Recebi a notícia de uma mulher que foi obrigada a fazer
cesárea e fiquei chocado. Sentei-me pra conversar um pouco com Mariane Riani
sobre o assunto. Esse “sentei-me” é uma ironia, porque estávamos a 450 km de
distância um do outro. Essa é uma beleza da tecnologia. Podemos conversar por
e-mail, fb, WatsApp etc. rapidinho e barato apesar das distâncias. A tecnologia
tem seu lado mágico!
Infelizmente o avanço tecnológico não coincide com o avanço
ético. Em nossa sociedade a ética está bem atrás haja vista o uso dos
conhecimentos científicos para concretização de tremendas barbaridades. A
bioética (uma reação ao barbarismo científico) surgiu quando se descobriu as
experiências que os americanos faziam com pacientes negros para ver a evolução
de doenças como sífilis, sem que eles soubessem, bem como outras onde os
soldados comuns eram expostos inadvertidamente à radiação atômica. Pelo bem da
ciência e do conhecimento pessoas morreram em condições atrozes. Nesse exato
momento, no Japão, pessoas estão sendo arrebanhadas para trabalhar na limpeza
da usina de Fukushima, sem saber que em breve terão diversas formas de câncer –
pelo bem do lucro! Estes são alguns exemplos. A magia tem seu lado perverso!
Acho curioso que algumas pessoas achem que se existem
extraterrestres e sendo eles tecnologicamente muito superiores deverão ser mais
éticos. Será? Pode ser que queiram nos testar em laboratórios, usar-nos como
cobaias, ou, até tratar-nos como gado e fazer-nos de alimento. Não tem gente
que come carne de preá, cotia, onça, arara, bunda de tanajura? Então porque os
extraterrestres não comeriam coisas como nós?
Esta falta de conexão entre ética e técnica pode nos levar a
condutas como obrigar uma mulher a sofrer cesárea sem que isso seja necessário
e contra sua vontade. Mas a conversa com Mariane desencadeou-se por conta da retirada
de um vídeo lindo, de uma mulher parindo feliz e risonha, da página do PARIR
porque foi denunciada por nudez. Comentamos que fica difícil crer que seja por
nudez e sim porque incomoda a felicidade e a alegria expostas no vídeo. O PARIR
se manifestou sobre isso em um texto publicado em sua página no facebook e não
vou repetir, porém na conversa encontramos outros significados e um deles passo
a comentar:
A civilização humana a partir de certo momento parece que
resolveu enveredar por um caminho afim com a morte. Freud dizia que temos uma
pulsão de vida e uma pulsão de morte. Ocorreu-nos naquela conversa que optamos
pela segunda pulsão.
Diz Riane Eisler (in O Cálice e a Espada) que a partir das
invasões kurganas e semíticas que instalaram a sociedade patriarcal começamos a
dar maior valor a tecnologias de destruição (como a construção de armas) do que
a tecnologias voltadas para a vida (como a confecção de cestos). Os soldados
passaram a ser mais importantes que os agricultores, por exemplo. E se criou
toda uma ideologia, mitologia, religião afirmando o valor da agressividade, da
violência. Lembremos a nossa história, tem sido uma série de atrocidades. Os
imperadores chineses massacrando seus adversários, transportando povos de um
lugar para outro a seu bel prazer, escravizando. Não foram diferentes dos
astecas ou dos assírios e romanos. Para os gregos, tão cultores da filosofia, a
guerra era uma atividade nobre e concomitantemente as mulheres tinham que ficar
em um lugar específico da casa chamado gineceu. Nas sociedades cultoras da violência,
engravidar e parir só faziam sentido enquanto produtoras de soldados. Atividades
que melhorassem as condições de vida das pessoas em geral tendiam a ser
alijadas da condição de preferenciais nos programas de governo.
O interessante é que quanto mais nos identificamos enquanto
civilização (todas as civilizações humanas) mais obrigamos às mulheres a uma
posição de subserviência, de ausência de autonomia. Claro que em algumas
sociedades mais do que em outras. No Japão Tokugawa a vida da mulher era bem
restrita; já entre os celtas as mulheres tinham mais liberdade, mas onde quer
que seja a tendência era que os valores associados ao feminino tivessem menos
valor.
Esta afinidade guerreira não produziu apenas desastres. Com
isso o ser humano conseguiu “estômago” para praticar dissecações, por exemplo,
de cadáveres, e assim ter maiores conhecimentos de anatomia. A ciência (e,
consequentemente, os seres humanos) progrediu, na medida em que conseguimos certo
grau de distância do objeto de estudo, possibilitando uma abordagem isenta
(claro que isso foi positivo por um lado e péssimo por outro, mas isso é outra
história). Ou seja, algo de bom veio, porém o prejuízo para as relações intra
humanidade e da humanidade com o entorno é incalculável e se não mudarmos isso
de imediato há risco sério de que levemos a cabo a destruição do planeta (e de
nós).
Urge uma conduta onde possamos reconhecer e incluir o de
positivo que o patriarcado nos trouxe, mas que possa romper com o paradoxo de
querer viver matando, crescer aniquilando os parceiros existenciais, existir à
parte de todo o demais, considerar mais valorizável a dor que a alegria.
Naquela interessante conversa intuímos que o grande passo
que cada um de nós pode dar individualmente é investir na alegria já que talvez
a frase mais relacionada ao pensamento exclusivista, patriarcal e misógino
seja: “Muito riso é sinal de pouco siso”. Quando todos nós sabemos que os
sérios políticos e governantes sisudos têm sido infinitamente mais
devastadores, cruéis, assassinos, corruptos e corruptores do que os palhaços,
os humoristas e as pessoas de riso fácil e feliz.
Quando nós, humanos comuns, nos deixamos levar pelo mau
humor, pela irritação, frequentemente fruto do fato de que nos levamos mais a
sério do que deveríamos, facilmente nos alinhamos com a segregação e logo
encontramos lá fora os culpados pela nossa irritação. Não nego que existam
razões externas que nos causem justa revolta, mas frequentemente elas não
passam de desculpa para o nosso hábito mental de nos vincular à dor, e ao mau
humor.
Um ponto importante é que facilmente, e como corolário do
nosso hábito mental doentio, tendemos a afastar a responsabilidade da alegria.
Chegamos a verbalizar que em tal ou qual lugar ficamos felizes porque longe das
responsabilidades. Esta é uma armadilha. Claro que as férias são uma
necessidade, exatamente para estarmos um pouco longe das responsabilidades, mas
responsabilidade é condição natural e agradável da humanidade. E jamais é
antônimo de alegria.
A alegria só será possível, no tempo, na medida em que nos
responsabilizamos por nossas próprias decisões. Afinal foram nossas decisões
erradas que fizeram com que o mundo corra risco de desaparecer e as relações estão
tão problemáticas; não há como fugir da responsabilidade que não passa da
resposta do Mundo a nossas decisões e condutas, por isso devemos abençoar nossa
vida pelo riso bondoso e pela alegria.
Recebam um abraço alegre de Aureo Augusto.