Hoje, após o sepultamento de minha mãe – muito emocionante
dada a capacidade que ela tinha de mobilizar afetos em quem a conhecesse – uma de
minhas filhas comentava comigo o quanto havia sido agradável ouvir das pessoas,
seja em conversas privadas, seja em declarações lançadas aos ouvidos de todos,
durante o velório, casos, notícias, agradecimentos àquela de quem nos
despedíamos.
Para mim também foi maravilhoso e emocionante escutar tanta
coisa linda, sabendo eu que não se tratava de palavras anunciadas como num
bazar de politicagem e sim enviadas do imo de quem as pronunciava. A marca da
singularidade de minha mãe ali estava pautada. Uma mulher cujos defeitos eram o
pobre, parco, fraco marco que contribuíam para o luzir de sua bondade, bom
humor, simplicidade entre tantas outras maravilhas humanas presentes em sua maneira
de habitar o mundo.
E olhando toda aquela gente, parentes, amigos, uns que nunca
vi, mas que manifestavam sua intimidade com ela por exemplos indicativos,
outros cuja presença era constante em sua casa, me dei conta de que a cerimônia
do enterro, não é para os mortos e sim para os vivos.
Claro que me refiro aos enterros onde as pessoas vão porque
se sentem motivados a tanto e não porque são obrigados para atender a demandas
da política, ou da sociedade, mas que não atendem ao coração. Percebo que,
embora tratando-se de uma regra assentada em consuetudinária instituição,
congrega aos amantes e amados de uma dada pessoa. Todos aqueles que dela
auferiram algum tipo de graça (sorrisos, bondades, conselhos, exemplos...) e
que agora vêm-se vazios da sua fonte.
Vazios daquela fonte reafirmam ali a glória que é fazer
parte de uma família – não apenas aquela dos laços de consanguinidade, mas
também a família constituída pelo amor/amizade ao outro – e que nessa família
são bem-vindos.
Naquele momento os órfãos se abraçam auferindo uns dos
outros, força, afeto, suporte psicológico, para seguirem em suas vidas, faltas
da pessoa ausente, mas lembradas da herança presente agora vivida com ares de
eternidade.
Frente à onipresença da Morte, a indelével certeza de que
virá (ou aqui já está), nos reunimos e testemunhamos entre nós a perpetuidade
da vida, não aquela pessoal, habitáculo da personalidade, mas a que se estende
no tempo alimentada por gerações perecíveis. Ensinamo-nos que a experiência da
vida será transferida exemplarmente apesar da temporalidade da existência.
Em 27/5/16 um abraço saudoso.