito.

Na época eu não percebia que burguesia é evolução. Tomemos o século XVIII por exemplo. Dois países: França e Holanda (Países Baixos). A França era invejada como centro de civilização. Seus nobres empoados desfilavam em carruagens douradas, usando trajes caríssimos, comportando-se conforme regras esotericamente elaboradas, os homens inclinando-se reverentemente diante das mulheres sacudindo as mãos ou lenços de forma cuidadosa, com um sentido de honra aristocrática. Tudo muito bom, muito bonito, mas não passavam de parasitas intolerantes que viviam às custas dos agricultores e dos burgueses que trabalhavam diuturnamente e sustentavam o bando de parasitas “bem-nascidos”.
A Holanda havia emergido de cruentas guerras de independência contra a Espanha. Seu povo, constituído de agricultores e comerciantes burgueses, era industrioso, prezava a limpeza, a tolerância e não se aplicavam demasiadamente em amostrar-se em público. Os Holandeses mostraram-se bem próximos do que hoje entendemos como democracia. No seu país não havia tantos pobres, párias, miseráveis quanto na rica França. A renda per capita da Holanda era bem maior, pois a riqueza era bem melhor distribuída, já que a burguesia amava a competência, enquanto a aristocracia (como na França) reconhecia o direito de sangue, a origem nobre.

A aristocracia é um sistema onde uma pessoa tem prerrogativas sobre as demais apenas pelo fato de ter uma ascendência (ou nome) nobre. Não importa se é um crápula ou um imbecil, tendo nascido em berço de ouro será tratado de forma diferenciada e despreza com toda a força da alma aos demais, sem nome. Quando vemos filmes em que príncipes e princesas vivem em palácios ou casas senhoriais, encantados com os bons modos que demonstram e as belas roupas, não nos esqueçamos que aquilo se sustentava a partir da ideologia de que os muitos devem servir a uns poucos escolhidos por eles mesmos (os poucos) para postar-se no ápice da sociedade. Aquele príncipe tão digno, altivo e distinto, tão capaz de atitudes nobres, não trabalhava, e, no máximo, aprendera apenas a matar e a saquear (e isso era o seu conceito de dignidade).
Enquanto isso, os burgueses holandeses (e os franceses e de outros países) diligentemente construíam um mundo novo, onde o valor seria derivado do trabalho, do esforço, e não do nome. Eram preconceituosos, sim, mas nunca tanto quanto os aristocratas. Eles representaram a possibilidade da democracia no mundo moderno.

Os movimentos antiburguesia tendem a um comportamento democrático num primeiro momento, mas ao assumirem o poder tornam-se arremedos da aristocracia, quando começam a amar o poder, sempre em nome do povo. Na democracia pode ocorrer (e é frequente) uma degeneração onde quem ascende vira “aristocrata” passando a se considerar superior (porque ascendeu) e desejando preservar na família posses, títulos, cargos, recursos lançando mão de expedientes escusos muitas vezes.
Na União Soviética formou-se uma aristocracia burocrata (a Nomenklatura) e nos Estados Unidos os grandes trustes labutam no sentido de manter-se acima das leis.

Quando, no século passado, protestamos contra os valores burgueses, estávamos certos na medida em que tais valores careciam de revisão, adequação, purificar-se de determinadas injustiças, muitas delas, herança das ideias aristocráticas.

Tantos de nós que querem uma sociedade mais justa, tão frequentemente crê que um grupo (ou partido, ou um líder) será capaz de fazer a grande mudança. Mas quando acreditamos em um grupo, um partido, ou um líder, sem considerar aqueles que são contrários, ou olhando os demais como rebanho a ser liderado, estamos apenas retornando aos valores pré burgueses, involuindo em direção à aristocracia. Precisamos ir além da burguesia e não recuar ao passado.


Recebam um abraço burguês (rs) de Aureo Augusto.

domingo, 21 de agosto de 2016

MULHER É UM PROBLEMA

Nasci no Bairro do Uruguai, em Salvador, à época parte dos Alagados, que logo depois foi aterrado com o lixo produzido na cidade. Sou grato por ter estado ali boa parte de minha vida, lugar onde aprendi mais do que a ler e escrever. As brincadeiras infantis foram povoadas de notícias da vida dura de um bairro bem pobre com seu cheiro de mangue e chocolate (a fábrica de Chocolates Chadler derramava sua chaminé sobre o bairro).

Por isso aprendi também a ver um outro lado das coisas que os livros me ensinaram e vi que nem sempre o linguajar pulcro traduz a crueza rude do existir doce.

Talvez por isso também me sinto tão bem conversando com as pessoas ditas “do povo” e foi assim que um amigo se aproximou para papear (desabafar): “Mulher é um pobrema” e desandou a comentar os jeitos de sua amada esposa (amada sim, pois o amor, como alguém disse, é “apesar de” e não “porque isso ou aquilo”). Ri e perguntei-lhe se quando chegava em casa guardava cuidadosamente a roupa suja ou se deixava em qualquer lugar, e os arreios do cavalo, as botas... Claro que largava tudo à toa! Comentei que ele é um problema. Como a conversa se adiantava sob o signo do riso leve, a coisa seguiu em alegria e tranquilidade com comentários jocosos de parte a parte; lembrei de várias outras conversas que mantive em rodas com amigos. Reproduzo aqui como se fosse um único papo e como se fosse com aquele mesmo amigo do qual acabo de contar e incluo algumas reações dos interlocutores.

Disse: Pois sim, mulher é um problema, mas você está sempre atrás delas, parece que você é maluco e gosta de problema. Se mulher é problema, porque não vai viver com homem? Todo mundo ri com esse comentário – é uma graça!

Provoco: Eu, em particular, gosto muito de mulher, é muito legal encontrar seios fartos e não uma tábua, ou apalpando mais embaixo dar de sentir um vazio delicioso e morno, já quem apalpa um homem encontrará o cheio; não que eu desaprove a quem sendo homem goste de homem – risos pra todo lado, alguns um pouco nervosos – continuo: Isso é algo que merece todo o nosso respeito, pois o prazer é uma coisa que não depende de regra e se alguém tem prazer no semelhante, pra que o obrigaremos a manter o prazer no diferente contra o próprio senso? (cenhos franzidos, risos baixos, cabeças balançando para os lados, cabeças balançando acenando com um sim, dúvidas se manifestam em alguns semblantes...).

Sigo: Mas a verdade é que mulher é um problema... e uma solução; homem igual. Todo problema traz em si sua resposta certa. David Kahane nos ensina que quem não é parte do problema não será também parte da solução, e está coberto de razão.
Acrescento: Continue dizendo que o problema está nela e viverá atrás da fantasia da mulher perfeita decepcionando-se todo o sempre e sempre perseguindo fantasmas lá fora quando eles moram cá dentro. Pode ser até que encontre uma mulher que apenas silencie, curve a cabeça, não se queixe, então ou é depressiva ou dissimulada. E em ambos os casos vai rolar merda – sorrisos de aprovação, rostos preocupados, olhares postos no horizonte.

Vai daí que vale olhar para si e olhar para ela com o amor que nós temos. Dizer o que sentimos e não diagnosticar nela a doença que pode até estar nela, mas seguramente está em nós. E isso vale também para as mulheres que falam mal dos seus maridos (expressivos “sim” com a cabeça, rostos falando silenciosamente de decisões, bocas fechadas dizendo que nada disso pode ser aplicado, olhares decididos para um lado ou outro – cada um no seu processo).


Recebam um abraço gilânico de Aureo Augusto.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

COMO ANDA A (minha) SAÚDE

Delícia o apoio que tenho recebido de tantas pessoas que se ocuparam de minha saúde nesses últimos dias. É maravilhoso se sentir pertencente a uma rede tão boa, constituída de gente, conselhos, luz, carinho... E mais uma vez mando as notícias de como as coisas estão acontecendo.

Em 2/8/16 fui submetido a uma uretrorenolitotripsia flexível a laser com duplo jota. O nome me encanta, o que não impediu de sentir medo e pelas medicações que me aplicaram durante o procedimento (estava anestesiado dormindo), essa covardia se manifestou sob a forma de agitação, vômitos e pressão alta. O medo é esperado, dada a minha natureza pouco corajosa, também se consideramos que não estou habituado a dormir em um lugar estranho com pessoas me futucando por dentro – ainda que com boas intenções.
O Dr. José do Egypto fez muito bem o seu trabalho, e meu rim esquerdo logo se viu liberado para trabalhar fluidamente. No entanto, após 3 horas não foi possível romper toda a pedra. Coisa séria! Era um enorme paralelepípedo que apresentava no lado de uma de suas extremidades uma grande protuberância. Pelo menos ficou reduzido a algo em torno de 1cm de diâmetro (sem contar a outra de ½ cm). 

O médico sugeriu que eu fizesse complementarmente uma litotripsia externa. Aí sim que é de lascar. Fui atendido por um médico muito agradável e simpático, Dr. Bastos, filho de um médico de Seabra, Dr. Bastos, a quem conheço desde longa data. Fui a uma sala simples com um aparelho globoso que encostou em meu dorso e durante 20 minutos o pau comeu! Era como se eu fosse um lutador de boxe subnutrido, apanhando no rim em uma luta na qual só desejava o fim do round. Ainda bem que Zezé Camarão (minha namorada) estava comigo, segurando minha mão (a esta altura suada) e com seu humor compreensivo conseguiu arrancar de mim sonoras gargalhadas – interrompidas de vez em quando por um murro ou outro mais forte – com assuntos escolhidos a dedo para permitir que a pancadaria não repercutisse tanto em meu humor.
Uma ultrassonografia dias depois mostrou que a surra não resultou em sucesso, assim vou cair de novo na porrada. Tomara eu esteja melhor preparado, pois na primeira luta não tive o pudor de pedir arrego (não adiantou).

Claro que alguém perguntará o porquê de todo esse sofrimento. Pergunto-me também. Tenho meditado muito e cheguei a interessantes conclusões – tantas que não caberiam aqui nesse pequeno informativo – e dentre elas notei que a vida é para ser vivida. Esse é o seu principal sentido. Obvio, né? Mas nem sempre o obvio é atualizado aqui nesse presente que é estar na Terra.
Sim, nunca senti tão dentro de mim como carecemos dessa vital necessidade de (redundantemente) viver e nada mais. Nada mais? Sim e não, como sempre. Estamos aqui para experimentar a experiência de estar aqui, experimentar em cada uma das coisas que rolam, estar presente na dor, no amor, numa boa trepada, na decepção profunda, na alegria...

Aquela frase que se diz nos casamentos sobre ser fiel e estar com o outro na alegria e na tristeza etc. Sim, fidelidade ao fato de ser, de existir. Não é fácil. Inclusive porque essa fidelidade implica necessariamente no reconhecimento de que não somos isolados e sim fruto das relações com o entorno, vai daí que que não cabe um reles egoísmo. Somos na medida em que somos produtos de interações que vão desde o que nossos pais fizeram um dia na cama, até o que o mundo nos reserva em suas curvas... Pensei essas coisas e sigo pensando (surpreendi-me ao ver escrito “o sentido da vida é viver” em uma página da última revista Planeta – numa interessante coincidência).

Quero que saibam que saber que não somos essenciais e sim parte das relações universais é algo bastante nutridor e que vocês todos me sinalizam isso quando me olham amorosa e compreensivamente nesse momento onde às vezes o desconforto diz da minha humanidade.

Recebam um abraço grato de Aureo Augusto