sexta-feira, 31 de julho de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 6

A CARNE DE LILI
Lili é um sujeito especial aqui no Vale do Capão. Seu empreendedorismo faz dele um destaque entre os de sua geração nascida neste lugar tão bonito. Primeiro começou a trabalhar com Medinho, outro exemplo, em seu supermercado, mas logo observou as pessoas que para cá imigraram e construíram pousadas e campings. Aprendeu delas e fez sua própria pousada. Depois percebeu a necessidade de uma boa quitanda e construiu uma. Para que a quitanda tivesse produtos de qualidade precisou de uma caminhonete para buscar produtos e também para trazer o esterco utilizado na horta orgânica que toca juntamente com um irmão, horta esta enorme, que produz de tudo, inclusive um tomate delicioso. Sensível às necessidades sociais, fundou, juntamente com Tião, filho de Araci, uma escolinha de futebol para crianças, condicionando a participação à presença na escola. Agora recebi a notícia que ele acaba de fundar a primeira churrascaria do vale. Lili não vai parar e isso o torna um exemplo para todos nós.
No entanto devo confessar que me agradaria mais se fizesse um restaurante natural em vez de uma churrascaria. Mas ele sabe, pois não nasceu ontem, que um restaurante natural não daria lucro. Encontrei-o no supermercado e falei que iria visitar seu novo restaurante e muito alegre já me disse que as saladas que serve são maravilhosas. Isso me alegrou. Quando faço longas viagens de carro, as churrascarias são um porto seguro. Ali, embora eu não coma carne, encontro saladas maravilhosas, mesmo em lugares inesperados, como no litoral nordestino, onde fora de frutos do mar e arroz branco, é difícil encontrar o que comer (embora a situação esteja mudando rapidamente, pois em Alagoas, lugar que há algum tempo salada era sinônimo de tomate e cebola, hoje existe uma pousada encantadora confortável, tudo feito com um bom gosto impecável e uma excelente comida natural para aqueles que gostam e querem, além da comida usual – Pousada da Amendoeira, em S. Miguel dos Milagres). Mas voltando às churrascarias, elas me dão a possibilidade de almoçar e o mais legal é que na hora de cobrar, os garçons ficam meio sem saber o que fazer porque eu não comi justo o principal, para eles, que é a carne.
Quando vim morar aqui no Vale do Capão, há mais de vinte anos, as pessoas quase não comiam carne. Era cara. Às vezes eu via sobre o telhado de alguma casa um troço de ossos descarnados e descobri que ali era a geladeira deles. Sorte do povo que faz frio e não tem urubu, bicho que só aparece nos períodos mais quentes, e se hoje não são tão comuns por aqui, no passado o eram bem mais raros. Agora temos dois açougues. Indicador claro da melhoria das condições econômicas locais. Indicador também de que um movimento mundial atinge este lugar. Isso me faz lembrar um editorial do British Medical Journal, o mais antigo e mais respeitado jornal médico. Refiro-me a uma edição de dezembro/96, onde o autor, professor de epidemiologia na London School of Hygiene and Tropical Medicine, Dr. A.J. Mc Michael, comenta que o consumo de carne derivada de ruminantes (boi, por exemplo) na sociedade humana nunca foi tão alto. O referido professor demonstra sua preocupação, pois não só “os estudos epidemiológicos indicam que os vegetarianos vivem um pouco mais tempo do que as pessoas que comem carne”, e conseqüentemente seria de se indicar um consumo moderado das carnes. Também alerta para os prejuízos ecológicos desta revolução alimentar, já que “a produção de carne é uma forma de produção muito lesiva a nível do ambiente”. Milhares de hectares de matas vêm sendo sistematicamente destruídas para a ‘plantação de gado’ e as conseqüências se fazem sentir na degradação ambiental. Isso é tão sério que Mc Michael cita as palavras do Dr. V. Smil: “As dietas ricas em carne são uma aberração muito recente insustentável a uma escala global”. E, infelizmente esta aberração está se espalhando rapidamente, tendo chegado inclusive no Vale do Capão. Observem que esses comentários não foram publicados em um folheto ‘natureba’ e sim no prestigioso BMJ, que não pode ser taxado de alternativo, místico, nem fantasista. Não custa pensar nisso. Voltarei ao tema.
Recebam um abração, Aureo Augusto.

domingo, 26 de julho de 2009

ALGUNS PARTOS

Hoje, a manhã ainda estava em projeto quando fui chamado à casa de uma mulher que acabara de parir. Saí e era um silêncio daqueles que você podia colher com a mão. Uma chuva delicada acentuava o frio, e as serras estavam embrulhadas na névoa. Cheguei na casa a mãe estava já com o pequeno no seio, a mulher que a acompanhou durante o parto me explicou que a placenta ainda estava presa. Havia aquele clima de uma certa agitação e calma imposta para que a criança não se assustasse. Era o terceiro filho daquela recém parida, de modo que já conhecia a coisa. A parteira tinha tido uns quatro e acompanhou alguns partos. Parece ser uma pessoa dedicada ao que faz ou quer fazer. Este comentário introduz uma situação aqui do Vale do Capão. Desde que vim morar aqui venho acompanhando os partos das mulheres. Porém, por causa das minhas viagens freqüentes fui obrigado a recusar o partejamento daquelas que não nasceram ou não residem aqui. No início eu apenas explicava que corria o risco de não estar presente. Elas topavam, mas depois me diziam que quando eu não estava era muito sofrimento porque já haviam formado vínculo e só então descobriam que tinham mais do que esperança e a certeza não satisfeita abalavam o parto (já as mulheres nativas têm uma postura mais pragmática. Estando eu, maravilha, não estando é o de sempre). Portanto, logo abandonei esta postura e simplesmente, quando sou procurado recuso; informo que não farei o parto ainda que esteja aqui. Mas correu o boato de que aqui temos parteiras quando na verdade a verdade é que tínhamos parteiras. D. Antônia, que nasceu como eu no dia 17 de janeiro, a grande parteira, morreu faz anos, D. Áurea, que me chama de xará, já está muito velha e começa a recusar o trabalho por falta de condições físicas, o mesmo se deu com D. Maria, filha de D. Antônia cuja saúde a impede de cuidar das parideiras. Das jovens, Nara, bisneta de D. Antônia, demonstra sensibilidade para o parto, mas não tenho plena certeza que queira seguir o rumo feminino da família. Assim sendo não temos parteiras por aqui. Ademais, hoje estamos em tempos outros que os de antanho. Antes a mulher virava parteira porque não tinha outro jeito. A comunidade não dispunha de quem assistisse ao parto com uma formação adequada. Acredito que hoje, para acompanhar o parto já não se justifica uma pessoa sem estudo. O parto em casa é, para mim, o ideal. Estudos realizados na Holanda mostram que é mais confortável para a mulher e menos propenso a infecções (quando bem assistido, claro). No entanto, ou é uma parteira tradicional, ou seja, teve a formação das antigas, guiada no início por uma mulher com experiência, ou estudou e praticou em maternidade. Já fez muitos partos acompanhada por profissionais. Não dá mais para aprender apenas na experiência prática. Mas várias mulheres que se denominam alternativas ou que assim não se classificam, mas querem uma experiência não hospitalar aqui aportam com a idéia de que dispomos de numerosas parteiras e que vão escolher. Isso me preocupa. Algumas destas mulheres estão bem despreparadas, há delas umas que sequer fizeram o pré-natal. Dizem que confiam na natureza, como se morte e dor não fossem também patrimônio natural. Acreditam no poder da mente, como se não nos escondêssemos às vezes em certezas frágeis. Ainda bem que nem todas são assim!
No caso de hoje, a mãe fez o pré-natal, sem falta, embora espanhola, teve o direito de fazer os exames pelo SUS, que é uma das coisas maravilhosas deste país maravilhoso. O parto foi legal e a placenta já havia descolado e saído do útero, foi preciso só uma forcinha para expulsa-la, depois dei uns pontinhos em uma pequena laceração. Caso estivesse fora, coisa freqüente em finais de semana, não sei o que fariam. Isso me preocupa. Não me faz perder o sono, porque sei que não posso resolver os problemas do mundo. Uma mulher em um debate perguntava insistentemente o que fazer se uma outra mulher estivesse parindo – ela se sentia na obrigação de atender. Percebi que ela queria ter o meu aval para cuidar e dessa maneira eu passaria a ser co-responsável pelo processo, inclusive pela divulgação de que aqui é uma Meca de partos lindos e maravilhosos (até o momento em que dê um bode e todos procurarão alguém para crucificar). Disse a ela que eu não estava aqui para responsabilizar-me pelas decisões de outras pessoas, ela não gostou. Hoje uma espanhola pariu uma filha cujo pai é peruano acompanhado por uma australiana. Já moram aqui número suficiente de anos para estarem conscientes da situação. Penso que não convém divulgar ou facilitar a idéia de que estamos, ainda que minimamente, preparados para atender aos sonhos (ou as fantasias) daqueles que aqui aportam, vindos de tantos lugares.
Em 26 de julho de 2009, desejo para todos um bom domingo.

sábado, 25 de julho de 2009

GOSTAR DA GENTE DAQUI

As vezes as pessoas se admiram do quanto eu gosto deste povo do Vale do Capão. Ocorre que este é um lugar pequeno, quando cheguei aqui não tinha este caráter, diria, cosmopolita, que tem hoje. As dificuldades eram muitas, e supera-las aproximava. Quando caminho pelo Vale, hoje em dia, noto que já entrei em praticamente todas as casas para atender a algum doente que não podia se locomover (hoje tem tanta casa nova que aos poucos esta constatação perde validade). No passado, os vizinhos, ou melhor, as vizinhas de mais idade, muitas vezes formaram equipes para ajudar este ou aquele enfermo que não contava com famílias, pois todos os familiares haviam emigrado para São Paulo ou Goiás, ou para ajudar uma parturiente – momentos inesquecíveis onde a noite revelava a história e os causos de um passado mais duro ainda. As festas eram simples, os forrós eram momentos únicos para a diversão e a briga, o retorno sazonal de parentes era festejado com fogos de artifício. Há poucos dias, escutei o espocar de fogos e não soube o que era. Depois vim a saber que um jovem havia retornado após longo período de hospitalização. Sua avó de pura felicidade tocou os fogos. Quando fui visitá-lo ele me disse que não sabia o que deu na avó. É que pertence a outra época. Aqui se soltavam fogos pela ocasião da festa do padroeiro, no nascimento das crianças (isso ainda se faz) e no retorno dos familiares emigrados, nas poucas visitas. Para aquela senhora, a volta do neto querido era como o advento do padroeiro, o (re)nascimento do ente querido, o retorno do emigrado.
As vezes caminho no retorno para casa após um dia de trabalho e me delicio com a amizade que recebo em cada uma das palavras que me é dirigida. Há um entrelaçamento de parentesco embora este não exista! Os lugares pequenos obrigam a uma relação bastante próxima. Isso pode trazer alguns desconfortos. Por alguma arte de uma comunicação secreta as vidas são um tanto permeáveis a observação, o que não significa que segredos não existam; existem e as vezes são terríveis – há até segredos compartilhados por toda a comunidade, causam certa revolta, porém aí estão mantidos secretos, espinhos. Como se certas coisas não pudessem ser evitadas. Outrossim um secreto e comum sentimento de pertencimento conforta as almas.
Devo dizer que com a chegada de muitos imigrantes, um pouco disso se perde. Formam-se grupos que desestabilizam o ambiente “parental” que até agora existiu. No entanto, observando outras localidades e comparando com a capacidade assimilativa deste vale, penso que em algum tempo os recém-chegados experimentarão o mesmo que eu: serão absorvidos. Como isso depende do volume de imigrantes e da natureza dos mesmos, pode ser que nem todos venham a vivenciar isso, é verdade. Mas, lembro-me que mesmo nos tempos remotos sempre tinham algumas pessoas que de alguma maneira estavam a parte. Toda família extensa tem alguém que está perto mas não se aproxima.
Em 25/7/09 receba um abraço com o ruído da chuva que agora começou a brincar com o telhado.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 5

Por mim postava um novo texto todos os dias. Mas ultimamente o tempo tem andado meio escasso. Saúde é algo que parece depender apenas do que fazemos com o nosso corpo. Alguns mais profundos pensam também nas emoções. Ocorre-me que devemos atentar também para a nossa filosofia de vida. Como vivemos, qual são nossas crenças, o que queremos. Epicuro foi um filósofo que viveu em Atenas quase 500 anos antes de Jesus nascer; vivia uma vida simples, mas intensa, no sentido de estar atento para cada detalhe dela. Se puder leia seu pequeno livro: Carta a Meneceu. É uma delícia! Agora vamos ao texto de hoje.
A LIÇÃO DE EPICURO AOS ESTÓICOS
Cícero, citado por Montaigne, dizia que optou por ser estóico, seita filosófica que preconizava forte severidade e intensa emulação da virtude, porque achava os ideais de Epicuro extremadamente elevados para sua capacidade. Disse que “aqueles que chamamos amigos do prazer, são na realidade amigos da honestidade e da justiça, respeitando e praticando todas as virtudes”. Ocorre que temos uma idéia completamente diferente do que seja epicurismo. Os estóicos, ou melhor, alguns estóicos inventaram mentiras acerca do epicurismo, que eles viam como a busca do prazer, o que é verdade, mas não a busca de qualquer prazer e sim o encontro do prazer na virtude. Concordo com Cícero, que apesar de sua opção pelo estoicismo, considera o epicurismo superior e muito difícil de ser alcançado. Não é fácil ser estóico, pois esta proposta de vida implica uma luta constante contra as más inclinações do caráter. Sendo eu covarde, como portar-me corajosamente? Primeiro terei que ter a coragem de reconhece-lo, o que não é fácil. Sempre tendemos a esconder de nós mesmos aquilo que em nós vemos como reprovável. Há que vencer também a inclinação a justificar tal covardia, ou considera-la virtuosa, chamá-la, por exemplo, de prudência. E este é um jogo comum e, por comum, difícil de ser identificado. Uma vez vencida esta etapa, o candidato à virtude estóica deverá enfrentar seu vício e lançar-se ao aprendizado, ou ao desenvolvimento, ao cultivo da coragem. Mas como ser aquilo que não se é? Daí a labor dura da fomentação. Aprendi com um amigo, Aydano de Seabra, que quando uma população não se dá conta de sua potencialidade agrícola, cabe ao bom governante fomentar, isto é, ajudar à gente camponesa fornecendo-lhe os implementos necessários até que, uma vez incorporado o novo caminho, possam seguir com as próprias pernas. Seria um trabalho semelhante esta fomentação da coragem em si mesmo. Mas tudo isso pressupõe sofrimento, luta, cansaço. Sofrimento, luta e cansaço estes que levariam a uma maior satisfação interior uma vez que a vitória fosse consolidada. E aqui, na palavra satisfação, é onde o estoicismo se funde ao epicurismo. O grande passo de Epicuro, e o que o tornava sumamente difícil, é que para ele a virtude só o é, na medida em que exercida com agrado, malgrado todas as dificuldades. Mas não apenas no fim consolidado; também durante o processo. Lembro-me de algumas pessoas “virtuosas”, que são profundamente infelizes. Fazem o bem, mas este fazer é tão doloroso; dizem-se honestas, porém me passam a impressão de que o são apenas por falta de oportunidade ou coragem de praticar o mal. Na modorra de suas vidas não há lugar para o prazer virtuoso. Pior: Para aqueles jovens com quem se relacionam passam a triste mensagem de que o bem é um fardo, e, na verdade, efetivamente para eles é um peso que carregam como se burros de carga fossem. Mourejam no exercício do bem, propagandeiam sua infelicidade para que todos saibam de suas dores e sacrifícios, atormentam os demais com suas propaladas bondades, exigem que se lhes sigam os exemplos, disseminam a idéia de que o bem é um abuso. Por isso Epicuro neles.
E quanto a mim, e quanto aos muitos que são como eu, covardes e lassos para a virtude? Montaigne é uma boa resposta. Há uma filosofia para os heróis e outra para as pessoas como eu. Todos nós temos uma propensão para o bem, até porque esta é uma boa forma de conviver em paz com todos. Daí que a nossa saída é aproveitar tal propensão e de uma forma suave e delicada ir fomentando o progresso desse bem, inabilitando aos poucos aos vícios. Seguir Antístenes (também citado por Montaigne): “Desaprender o mal”. Algumm sucesso obtive nesta empreitada portando-me desta forma. Coisa que não ocorreu quando, muito equivocadamente, pensei de mim que era um herói.
Recebam um abração.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 4

Queridos amigos,
estou indo para Salvador amanhã e por isso não poderei colocar o tema de Medicina no dia certo que é sexta-feira, daí faço isso agora.
Continuo sem saber como me comunicar com as pessoas que acessam o blog e deixam mensagens e tampouco sei como me comunicar com o pessoal que segue o blog. Thiago, meu sobrinho, que tem uma paciência de Jó comigo, tenta me explicar por e-mail, mas ou ele é como todo internautico avariado da cabeça e explica de um jeito pirado (o que é verdade) ou eu sou um bocó em internet e afins (o que é verdade) e daí não consigo. Nesta viagem para Salvador vou encontra-lo e assim tête a tête pode ser que aprenda.
Bom, aí vai o texto desta semana:
ANTIBIÓTICOS 2
Comentava outro dia sobre os antibióticos e considerei como o seu uso inadequado levou ao aparecimento de bactérias resistentes e como também ampliou a possibilidade de negligenciarmos o valor do corpo como fator de resistência contra as bactérias (“o terreno é tudo”, como diria Pasteur).
Um outro aspecto negligenciado é que apenas o médico, e, em casos muito específicos, outros profissionais de saúde, tem conhecimento suficiente para receitar antibióticos. Quando um médico receita uma medicação ele está consciente da amplitude dos possíveis benefícios e dos prováveis prejuízos para o organismo. Em sua consciência ele põe (ou deveria por) na balança estes dois fatores: prejuízo/benefício. Avaliando a relação ele receita ou não. Todos os antibióticos trazem consigo efeitos colaterais, muitos deles adversos e, infelizmente a população em geral disso não tem e não toma conhecimento (no Brasil temos 9% de pessoas analfabetas, incapazes de ler uma bula e 76% de analfabetos funcionais, ou seja, capazes de ler algo, mas incapazes de entender uma carta simples, quanto mais uma bula). Porém mesmo a população letrada não se interessa pela leitura das informações constantes na bula.
Eis alguns antibióticos e seus efeitos negativos:
Penicilina: Nossa célula é constituída basicamente de três partes, núcleo, citoplasma e membrana. A célula vegetal, além destas três, tem também uma parede celular; as bactérias, como células vegetais têm esta parede. A penicilina, como vimos em um artigo anterior, atua na construção desta parede no momento da reprodução e, por isso não é tão prejudicial a nós como outros antibióticos. Mesmo assim as diversas formas de penicilina podem trazer alguns percalços: injeções dolorosas, náuseas, vômitos, diarréia. Algumas pessoas desenvolvem alergias que podem provocar coceira na pele, confusão mental, e, mais raramente, convulsão e até morte.
Tetraciclina: Náuseas, vômitos, diarréia. Em pessoas jovens leva ao amarelecimento e enfraquecimento dos dentes. Se uma mulher grávida usa este antibiótico, seu rebento poderá apresentar problemas dentários. Também altera o crescimento dos ossos e pode provocar dores musculares, flebite (inflamação nas veias). Doses altas podem lesar o fígado e levar por isso à morte. Estando com o prazo vencido é muito tóxica.
Eritromicina: Por algum motivo que desconheço é vista como algo muito suave e incapaz de trazer prejuízo ao usuário. Mas pode provocar náusea, vômito, dor no estômago, perda do apetite, empachamento (sensação desconfortável de estar com o estômago cheio). Mais freqüente nos bebês, mas também no adulto, pode provocar icterícia (amarelidão da pele, popularmente conhecida como “tiriça”). Quem sofre do fígado não pode usar.
Gentamicina: É tóxica para os rins, pode lesar o ouvido, diminuindo ou abolindo a audição e prejudica o funcionamento dos nervos.
Cloranfenicol: Pode provocar anemia aplástica, onde o corpo perde a capacidade de produzir células vermelhas (hemácias) do sangue, responsáveis pelo transporte do oxigênio e do gás carbônico. Trata-se de um quadro muito grave que faz com que o indivíduo só sobreviva com transfusões sangüíneas. Ademais pode provocar inflamação nos nervos, no intestino, coceira no ânus. Nas crianças pode provocar uma síndrome que começa com perda do apetite, gases e depois de 12 a 24 horas se continua com moleza, irregularidade na respiração, acinzentamento da pele, culminando com a morte. O pior é que os problemas que este antibiótico provoca independem da dosagem, ou seja, o uso uma única vez pode causar algum destes problemas acima citados. Como é muito forte, atacando diversas espécies de bactérias, o povo gosta muito de utiliza-lo.
Estes são apenas alguns dos antibióticos usados no mundo, existem muitos outros com seus efeitos negativos, seria impossível neste espaço relatar tudo. Mas espero que estes exemplos sejam suficientes para demover o leitor da automedicação. Quem receita remédio é o médico.
Grato por me terem visitado. Recebam um abração.

sábado, 11 de julho de 2009

CHEGOU CHUVA

Todo mundo aqui no Vale do Capão estava preocupado. Nunca tínhamos tido um São João tão sem chuva. Volta e meia era o comentário, na feira, na “rua” (é assim que designamos o aglomerado de casas com ruas calçadas que é a ‘sede’ do local), durante as consultas. Não há quem não perceba as mudanças climáticas. Principalmente os mais velhos. Certa vez conversava com o finado Anísio, homem de fina inteligência, sempre percuciente em seus comentários e ele me comentou que até a terra estava mudada. “Antigamente – dizia – a enxada entrava mais fácil na terra; agora ela é mais dura”. Para ele, o mundo humano estava mudando para melhor, pois que havia mais justiça hoje do que antes. Uma vez na feira (àquela época só tinha feira em Palmeiras), lhe disse que no quesito justiça social o mundo iria mudar. Ele me olhou assombrado com a minha falta de percepção e disse: “Aureo, você não percebeu não? Já está mudando”. E, em que pese a timidez dos avanços do Brasil quando se trata de melhorar as condições de vida, a realidade é que há muito de novo e melhor (embora inda muito a mudar). Como assinalam Celso Furtado (in Brasil, Construção Interrompida), Marco Aurélio Nogueira (As Possibilidades Políticas da Política), entre outros, ainda precisamos construir algo de novo nesta área, e esse novo passa pela participação das pessoas comuns na política. Os autores comentam que o Brasil sofre com os problemas do mundo moderno, sem ainda haver se libertado das enfermidades do passado. Somos acossados pelos resquícios do coronelismo, ao mesmo tempo em que flechados pelo desinteresse pelo setor público dada a hipertrofia do individualismo típico do mundo desenvolvido (entre outras coisas). Mas estava certo Seu Anísio, o mundo está mudando.
Mas o legal é que, apaziguando os corações a chuva veio, junina em julho, fina e gélida, penetrando os ossos da terra, amolecendo o chão, infiltrando as almas. Ontem de noite, tarde, Cybele, minha esposa, me telefonou pedindo para eu ir buscar ela no trabalho, lá na rua. Ela coordena o ICEP – Instituto Chapada de Educação e Pesquisa. Na terça-feira ela estava em Morro do Chapéu em um encontro maravilhoso com as comissões dos fóruns de educação das cidades da região. Nestes fóruns são eleitas comissões para acompanhar a realização das propostas (entre no site do ICEP, veja o link ao lado) para conhecer melhor este trabalho que é um marco na participação das pessoas em uma política sem politicagem. Na quarta-feira estava em Seabra, em uma reunião das mesmas comissões, mas com as cidades desta área. Quinta-feira foi a vez das cidades próximas a Itaberaba e ontem esteve em Lençóis, que está retornando a rede do Projeto Chapada, que labuta principalmente com foco em uma alfabetização que contribua para formar leitores e escritores proficientes. Ao retornar foi para a sede do instituto e lá ficou até tarde. São meros 4 quilômetros, mas com a chuva que transformou a estrada em uma gosma foi preciso que Zeca, um anjo de pessoa, motorista, trouxesse ela até a entrada de Lothlorien, no pé da ladeira que dá na casa de Formiga, enquanto eu esperava na parte de cima da ladeira. É que ontem um daqueles carrões que levam turistas, que parecem os jipes de antigamente, só que maiores, perdeu o controle na ladeira e bateu no barranco. Não dá pra subir, só descer e assim mesmo sem controle. Baldeamos as coisas para o nosso carro e ela pôde, por fim, chegar em casa. Noite e vento, a chuva era fina, mas espessa, folhas e telhados brilhavam prata enquanto pesava-lhes a água nas costas, Cybele subia a ladeira apoiada em minha mão o olhar cansado, mas sem perder aquele brilho/farol (sempre me impressiona a determinação do olhar de Cybele). Zeca com seu sorriso dado de homem bom, luz baça dos postes embrulhados pela chuva no vento, o olhar de Cybele firme como rochas sobre pés bambas na lama. O mundo está mudando e está com uma plasticidade resvaladiça como o chão do Vale nestes abençoados dias de chuva que revivem os tempos antigos quando chuva era o arroz de festa da gente que ora aguarda enquanto cria a passagem do amanhã.
Sinto e gosto que vivemos um tempo dos mais fecundos. Como será o que já foi e é desse jeito agora? Estamos todos atolados e contentes aqui neste pequeno lugar perdido (encontrado) no meio de um bocado de nada lá por cima das montanhas úmidas. As águas descem pelas encostas trazendo notícias de que por lá há mais. Mais do que? O futuro nos aguarda. Talvez seja melhor dizer que nós mesmos nos aguardamos no futuro. Nos guardamos para o futuro.
Em 11/7/09 recebam um abraço.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 3

Mais uma vez é sexta-feira. Hoje tive dificuldade de postar o texto pela manhã, coisas da internet! Aqui vai mais um texto que trata da saúde:
ANTIBIÓTICOS
Quando Fleming descobriu a penicilina uma nova porta se abriu para aqueles que sonhavam em libertar os seres humanos dos males que os afligiam. Infelizmente o mau uso dos antibióticos tem trazido conseqüências muito desagradáveis para todos nós.
Estas medicações têm sido usadas freqüentemente de forma bastante irresponsável, e o principal malefício que disso advém é que muitas bactérias adquiriram resistência a este meio terapêutico. Vivendo e atuando entre pessoas do campo em minha prática clínica tenho exemplos todos os dias dessa conduta errada. É freqüente que na farmácia alguém compre 2 ou 3 comprimidos de “Tretex” (esta é a maneira como se referem à tetraciclina). Quem pede a medicação tanto pode estar apresentando uma doença infecciosa como uma mera dor de cabeça. Dessa maneira subdoses são ministradas a um número enorme de pessoas, não apenas deste antibiótico, como também de muitos outros. Assim morrem as bactérias mais fracas, sobrevivendo as mais resistentes à medicação, que só morreriam se esta fosse utilizada pelo tempo e na dosagem indicada pelos estudiosos. O resultado disso é que hoje temos bactérias muito resistentes. Por exemplo, há uma cepa de Stafilococcus aureus, que se desenvolveu no Brasil e nos Estados Unidos, resistente a todos os antibióticos conhecidos.
Infelizmente a população em geral não se dá conta de que as medicações são instrumentos perigosos, sendo que os antibióticos, pelo seu uso freqüente e pelo fato de que com o aparecimento de novas bactérias resistentes os cientistas são obrigados a desenvolver antibióticos mais potentes, mas que também atacam com mais força a nós próprios, tendem a representar um perigo maior. As penicilinas atingem as células bacterianas em uma estrutura, a parede celular, que não existe em nossas células (que tem apenas a membrana celular) e, como tal, é menos agressiva para nós. Mas o seu uso indiscriminado e o aumento da resistência gerou a criação de variados antibióticos que atingem partes das células de nosso próprio corpo, sendo, portanto venenos e os médicos esperam que este veneno mate primeiro as bactérias antes de causar em nosso corpo algum desastre irreversível. Para melhor calcular o custo/benefício desta medicação o médico estuda farmacologia na faculdade e, capacitado a entender o argot (o idiotismo da linguagem ou o jeito peculiar de falar) científico, segue estudando a matéria para que seus conhecimentos não se tornem obsoletos.
Porém, a meu ver, uma das mais graves conseqüências das promessas que a descoberta do antibiótico nos trouxe foi que reduziu a nossa preocupação com a qualidade do terreno. Meu pai comprou um belo terreno no bairro do Cabula em Salvador, junto ao quartel do 19o BC, do exército. Ali aquela instituição militar mantém uma bela floresta, para uso no treinamento dos soldados. Porém em sua área, meu pai resolveu plantar e para tanto desbastou o mato de uma gleba. Freqüentando aquele lugar e realizando constantes passeios pela floresta do exército (havia conseguido permissão para tanto), observei que na área devastada era comum a presença de cansanção, o que tornava o lugar um tanto inóspito. Já no bosque preservado esta planta era rara, já que ela prefere ambientes mais batidos pelo sol. As bactérias são plantas que preferem terrenos em determinadas condições. Por isso Louis Pasteur disse que “o terreno é tudo”.
Uma infecção bacteriana, viral ou por príons será tanto pior quanto menos capacitado esteja o organismo para resistir a ela. O nosso sistema imunológico deverá estar em condições de nos proteger. Boa alimentação, sono repousante, atividade física regular são alguns dos fatores que dão ao terreno as condições de abrigar um bosque e não um campo de cansanção.
Aureo Augusto, em 4 de julho de 2006.

terça-feira, 7 de julho de 2009

O CHORO DE DITINHA

Há alguns dias não coloco nada no blog, é a vida bucólica do campo! Vocês pensam que aqui é somente contemplar a maravilhosa natureza? Ledo engano! Sim contempla-se, mas também rala-se...
Hoje, terça-feira, é dia de atendimento extra-muros no PSF. Assim, uma terça vou para Lavrinha, povoado muito pequeno, mas que foi o primeiro assentamento (não indígena) de Palmeiras, na outra vou pela manhã a Conceição dos Gatos e pela tarde no Rio Grande (outros povoados). Vamos juntos Gleiton, o enfermeiro e coordenador do posto, eu e o motorista Marivaldo – um cara muito legal. Hoje demos carona por um pequeno trecho a Neide, Agente Comunitária de Saúde, por sinal, das melhores. Retornando das férias, nos contou que foi a Salvador mostrar o mar aos filhos e que eles ficaram sumamente felizes no Porto da Barra. Enquanto ela contava pensei comigo no como o Vale do Capão mudou. Neide e Roberto são um dos mais belos casais aqui do Vale. Jovens, mas já com três filhos, têm uma casinha linda e construíram no terreno deles uns quartos para alugar aos turistas, tudo com um bom gosto bom de se ver. Tudo que fazem é bem feito. Ele cuida de abelhas e desde pequeno é especial. Lembro quando o conheci, mirrado, chegou só na consulta, sem nenhum adulto de companhia. Admirei-me. Naquela época o povo era mais desacostumado das novidades e os pequenos eram bem mais tímidos. Mas ele, muito seguro, foi bastante claro no explicar seus sintomas e mostrou que entendeu facilmente a terapêutica. Nunca deixou de ser sempre alegre e bem disposto, pelo menos nunca que eu saiba. Ela, inda bem pequenininha veio morar perto de minha casa e lhe presenteei com linha para tricô. Logo estava mostrando seus trabalhos. Quer ver um casal prendado? Procure Roberto e Neide.
Mas em meu coração dava uma alegria de ouvir ela contar dos meninos na praia. É que me veio a lembrança de uma vez, faz muito tempo, em que em Lençóis ocorreu um show com a participação de Elomar e de Xangai, creio que promovido pelo S.O.S. Mata Atlântica. Foi uma turma aqui do Capão e chamei Etevaldo e Ditinha, vizinhos queridos (ele já foi embora desta vida, levado por seqüelas de um encontro com a cabeça-de-capanga, cobra de má fama). Comentei de Ditinha neste blog há alguns dias. Fomos do Capão a Lençóis em uma caminhada muito longa, onde me banhei em tudo quanto foi poça d’água. Trilha bonita, Etevaldo conheci-a bem, porque muito ia levar coisas pra vender na cidade e por isso mostrava isso e aquilo de interessante, em seu jeito de falar quase sem falar, porque era um homem tímido. Lá chegando fomos assistir a música e Ditinha deu pra chorar. E chorava e não parava. Preocupado perguntei o que havia. Ela me disse que aquela era a primeira vez em toda a sua vida em que saía pra passear. Nem ela nem o marido jamais haviam feito algo que não fosse trabalhar, cuidar da roça e da casa, ir a Palmeiras ou Lençóis vender e comprar, ir e voltar, cangalha, bruaca e trouxa.
Um dia que vocês vierem no Capão, venham ver Ditinha pra terem uma idéia do que era ela dizendo estas coisas com os olhos de mar (um mar que há milhares de anos deixou que o sol encontrasse o solo da Chapada). Uma cena destas que valem pelo que são e fazem com que o momento vire-se em algo que só pode ser chamado de mágico e se signifique a si mesmo. Olhando para ela e escutando a voz engraçada dela e o jeito dela, talvez sintam um pouco do que senti.
E pensei hoje no como agora as coisas são tão facilitadoras da vida. Roberto e Neide puderam jogar-se na água do mar bem longe e rir com seus filhos, virar criança com eles. Mas os pais deles e os pais dos pais, quando podiam dar-se ao luxo de brincar com os filhos?
Não sei se Ditinha escutou a música. Sei que nunca se esqueceu.

Em 7/7/09 – Recebam um abraço carinhoso.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 2

CONTRA AZIA
“O sol
Espatifou-se no mar
Foi noite pra todo lado!”
Nildão
Penso que ainda não nos demos conta do real valor da poesia. Talvez seja conveniente esclarecer o que é poesia aqui, neste opúsculo. Quando, em determinados momentos estabelecemos um estado de consciência onde estamos identificados com um objeto de observação seja ele um elemento do mundo ou de nós mesmos, estamos em estado de poesia e podemos ou não manifesta-lo sob a forma de um poema, texto em prosa ou outras formas de arte. Para mim o estado poético é uma conexão saudável e profunda, situação imprescindível para o nosso bem estar. Poesia implica ‘desalienação’. Para estar em poesia faz-se necessária uma atenção, uma consciência e/ou uma identificação com algo que tanto pode estar fora quanto dentro. Isso implica que poesia é diferente de análise e, mesmo quando a poesia é bem ‘intelectual’, aquele que a fez não percebeu que enquanto produzia ‘desidentificou-se’ do ego, esqueceu deste si superficial e mergulhou no trabalho, tornando-se um com o mesmo. Em outras palavras mergulhou na contemplação, outro aspecto da poesia. Deve ser por isso que um humorista baiano muito arguto colocou como título de um de seus livros: “Poesia, Remédio Contra Azia”. Não é tarefa dos poetas, nem dos humoristas e muito menos dos humoristas poetas (como Nildão) explicar cientificamente as coisas. A poesia como muitas piadas comungam desta característica: Não se propõe a explicar nem a definir tudo, mas de uma maneira incógnita define e explica senão tudo, mas muito do tudo ou de um assunto. O próprio título do livro é perfeito. Azia, explica a ciência, é um sintoma decorrente do aumento da produção de ácidos no estômago com concomitante redução do muco protetor do mesmo (este muco impede a ação dos próprios ácidos sobre as células que revestem internamente o estômago), decorrente de um desequilíbrio dos mecanismos de controle do sistema nervoso central. Isso acontece no mais das vezes quando estamos alienados de nós mesmos, graças a nossas reações às pressões da vida cotidiana e pode resultar em gastrites e úlceras gástricas e duodenais. A influência das emoções desequilibradas (devidas a sensações onde impera o sentimento de não conexão sadia com o mundo) sobre a mucosa digestiva é de muito conhecida. O psicanalista Angel Garma lembra que durante a Segunda Guerra Mundial observou-se que a incidência de úlceras nos habitantes da Londres sob bombardeio foi muito mais alta do que em tempos de paz. Hans Seyle , o grande estudioso do estresse, nos mostra que tendemos a nos adaptar às situações, mas os excessos de hostilidade ou de reações à submissão são bastante lesivos ao organismo. Quando em uma situação nova reagimos intensamente contra aquela situação, como os bombardeados de Londres, o organismo sofre. Já quando contemplamos nós aceitamos. Claro que nem sempre é possível aceitar, muitas vezes há que lutar; mas se na vida permanecemos coligados apenas com a não aceitação (reativos) perdemos o equilíbrio. Daí, “poesia contra azia”. Não é desejável nem praticável afastar-se de tudo o que nos agasta na vida, daí que o sistema gástrico pode sofrer se não cuidamos também de fortalecer aquilo que nos faz sentir parte de uma totalidade, como a poesia.
Além da inegável proteção contra azia, a poesia (e a piada) pode nos ajudar a perceber diferente, ver o mundo com outros olhos tão reais quanto os olhos da análise. De outro livro (Colíricas – Nildão em Gotas) tiro uns versos que merecem atenção:
“De uma coisa / estejamos certos: / quem tem vida interior / desconhece desertos”.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

PASSEATA NO CAPÃO

O dia nacional do diabetes foi há alguns dias, mas a proximidade das festas juninas nos impediu realizar qualquer atividade. Mas não nos esquecemos e ontem (dia 30/6) fizemos (a equipe do posto de saúde) um movimento no Vale do Capão por este dia. Organizamos uma passeata para atrair a atenção dos moradores para o assunto. Como complemento ocorreu-nos verificar a glicemia (nível de açúcar no sangue) dos moradores. Gleiton, o enfermeiro e coordenador do posto (meu chefe) e eu conversamos com o secretário de saúde (José Carvalho) o qual gostou da idéia e se dispôs a conseguir as fitas para as medidas da glicemia em número de 200 e talvez mais; também conseguimos da prefeitura a promessa de um carro de som no dia anterior avisando a população do evento. As Agentes Comunitárias de Saúde avisam nas casas, porém o reforço do carro de som é essencial, já que na época das eleições a rádio daqui, que prestava serviços inestimáveis a população, foi fechada – sem ela tudo ficou mais difícil. Tivemos um momento de tensão, porque infelizmente, em que pesem os esforços do secretário a prefeitura não providenciou as fitas de exames, tampouco o carro de som. Sem o carro de som veio menos gente do que o previsto, o que em alguma medida foi bom porque tivemos poucas fitas (e secretário, já sabendo que a prefeitura não providenciaria o material, arrebanhou o que pôde), mas suficientes para o número de participantes (82 pessoas). Como o carro de som não veio, menos pessoas vieram e assim deu tudo certo. Porém devemos como cidadãos perguntar-nos se queremos manter um padrão de mediocridade ou se desejamos migrar para um padrão e excelência. Podemos nos alegrar porque dois erros acabaram por gerar um pseudo-acerto. Não veio o carro de som e também não vieram as fitas – então sobrou fita para todos; isso parece satisfatório, mas apenas para quem é medíocre e não percebe que como seres humanos e como cidadãos merecemos mais do que a condenação a insignificância. As comunidades que são as cidades estão permanentemente labutando entre a mediocridade e a plenitude. O problema é que, como muito bem assinala o filósofo Taunay Daniel, os medíocres se associam para impedir que algo aconteça de melhor, acostumados que estão com a subsistência burocrática (deveria dizer burrocrática).
Mas o fato é que foi um episódio bonito. Após Gleiton dar o início ao evento, tivemos uma roda de ginástica na praça, conduzida por Ivan Bonifácio que realiza um belo e voluntário trabalho aqui no posto com ginástica para idosos. Fizemos alongamento, depois palestrei sobre diabetes e então fizemos aferição da pressão sanguínea e da glicemia dos presentes. Depois saímos pelo Vale, fomos pelo Gorgulho até os Gatos, onde fizemos a primeira parada para aferição de glicemia. Ali aproveitei pra conversar sobre as palavras de Ditinha, uma senhora adorável que tem aqui. Ela é bem baixinha e redonda, brinco com ela dizendo que faz parte do time de basquete do Capão, ela é a bola. Ela me disse que percebe que antigamente as pessoas eram mais felizes. A irmã, Maria (dita ‘de Ditinha’), Dalva de Gilsinho, Luzia Dreger, Nice de Edílson, Lurdes do Batista e outras se juntaram para contar como era difícil a vida, mas como se divertiam conversando muito na cata do café, como riam umas com as outras e Maria se lembrou que enquanto colhiam cantavam a mais não poder. E deitaram prosa enquanto batíamos poeira na passeata.
Com alguma freqüência vemos o passado com o olho do sonho. É fácil que estas mulheres se lembrem mais dos momentos mais felizes e percam de vista a labuta dura, as perdas, as dores. No caso em questão Maria de Ditinha que também foi de Carlindo, que morreu no garimpo em uma loca e lá está até hoje, que o buraco não era fácil, pois bem, esta Maria já em outra oportunidade me segredou que não troca o hoje pelo ontem. Até porque, como ela mesma disse, antes não se podia falar nada, só tinha obediência e nada de opinião. Mas ela, sem ter visão romântica do passado, acha (e concordo) que os mais novos não são muito felizes. Conversamos um bocado e na primeira parada da passeata, na casa de D. Luzia dos Gatos, nos Gatos, o tema foi tratado, com a participação de mais alguns presentes. Comentei que na vida o Capão de antigamente era tanta dificuldade que qualquer pouco de coisa era uma festa. Uma oportunidade que fosse, ainda que pequena, era aproveitada. Até tirar café, tarefa árdua, virava uma festa. Hoje, temos televisão, transporte, variegados modelos de roupas, supermercados, comidas diferentes para todos os gostos padronizados no desejo do sal e do açúcar em excesso, enfim, está tudo fácil demais. E quanto mais se tem, mais se deseja. Contei que uma vez atendi um homem que apresentava diversos sintomas físicos desagradáveis, pois andava muito tenso com dinheiro. Perguntei-lhe quanto ganhava e era uma quantidade de dinheiro inacreditável. Perguntei-lhe como ganhando tanto poderia se preocupar com as finanças. Ele me respondeu que tendo muito gastava muitíssimo. Filhos estudando na Europa, viagens aos Estados Unidos, o iate e a lancha, as diversas casas etc. As vezes perdemos a capacidade de alegria quando nos deixamos pendurar pelas nossas posses.
Ao fim conclamei os presentes, alguns idosos outros apenas adultos, que conheceram os tempos difíceis do Vale para ajudarem os jovens a encontrar o valor das coisas; a reverem a benção que é estar vivo, e ainda mais em um lugar como este: O Planeta Terra.
Até a próxima (se não for antes).
E NÃO SE ESQUEÇA: SEXTA-FEIRA É DIA DE MEDICINA DO COTIDIANO AQUI NO BLOG.