Hoje, a manhã ainda estava em projeto quando fui chamado à casa de uma mulher que acabara de parir. Saí e era um silêncio daqueles que você podia colher com a mão. Uma chuva delicada acentuava o frio, e as serras estavam embrulhadas na névoa. Cheguei na casa a mãe estava já com o pequeno no seio, a mulher que a acompanhou durante o parto me explicou que a placenta ainda estava presa. Havia aquele clima de uma certa agitação e calma imposta para que a criança não se assustasse. Era o terceiro filho daquela recém parida, de modo que já conhecia a coisa. A parteira tinha tido uns quatro e acompanhou alguns partos. Parece ser uma pessoa dedicada ao que faz ou quer fazer. Este comentário introduz uma situação aqui do Vale do Capão. Desde que vim morar aqui venho acompanhando os partos das mulheres. Porém, por causa das minhas viagens freqüentes fui obrigado a recusar o partejamento daquelas que não nasceram ou não residem aqui. No início eu apenas explicava que corria o risco de não estar presente. Elas topavam, mas depois me diziam que quando eu não estava era muito sofrimento porque já haviam formado vínculo e só então descobriam que tinham mais do que esperança e a certeza não satisfeita abalavam o parto (já as mulheres nativas têm uma postura mais pragmática. Estando eu, maravilha, não estando é o de sempre). Portanto, logo abandonei esta postura e simplesmente, quando sou procurado recuso; informo que não farei o parto ainda que esteja aqui. Mas correu o boato de que aqui temos parteiras quando na verdade a verdade é que tínhamos parteiras. D. Antônia, que nasceu como eu no dia 17 de janeiro, a grande parteira, morreu faz anos, D. Áurea, que me chama de xará, já está muito velha e começa a recusar o trabalho por falta de condições físicas, o mesmo se deu com D. Maria, filha de D. Antônia cuja saúde a impede de cuidar das parideiras. Das jovens, Nara, bisneta de D. Antônia, demonstra sensibilidade para o parto, mas não tenho plena certeza que queira seguir o rumo feminino da família. Assim sendo não temos parteiras por aqui. Ademais, hoje estamos em tempos outros que os de antanho. Antes a mulher virava parteira porque não tinha outro jeito. A comunidade não dispunha de quem assistisse ao parto com uma formação adequada. Acredito que hoje, para acompanhar o parto já não se justifica uma pessoa sem estudo. O parto em casa é, para mim, o ideal. Estudos realizados na Holanda mostram que é mais confortável para a mulher e menos propenso a infecções (quando bem assistido, claro). No entanto, ou é uma parteira tradicional, ou seja, teve a formação das antigas, guiada no início por uma mulher com experiência, ou estudou e praticou em maternidade. Já fez muitos partos acompanhada por profissionais. Não dá mais para aprender apenas na experiência prática. Mas várias mulheres que se denominam alternativas ou que assim não se classificam, mas querem uma experiência não hospitalar aqui aportam com a idéia de que dispomos de numerosas parteiras e que vão escolher. Isso me preocupa. Algumas destas mulheres estão bem despreparadas, há delas umas que sequer fizeram o pré-natal. Dizem que confiam na natureza, como se morte e dor não fossem também patrimônio natural. Acreditam no poder da mente, como se não nos escondêssemos às vezes em certezas frágeis. Ainda bem que nem todas são assim!
No caso de hoje, a mãe fez o pré-natal, sem falta, embora espanhola, teve o direito de fazer os exames pelo SUS, que é uma das coisas maravilhosas deste país maravilhoso. O parto foi legal e a placenta já havia descolado e saído do útero, foi preciso só uma forcinha para expulsa-la, depois dei uns pontinhos em uma pequena laceração. Caso estivesse fora, coisa freqüente em finais de semana, não sei o que fariam. Isso me preocupa. Não me faz perder o sono, porque sei que não posso resolver os problemas do mundo. Uma mulher em um debate perguntava insistentemente o que fazer se uma outra mulher estivesse parindo – ela se sentia na obrigação de atender. Percebi que ela queria ter o meu aval para cuidar e dessa maneira eu passaria a ser co-responsável pelo processo, inclusive pela divulgação de que aqui é uma Meca de partos lindos e maravilhosos (até o momento em que dê um bode e todos procurarão alguém para crucificar). Disse a ela que eu não estava aqui para responsabilizar-me pelas decisões de outras pessoas, ela não gostou. Hoje uma espanhola pariu uma filha cujo pai é peruano acompanhado por uma australiana. Já moram aqui número suficiente de anos para estarem conscientes da situação. Penso que não convém divulgar ou facilitar a idéia de que estamos, ainda que minimamente, preparados para atender aos sonhos (ou as fantasias) daqueles que aqui aportam, vindos de tantos lugares.
Em 26 de julho de 2009, desejo para todos um bom domingo.
Muito coerente, Dr. Áureo.
ResponderExcluirEu sou uma vítima da parto caseiro. Nasci em casa, a fórceps, e até hoje carrego nos ombros este "peso" pois minha mãe sempre se refere ao meu nascimento como uma coisa dolorosa demais. Graças a Deus um médico veio nos salvar e eu pude nascer.
Vejo um aumento crescente de mulheres sonhando ou fantasiando partos domiciliares desassistidos. Envolvidos em uma atmosfera romântica que sabemos que podem se tornar um pesadelo. Seria ótimo se todos os partos fossem fáceis, rápidos, indolores e fisiológicos. Mas nem sempre será assim. O parto vaginal natural será para muitas porem não para todas.
Continue postando os causos do Capão.
Um abraço
Agradeço pelo seu comentário. Vc viveu uma experiência que outras pessoas devem conhecer.
ResponderExcluirUm beijo,
Aureo