Estava eu na fila do supermercado de Medinho quando uma turista, atenta à conversa que eu tinha com um nativo comentou que devia ser difícil para nós ver tanta gente “invadindo” o vale neste momento de ano novo. Parei um pouco, porque na realidade isso não me incomoda, e acredito que não incomoda à maioria dos moradores. Como já comentei em outro momento, alguns, como Beli, se aborrecem com o Vale nos períodos em que acorrem poucos visitantes. Isso aqui fica chato – para ela. Quanto a mim, gosto de olhar a praça com as pessoas andando de um lado para outro e os artesões tentando vender desde bugigangas muito vagabundas a adornos de prata ou ouro de elaborada e inspirada forma (obviamente os primeiros vendem mais do que os outros, que, aliás, costumam ser menos ativos vendedores). Gosto com a consciência de que isso não acontece todos os dias e de que logo vou para minha casa, lá no fundo do vale, onde não acontece este movimento todo e o rio me aguarda para um banho tranquilo.
Escrevi o texto acima ontem; hoje cheguei ao trabalho cedo e dei de cara com o lado negativo. A praça suja e cheia de latas de cerveja abandonadas. Restos de comida na porta do posto. Uma cena bem feia. Não pude deixar de pensar que as mesmas pessoas que deixaram tal desordem veem ao Capão para curtir um lugar onde a ecologia é respeitada. Quanta contradição! Todos nós temos algum grau de incoerência, porém é chocante a discrepância entre o discurso ambientalista desses visitantes e o desrespeito que observei. Ou será que pensam que meio ambiente é apenas aquele ao redor das cachoeiras? A rua é meio ambiente também. Aliás, o lixo da rua em algum momento cairá no campo, na mata, no rio...
O lixeiro, notando que eu estava chocado com a sujeira, aproximou-se e me disse que quando ele limpa as festas daqui mesmo, e quando não tem tanto turista, o lixo é bem menor. “Acho que eles ainda não aprenderam”, disse.
Parece que não. Mesmo assim, após a deliciosa chuva bordada de relâmpagos da noite passada, o vale brilhou intensamente com a chegada da luz do dia regalada pelo sol que se espreguiça até agora entre as nuvens. As visitas ainda não acordaram da farra noturna, mas algumas já se esgueiram por entre luzes e sombras de uma manhã que anuncia um dia promissor. Novas levas de pessoas desembarcam das rurais e das vans, olho-as e me deleito.
Recebam um abraço deleitoso de Aureo Augusto.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
ANO NOVO!
Está claro que final de ano (e princípio) é coisa estabelecida por nós. É um pacto. Por isso mesmo acho maravilhoso! A humanidade de quando em vez concorda consigo mesma e no mundo inteiro as pessoas acabam por festejar momentos como se estes fossem determinações divinas, mas que resultam das construções de nossa própria inteligência. Definimos, por exemplo, aqui no Ocidente (coisa que se estendeu por outras áreas do orbe) que existe um dia ao qual denominamos 31 de dezembro, onde ocorre uma virada, na qual se acaba um ano. De tanto fazer acaba por ser.
Aqui estamos nós, na USF onde trabalho, nos reunindo, fechando o ano de 2011, planejando o próximo ano, vendo quais os temas mais prementes para palestras, cursos, ações e um bocado de outras coisas. Também estamos olhando as gavetas, retirando delas os restos dos dias que não foram usados e que deverão encontrar o lixo para não atravancar a chegada de novos momentos. Já fizemos a confraternização de final de ano, quando o amigo secreto desta vez teve como característica que todos deveriam trazer como presente apenas canecas. Foi muito interessante. Como sempre rimos bastante. Parece que o tempo se encurta quando pensamos no passado.
No ano passado no dia de hoje estava com meu pai na UTI, acompanhando-o em seu fenecer até que se foi no dia 30. Por isso, no seio da família havia uma dúvida quanto a se iríamos ou não este ano fazer o amigo secreto familiar. Felizmente fizemos e minha mãe ficou bem; apesar da saudade foi um momento de grande alegria para todos. Em alguma medida senti que meu pai ficou contente porque estávamos ali mais uma vez juntos, como sempre, na maior chalaça entremeada (por heroísmo de Marizé, minha irmã mais velha) de alguns momentos de oração e meditação. Minha família é bem rica em tipos humanos variados, complexos, cômicos, peculiares e ademais, atrai pessoas interessantes que se agregam ao núcleo como se fosse da família de tal forma que acaba sendo, de modo que vale a pena ficar olhando a turma nas raras vezes em que se reúne. Como qualquer família temos problemas, mas olhando para os anos que findaram vejo o quanto importa saber que temos um passado comum.
Aliás, temos um passado comum nós todos, gente humana e o comungamos com as demais gentes do planeta, como o povo árvore, a gente cavalo ou onça, gente de todo tipo e muitas variedades, mas das quais dependemos e que de nós dependem em maior ou menor medida.
Aqui, em um pequeno posto de saúde de um pequeno lugarejo de uma pequena cidade no centro da Bahia, as pessoas estão lembrando que finda um ciclo no nascer de um novo tempo. O mundo inteiro, que já é tão velho, acaba por ganhar um novo sabor, apenas porque quisemos que assim o fosse. Queiramos mais e sempre de bom!
Recebam um abraço novo de Aureo Augusto.
Aqui estamos nós, na USF onde trabalho, nos reunindo, fechando o ano de 2011, planejando o próximo ano, vendo quais os temas mais prementes para palestras, cursos, ações e um bocado de outras coisas. Também estamos olhando as gavetas, retirando delas os restos dos dias que não foram usados e que deverão encontrar o lixo para não atravancar a chegada de novos momentos. Já fizemos a confraternização de final de ano, quando o amigo secreto desta vez teve como característica que todos deveriam trazer como presente apenas canecas. Foi muito interessante. Como sempre rimos bastante. Parece que o tempo se encurta quando pensamos no passado.
No ano passado no dia de hoje estava com meu pai na UTI, acompanhando-o em seu fenecer até que se foi no dia 30. Por isso, no seio da família havia uma dúvida quanto a se iríamos ou não este ano fazer o amigo secreto familiar. Felizmente fizemos e minha mãe ficou bem; apesar da saudade foi um momento de grande alegria para todos. Em alguma medida senti que meu pai ficou contente porque estávamos ali mais uma vez juntos, como sempre, na maior chalaça entremeada (por heroísmo de Marizé, minha irmã mais velha) de alguns momentos de oração e meditação. Minha família é bem rica em tipos humanos variados, complexos, cômicos, peculiares e ademais, atrai pessoas interessantes que se agregam ao núcleo como se fosse da família de tal forma que acaba sendo, de modo que vale a pena ficar olhando a turma nas raras vezes em que se reúne. Como qualquer família temos problemas, mas olhando para os anos que findaram vejo o quanto importa saber que temos um passado comum.
Aliás, temos um passado comum nós todos, gente humana e o comungamos com as demais gentes do planeta, como o povo árvore, a gente cavalo ou onça, gente de todo tipo e muitas variedades, mas das quais dependemos e que de nós dependem em maior ou menor medida.
Aqui, em um pequeno posto de saúde de um pequeno lugarejo de uma pequena cidade no centro da Bahia, as pessoas estão lembrando que finda um ciclo no nascer de um novo tempo. O mundo inteiro, que já é tão velho, acaba por ganhar um novo sabor, apenas porque quisemos que assim o fosse. Queiramos mais e sempre de bom!
Recebam um abraço novo de Aureo Augusto.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
MÉDICO NÃO PRESTA?
Trata-se de uma senhora muito agradável. Queridíssima por todos no Vale do Capão. Comerciante daquelas que sempre dizem que a situação está difícil (mesmo que todos saibam que está vendendo bem), sabe lucrar com um sorriso feliz e sincero. Gosto muito dela e sempre conversamos bastante. Eu a chamo de menina. Em resposta me trata por menino moleque. Ela é boa para os chás e sempre foi uma pessoa saudável. Nunca precisou de médico e, não consegue entender bem porque outras pessoas dele necessitam. Como desconhece a doença, não a reconhece no outro.
Vai daí que, por não ter papas na língua, quando alguém fica doente, diz na tampa que aquela pessoa não deveria ter ido internar-se, pois os médicos não passam de charlatães que fingem cuidar, mas estão tão somente se locupletando com o dinheiro dos clientes. Ela não é agressiva nesta mensagem, em parte verdadeira, reconheçamos, mas é insistente. O interessante é que tem grande consideração por mim, embora faça parte da classe que ela abomina. Tinha um filho que vivia em São Paulo e passou por grave problema de saúde. Ela o fez vir de lá para que comigo se consultasse. Não o pude ajudar, pois estava com um quadro muito grave, derivado do tipo de trabalho que exercia e carecia mesmo de internamento. Faleceu, para nossa tristeza. Foi um desses casos em que a empresa (aliada ao médico da mesma) mascarou muito bem o que ocorreu e a vítima foi a vítima e pronto! Tal fato só serviu para reforçar o desprezo que já sentia pelos médicos e pela medicina. Por isso nunca se interessa em vir ao posto, nunca faz exames. Raramente verifica a pressão que sempre está normal.
Ontem, domingo, estava na igreja (é evangélica) e começou a passar mal. O quadro piorou rapidamente e em dado momento todos acreditaram que estava morrendo. Renilde, funcionária do posto que também é evangélica, estava presente e me telefonou pedindo ajuda. Disse que a levasse ao posto e segui incontinenti para lá. Para resumir a história, teve uma crise hipertensiva espantosa. Tratei-a e aos poucos foi recompondo-se. Em cerca de três horas e meia já havia voltado ao seu estado normal. Depois tive que convencê-la a ir para o hospital onde seria submetida a exames. Acabou por ceder.
Ela já conta com 88 anos. Sua neta lhe afagava, preocupada, os belíssimos cabelos completamente brancos. Enquanto observava-lhe as rugas desenhadas dignamente no rosto, pensei que sempre temos algo a aprender desimportando a idade. Agora, já idosa, ela, que tem excelente autoestima, que é autônoma, inteligente, dona de si etc. que é um poço de sabedoria onde os vizinhos veem servir-se diuturnamente, está agora sendo desafiada a abrir mão do preconceito contra a medicina. Afinal, no transe em que se meteu, lancei mão de medicações que lhe tiraram da crise. Não importa o que faça depois. Pode optar por um tratamento natural, e sua saúde estará preservada, mas naquele momento crítico, as medicações foram de grande valia.
Para alguns que por aqui vivem, apenas o que vem de Deus tem valor, enquanto aquilo que provém da inteligência humana não merece crédito. Como se havendo um Deus que a tudo criou, deste tudo não participasse a inteligência humana. Interessante como costumamos excluir para nos sentirmos donos de nós mesmos, como nos opomos como forma de nos identificarmos a nós mesmos. Tal conduta centra-se sobre falsas bases. Ao ser humano cabe ser inteiro e esta inteireza tão patente nesta senhora, solicita dela agora um acrescento, para que paradoxalmente a inteireza seja mais inteira. É assim que crescemos e para crescer não importa a idade.
Recebam um abraço aprendiz de Aureo Augusto em 12/12/11 (assim que a luz volte, pois a tempestade de ontem à noite detonou a eletricidade posto esta mensagem).
Vai daí que, por não ter papas na língua, quando alguém fica doente, diz na tampa que aquela pessoa não deveria ter ido internar-se, pois os médicos não passam de charlatães que fingem cuidar, mas estão tão somente se locupletando com o dinheiro dos clientes. Ela não é agressiva nesta mensagem, em parte verdadeira, reconheçamos, mas é insistente. O interessante é que tem grande consideração por mim, embora faça parte da classe que ela abomina. Tinha um filho que vivia em São Paulo e passou por grave problema de saúde. Ela o fez vir de lá para que comigo se consultasse. Não o pude ajudar, pois estava com um quadro muito grave, derivado do tipo de trabalho que exercia e carecia mesmo de internamento. Faleceu, para nossa tristeza. Foi um desses casos em que a empresa (aliada ao médico da mesma) mascarou muito bem o que ocorreu e a vítima foi a vítima e pronto! Tal fato só serviu para reforçar o desprezo que já sentia pelos médicos e pela medicina. Por isso nunca se interessa em vir ao posto, nunca faz exames. Raramente verifica a pressão que sempre está normal.
Ontem, domingo, estava na igreja (é evangélica) e começou a passar mal. O quadro piorou rapidamente e em dado momento todos acreditaram que estava morrendo. Renilde, funcionária do posto que também é evangélica, estava presente e me telefonou pedindo ajuda. Disse que a levasse ao posto e segui incontinenti para lá. Para resumir a história, teve uma crise hipertensiva espantosa. Tratei-a e aos poucos foi recompondo-se. Em cerca de três horas e meia já havia voltado ao seu estado normal. Depois tive que convencê-la a ir para o hospital onde seria submetida a exames. Acabou por ceder.
Ela já conta com 88 anos. Sua neta lhe afagava, preocupada, os belíssimos cabelos completamente brancos. Enquanto observava-lhe as rugas desenhadas dignamente no rosto, pensei que sempre temos algo a aprender desimportando a idade. Agora, já idosa, ela, que tem excelente autoestima, que é autônoma, inteligente, dona de si etc. que é um poço de sabedoria onde os vizinhos veem servir-se diuturnamente, está agora sendo desafiada a abrir mão do preconceito contra a medicina. Afinal, no transe em que se meteu, lancei mão de medicações que lhe tiraram da crise. Não importa o que faça depois. Pode optar por um tratamento natural, e sua saúde estará preservada, mas naquele momento crítico, as medicações foram de grande valia.
Para alguns que por aqui vivem, apenas o que vem de Deus tem valor, enquanto aquilo que provém da inteligência humana não merece crédito. Como se havendo um Deus que a tudo criou, deste tudo não participasse a inteligência humana. Interessante como costumamos excluir para nos sentirmos donos de nós mesmos, como nos opomos como forma de nos identificarmos a nós mesmos. Tal conduta centra-se sobre falsas bases. Ao ser humano cabe ser inteiro e esta inteireza tão patente nesta senhora, solicita dela agora um acrescento, para que paradoxalmente a inteireza seja mais inteira. É assim que crescemos e para crescer não importa a idade.
Recebam um abraço aprendiz de Aureo Augusto em 12/12/11 (assim que a luz volte, pois a tempestade de ontem à noite detonou a eletricidade posto esta mensagem).
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
VISITA DA JARARACA
As jararacas são cobras muito tranquilas. Pergunto-me se tal tranquilidade decorre da certeza que lhe traz a poderosa peçonha. Parece-me que as cobras não peçonhentas costumam ser mais agressivas, ou nervosas. Hoje Diu estava roçando aqui em casa com uma destas máquinas modernas com dois fiozinhos que cortam tudo bem rápido e barulhento. De repente ele parou o serviço e me chamou porque se preocupou com a possibilidade de haver ferido uma serpente. Diu é um jovem nativo muito agradável. Capoeirista, jardineiro, pedreiro, tudo que faz, faz direito. Também no circo faz malabarismo, contorcionismo e ensina às crianças. É uma pessoa bem especial. Tem cuidado com a natureza e não lhe agrada ferir animais. Daí que me chamou para ver a cobra. Ao chegar ele me disse que ela estava um pouco nervosa, mas notei que não se colocara em posição de dar o bote. Semiescondida pelas folhas divisava-se parte do rabo e a cabeça com a língua bífida experimentando o ar. Aproximei-me e lhe fiz um pouco de cafuné. Ficou bem tranquila e pude pega-la logo abaixo da cabeça. Então levei para bem longe no mato para que não corresse o risco de ferir ou ser ferida por gente humana. Quando a joguei a certa distância ali ficou bem tranquila observando e lambendo o vento. As jararacas são cobras tranquilas.
Há muito tempo caminhando pelo mato com um amigo encontrei uma serpe descansando nos galhos de um arbusto. Trazia comigo minha faca que é bem pesada. Comentei com ele que poderia matar a cobra com facilidade, mas que não era esta a minha intenção já que não convém matar ninguém. Seguimos viagem. No dia seguinte fui limpar umas bananeiras e em um certo momento alguém me alertou que estava pisando em uma jararaca. O pobre animal fazia um tremendo esforço para escapar, mas não fez menção de me morder. Comentei com o mesmo amigo que estava comigo no dia anterior, que naquele então eu havia tido a vida de uma cobra em minhas mãos, mas agora uma cobra me havia poupado. Coincidência. Será?
Gosto dos animais, embora não tenha prazer em cria-los. Agrada-me velos soltos, pelo mundo, cuidando de si. Tenho especial apreço pelas cobras que me parecem animais sumamente interessantes e tenho notado que têm cada uma suas próprias maneiras e personalidades. Têm seu jeito. Algumas orgulhosas, outras exalam um poder (como as cascavéis). A cainana é bem nervosinha, aproximar-se dela é difícil e até mesmo é assustadiça. A cobra verde não peçonhenta se aborrece fácil e a cabeça de capanga tem um certo orgulho da fama. Há poucos dias dei de cara com uma jararaca tranquilamente nos degraus da escada dentro de casa. Por sorte acendi a luz (algumas vezes gosto de andar no escuro como exercício neuróbico) e dei com ela que ficou muito agoniada a pobre ao ser pilhada na casa dos outros. Tão agoniada que ficou difícil pegar ela, mas acabei por conseguir e a deixei em local seguro.
Bom, não pensem que o Capão é particularmente rico em cobras. Na verdade aparecem poucas aqui em casa. A que mais aparece é uma cainana, que não é venenosa e tem o costume de comer outras cobras. Hoje quis partilhar estas notícias com vocês por causa da jararaca de Diu.
Recebam um abraço serpentiforme de Aureo Augusto em 8/12/11.
Há muito tempo caminhando pelo mato com um amigo encontrei uma serpe descansando nos galhos de um arbusto. Trazia comigo minha faca que é bem pesada. Comentei com ele que poderia matar a cobra com facilidade, mas que não era esta a minha intenção já que não convém matar ninguém. Seguimos viagem. No dia seguinte fui limpar umas bananeiras e em um certo momento alguém me alertou que estava pisando em uma jararaca. O pobre animal fazia um tremendo esforço para escapar, mas não fez menção de me morder. Comentei com o mesmo amigo que estava comigo no dia anterior, que naquele então eu havia tido a vida de uma cobra em minhas mãos, mas agora uma cobra me havia poupado. Coincidência. Será?
Gosto dos animais, embora não tenha prazer em cria-los. Agrada-me velos soltos, pelo mundo, cuidando de si. Tenho especial apreço pelas cobras que me parecem animais sumamente interessantes e tenho notado que têm cada uma suas próprias maneiras e personalidades. Têm seu jeito. Algumas orgulhosas, outras exalam um poder (como as cascavéis). A cainana é bem nervosinha, aproximar-se dela é difícil e até mesmo é assustadiça. A cobra verde não peçonhenta se aborrece fácil e a cabeça de capanga tem um certo orgulho da fama. Há poucos dias dei de cara com uma jararaca tranquilamente nos degraus da escada dentro de casa. Por sorte acendi a luz (algumas vezes gosto de andar no escuro como exercício neuróbico) e dei com ela que ficou muito agoniada a pobre ao ser pilhada na casa dos outros. Tão agoniada que ficou difícil pegar ela, mas acabei por conseguir e a deixei em local seguro.
Bom, não pensem que o Capão é particularmente rico em cobras. Na verdade aparecem poucas aqui em casa. A que mais aparece é uma cainana, que não é venenosa e tem o costume de comer outras cobras. Hoje quis partilhar estas notícias com vocês por causa da jararaca de Diu.
Recebam um abraço serpentiforme de Aureo Augusto em 8/12/11.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
O LUGAR DAS PARTEIRAS
Este texto foi primeiramente foi posto em outro blog dedicado às parteiras, há já algum tempo. Agora quero partilhar com vcs:
Diz a Bíblia que o faraó queria matar os recém nascidos hebreus do seu reino. Deu ordem às parteiras do Egito que na medida em que as filhas de Israel parissem, eliminassem seus rebentos. Porém elas não o fizeram, alegando que aquelas mulheres pobres, quando chegava o momento de parir se agachavam e tinham seus filhos sozinhas. Quando elas chegavam já era tarde.
Esta história nos traz dois pontos a considerar:
O primeiro nos fala de como é que se faz para parir melhor. Agachadas as mulheres têm seus filhos com mais facilidade. Mas também nos diz que pode ser que aquelas heróicas parteiras (como são heróicas todas as parteiras de verdade), coligadas com a vida e não com o crime, desobedeceram ao cruel senhor. As parteiras são e sempre foram uma luz para quem dá a luz.
Há muito tempo fui convidado pelo pessoal da Comunidade Taizé em Alagoinhas a participar de um encontro de parteiras. Foi uma experiência tremendamente gratificante para mim, à época ainda jovem (isso mostra que foi há realmente muito tempo). Tínhamos outros profissionais da saúde no encontro e as parteiras estavam um pouco inibidas. Quando chegou minha hora de falar, contei que ali mesmo em Alagoinhas, inda estudante, e trabalhando na maternidade, havia pedido à enfermeira que levasse uma parturiente para a sala de parto. A enfermeira deixou-a por uns instantes para atender a alguns afazeres e demorei-me a chegar na sala porque no caminho tive que matar uma barata e uma gigantesca aranha caranguejeira (foi em outra época, tenho esperança que aquela maternidade esteja muito melhor). Quando cheguei na sala, a mulher estava sobre a mesa de parto, porém de cócoras. Na minha absurda ignorância repreendi-a e fiz com que se deitasse para parir. Ela, até aquele momento, sempre parira em casa, acompanhada por parteiras (que também já haviam parido e sabiam a melhor posição); ademais era lavadeira, destas que ficam acocoradas na beira do rio. Quando mais tarde tomei conhecimento do trabalho de Moisés Pacyornik, Michel Odent, Fredéric Leboyer, entre outros, e mudei radicalmente minha visão de parto, foi que percebi como a ignorância pode se revestir de conhecimento e poder. Quando contei esta história e falei que fazia parto em casa e de cócoras, elas se entusiasmaram e deitaram língua para comentar suas experiências. Aí nós, aqueles que aprenderam nas faculdades, aprendemos também.
Sim, na faculdade nós aprendemos a pensar cientificamente, o que levou a um progresso na medicina realmente extraordinário, mas muitas vezes, ou quase sempre, nos esquecemos que o pensamento científico centra-se no fato de que ignoramos. A palavra ‘científico’, como assinala Karl Popper (in Conjecturas e Refutações), tem sido confundida erroneamente com ‘verdadeiro’. Este epistemólogo nos diz que uma coisa pode ser científica e falsa (ou verdadeira) e pode ser não científica e verdadeira (ou falsa). Mas nós, uma vez que rotulamos como científico, uma vez que entendemos que uma determinada premissa atende aos rituais analíticos deve ser vista como verdade. E nem notamos que após novos estudos aquela verdade deve ser revista. Poucos são honestos e responsáveis como o Dr. Caldeiro y Barcia, notável obstetra uruguaio que descobriu a vantagem da amniotomia no aceleramento do trabalho de parto, divulgou seus resultados (no que foi celebrado), mas que depois anunciou que embora acelere o parto, a amniotomia aumenta a possibilidade de sofrimento fetal. Este obstetra sabe que ciência é uma construção perene, nunca um edifício acabado. Por isso, nós, aqueles que freqüentamos a universidade devemos escutar às parteiras e suas inúmeras experiências com o mesmo sentido e cuidado com que elas nos escutam (pois tenho visto elas nos escutarem atentas).
As parteiras tradicionais navegam na perenidade de sua experiência. Elas têm sobre os obstetras (principalmente os machos) a grande vantagem de que, regra geral, já pariram. Por outro lado, sua formação é muito íntima. Vivem com suas mestras, labutam com elas diuturnamente em sua tarefa. Quase sempre uma parteira tradicional foi chamada a labutar nesta seara, por necessidade da comunidade somada a ter alguma relação com uma outra parteira, que pode ter sido sua mãe, tia ou avó. É uma formação continuada com a passagem da informação boca/ouvido e observação dos atos no momento mesmo de sua execução. Uma iniciação.
Tais conhecimentos tradicionais são obviamente passíveis de melhoria. O pensamento científico pode contribuir significativamente na melhoria do trabalho das parteiras e, na via inversa, nós, médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, devemos aprender de suas vivências. Mas entendam, não apenas aquilo que represente técnica adotável em uma linha de pensamento racionalista. Isso é importante, mas há algo mais: Há uma maneira de associar os fenômenos, de entender as coisas. Foucault comenta algo assim (in Microfísica do Poder), que temos em nosso mundo duas maneiras de buscar a verdade, uma, aquela cartesiana que vai cercando a realidade através exaustivos experimentos, e outra com distinta conformação ritual, que tocaia a verdade pela intuição e acessa a ela por meio da identificação. Não entende o objeto de estudo como a parte e sim como sendo o observador e observado algo único. A sociedade humana evoluiu muito quando resolveu estudar o objeto como algo à parte, mas hoje percebemos que o método merece ser apoiado por outro onde sujeito e objeto se imiscuem. As parteiras são um bom exemplo disso. E podem nos ajudar nisso. Até porque conquanto possam ser vistas como objetos de estudos, a parturiente não tem nada de objeto, elas são sujeito do processo.
Recebam um abraço recém nascido de Aureo Augusto
Diz a Bíblia que o faraó queria matar os recém nascidos hebreus do seu reino. Deu ordem às parteiras do Egito que na medida em que as filhas de Israel parissem, eliminassem seus rebentos. Porém elas não o fizeram, alegando que aquelas mulheres pobres, quando chegava o momento de parir se agachavam e tinham seus filhos sozinhas. Quando elas chegavam já era tarde.
Esta história nos traz dois pontos a considerar:
O primeiro nos fala de como é que se faz para parir melhor. Agachadas as mulheres têm seus filhos com mais facilidade. Mas também nos diz que pode ser que aquelas heróicas parteiras (como são heróicas todas as parteiras de verdade), coligadas com a vida e não com o crime, desobedeceram ao cruel senhor. As parteiras são e sempre foram uma luz para quem dá a luz.
Há muito tempo fui convidado pelo pessoal da Comunidade Taizé em Alagoinhas a participar de um encontro de parteiras. Foi uma experiência tremendamente gratificante para mim, à época ainda jovem (isso mostra que foi há realmente muito tempo). Tínhamos outros profissionais da saúde no encontro e as parteiras estavam um pouco inibidas. Quando chegou minha hora de falar, contei que ali mesmo em Alagoinhas, inda estudante, e trabalhando na maternidade, havia pedido à enfermeira que levasse uma parturiente para a sala de parto. A enfermeira deixou-a por uns instantes para atender a alguns afazeres e demorei-me a chegar na sala porque no caminho tive que matar uma barata e uma gigantesca aranha caranguejeira (foi em outra época, tenho esperança que aquela maternidade esteja muito melhor). Quando cheguei na sala, a mulher estava sobre a mesa de parto, porém de cócoras. Na minha absurda ignorância repreendi-a e fiz com que se deitasse para parir. Ela, até aquele momento, sempre parira em casa, acompanhada por parteiras (que também já haviam parido e sabiam a melhor posição); ademais era lavadeira, destas que ficam acocoradas na beira do rio. Quando mais tarde tomei conhecimento do trabalho de Moisés Pacyornik, Michel Odent, Fredéric Leboyer, entre outros, e mudei radicalmente minha visão de parto, foi que percebi como a ignorância pode se revestir de conhecimento e poder. Quando contei esta história e falei que fazia parto em casa e de cócoras, elas se entusiasmaram e deitaram língua para comentar suas experiências. Aí nós, aqueles que aprenderam nas faculdades, aprendemos também.
Sim, na faculdade nós aprendemos a pensar cientificamente, o que levou a um progresso na medicina realmente extraordinário, mas muitas vezes, ou quase sempre, nos esquecemos que o pensamento científico centra-se no fato de que ignoramos. A palavra ‘científico’, como assinala Karl Popper (in Conjecturas e Refutações), tem sido confundida erroneamente com ‘verdadeiro’. Este epistemólogo nos diz que uma coisa pode ser científica e falsa (ou verdadeira) e pode ser não científica e verdadeira (ou falsa). Mas nós, uma vez que rotulamos como científico, uma vez que entendemos que uma determinada premissa atende aos rituais analíticos deve ser vista como verdade. E nem notamos que após novos estudos aquela verdade deve ser revista. Poucos são honestos e responsáveis como o Dr. Caldeiro y Barcia, notável obstetra uruguaio que descobriu a vantagem da amniotomia no aceleramento do trabalho de parto, divulgou seus resultados (no que foi celebrado), mas que depois anunciou que embora acelere o parto, a amniotomia aumenta a possibilidade de sofrimento fetal. Este obstetra sabe que ciência é uma construção perene, nunca um edifício acabado. Por isso, nós, aqueles que freqüentamos a universidade devemos escutar às parteiras e suas inúmeras experiências com o mesmo sentido e cuidado com que elas nos escutam (pois tenho visto elas nos escutarem atentas).
As parteiras tradicionais navegam na perenidade de sua experiência. Elas têm sobre os obstetras (principalmente os machos) a grande vantagem de que, regra geral, já pariram. Por outro lado, sua formação é muito íntima. Vivem com suas mestras, labutam com elas diuturnamente em sua tarefa. Quase sempre uma parteira tradicional foi chamada a labutar nesta seara, por necessidade da comunidade somada a ter alguma relação com uma outra parteira, que pode ter sido sua mãe, tia ou avó. É uma formação continuada com a passagem da informação boca/ouvido e observação dos atos no momento mesmo de sua execução. Uma iniciação.
Tais conhecimentos tradicionais são obviamente passíveis de melhoria. O pensamento científico pode contribuir significativamente na melhoria do trabalho das parteiras e, na via inversa, nós, médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, devemos aprender de suas vivências. Mas entendam, não apenas aquilo que represente técnica adotável em uma linha de pensamento racionalista. Isso é importante, mas há algo mais: Há uma maneira de associar os fenômenos, de entender as coisas. Foucault comenta algo assim (in Microfísica do Poder), que temos em nosso mundo duas maneiras de buscar a verdade, uma, aquela cartesiana que vai cercando a realidade através exaustivos experimentos, e outra com distinta conformação ritual, que tocaia a verdade pela intuição e acessa a ela por meio da identificação. Não entende o objeto de estudo como a parte e sim como sendo o observador e observado algo único. A sociedade humana evoluiu muito quando resolveu estudar o objeto como algo à parte, mas hoje percebemos que o método merece ser apoiado por outro onde sujeito e objeto se imiscuem. As parteiras são um bom exemplo disso. E podem nos ajudar nisso. Até porque conquanto possam ser vistas como objetos de estudos, a parturiente não tem nada de objeto, elas são sujeito do processo.
Recebam um abraço recém nascido de Aureo Augusto
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