Tive a honra de ser convidado para falar na abertura do Projeto Gestar em Seabra e assim partilhei uma noite com Braulino Peixoto. Ele fez uma palestra tocante e que nos fez pensar e também fiz a minha, cujo texto aí está:
SAÚDE FUTURA
Por
onde devemos começar quando pensamos na semeadura do futuro? Com certeza
podemos nos perguntar como queremos este futuro. Acredito que as frases batidas
e repetidas quase mecanicamente expressam o nosso real desejo: Feliz Ano Novo!
Para vocês desejo feliz ano novo! Simples assim. Queremos que o próximo momento
seja feliz.
Quando
uma ameba entra em contato em seu ambiente com algo irritante ela daí se
afasta. As raízes das árvores, no escuro úmido da terra, desenvolvem-se na
direção das mais ricas fontes de nutrientes. Os cachorros e os gatos querem
encher as barrigas e se deitam relaxados e... felizes, “quentando” o sol após
sentirem cheios seus estômagos.
Não
somos diferentes dos demais seres, nós, seres humanos, também buscamos o
prazer, a felicidade, enfim, estados aprazíveis de estar no mundo. Porém, nós
os seres humanos temos crenças. E, tais crenças frequentemente são para nós
mais importantes do que qualquer dado inequívoco da realidade. Vai daí que
subordinamos o existir a uma sequência cuidadosamente elaborada de situações
complicantes capazes de afastar aquele feliz
ano novo. Conto uma história recente:
A
moça chegou no consultório do posto um pouco desesperada porque transou sem camisinha (foram suas
palavras). Descobri com as perguntas que o rapaz era desconhecido. Ela estava carente (disse). Só pra saber, pois sou
um tipo curioso, perguntei se havia acabado a carência, mas ela me disse que
depois do ato a carência ficou esquecida, pois agora estava preocupada com
outras coisas (como doenças venéreas, por exemplo). Somos seres extraordinários
em nossa competência de substituir merda por bosta! Ela encontrou um bom método
de não se sentir mais carente. Mas mais infeliz! Depois me contou que o mundo é complicado (também copio o que
falou). Acredito, já que sou bem crédulo como podem testemunhar aqueles que me
conhecem de perto.
Já
fiz mais besteira em minha vida do que todas pessoas que estão na primeira
fileira desta sala somadas, e vou fazer mais, por isso não critico a moça.
Porém, coube a mim, naquele instante (e já que era procurado por ela para
aconselhamento) tratar o fato para além de uma possível (e desagradável) doença
venérea. Acontece que ela realmente não tem uma gota de amor por si. Gosto de
estar com as pessoas que amo. Parece que isso faz parte de um atavismo
gregarista da espécie humana e, é sobre isso que quero que conversemos hoje,
dentro desta coisa de Feliz Ano Novo.
Dizia
que gosto de estar perto de quem amo. Quando estou sozinho, o padrão é estar
particularmente feliz. O corolário das duas afirmações é lógico:
A:
gosto de estar com quem amo.
B:
gosto de estar só.
C:
Amo a mim mesmo (A≈B e B≈C => A≈C)
Mas
esse negócio de amar é complicado, diria aquela cliente. E é mesmo. Não sei
vocês, mas eu tive que labutar para olhar para o mundo com prazer. Felicidade
pode ser uma falácia. Não dá para ser feliz sem olhar-se com um mínimo de
carinho para si. E não adianta colocar substitutos tais como: festas e farras,
dependência de amigos, trabalho, vagabundagem, riqueza, comida, pobreza, vitimização,
política, poder e coisas assim. O buraco que abrimos na relação de nós conosco
mesmos não será sequer minimizado por estas coisas.
Gosto
de ter dinheiro dentro do bolso, pelo menos R$50,00. Andar de bolso vazio é bem
chato. Também amo ir pro trabalho e ali exercer a minha competência para
atividade, mas se não houver amor (Paulo
aos Coríntios) a coisa não rola. Claro que não acho que podemos ser felizes sem
nenhum dinheiro, com fome e frio e cheios de amor pra dar... mas se não houver
amor...
Podemos
criar para o futuro um mundo de obrigações, um mundo de deveres. Ou (e acho bem
melhor) cuidar de que o futuro nos brinde com responsabilidades às quais
respondamos – como o nome indica – com alegria e competência e poderia dizer
com a competência da alegria.
Pode
parecer estranho, mas este é um primeiro passo para a saúde, buscando um Feliz Ano Novo ou um futuro melhor. Por
isso pensemos em cuidar de nós mesmos com carinho. Busquemos o prazer, mas
tenhamos o cuidado de que o prazer que escolhemos não nos represente problemas
futuros. Quando gosto muito de feijoada completa com toicinho e mocotó, pelo
menos posso cuidar de não comer isso com demasiada frequência já que sei
(sabemos) que não é bom para a digestão, para a circulação etc. Outrossim, façamos
atividade física e mental. Há que mover o esqueleto, na dança, na roça, na
caminhada, machado ou enxada. Desafiar a mente. Jogar longe de si a preguiça de
não aprender coisas novas. Eliminar a rotina sem perder a disciplina... Algumas
coisas há a fazer, mas sem esquecer o prazer de fazê-las. Não esquecer que cada
ato é estético, ou seja, repercute em nós (e no outro).
O
psicólogo Abraham Maslow estudou as pessoas felizes. É muito interessante o
fato de que nós os que cuidamos da saúde estudamos muito mais a doença do que a
saúde. Isso é algo parecido a apontar a pedrada para a jaca quando queremos
derrubar uma manga (melhor seria usar um corrupichel!). Maslow seguiu outra
direção: procurou os felizes e descobriu que esta turma consegue unir de forma
satisfatória o egoísmo com o altruísmo. Ou seja, são pessoas que se comprazem
em ajudar aos demais, gostam de trabalhos comunitários, estão prontos para
reduzir o peso das outras pessoas, mas têm claridade quanto ao que querem da
vida, do prazer a receber e não abrem mão de lutar pelo que consideram próprio.
Somos
individualidades e não há mais como abrir mão disso. Mas também somos parte de
um todo, somos divíduos (termo usado por Joseph Campbel). Você quer que seu ano
próximo seja melhor? Você quer que seu futuro possa ser feliz? Então leve em
consideração o fato de que
1.
Não
há possibilidade de estar fora do mundo, à parte, algo destacado, longe. Toda
atitude que tomamos repercute no mundo natural, assim como tudo aquilo que
acontece lá fora nos atinge a nós, como
parte deste pseudo lá fora. Nós temos uma responsabilidade com o planeta, com o
Universo, com a sociedade. Os cadeados nas portas nos protegem dos ladrões, mas
em quanto nós contribuímos para que aconteçam ladrões? Viver no Vale do Capão
me garante ar puro, mas por quanto tempo? Quando a devastação do meio natural
para satisfazer o meu egoísmo chegará à barra da minha porta? Não estamos lá,
somos aqui.
2.
Somos
uma equipe. Nós e aquilo que chamamos de restante de todas as coisas, na
verdade somos uma equipe que funciona integradamente para que a vida siga em
frente. Mas, de maneira mais limitada, aqui no mundinho de nossos trabalhos, na
vida comum, somos uma equipe. Sou médico, mas não posso trabalhar sem as
pessoas que secundam minha ação e vice-versa. Certa feita escutei a história de
um famoso palestrante norte-americano. Ele havia sido aviador e seu avião foi
abatido no Vietnã. Sofreu o pão que o diabo amassou, mas foi resgatado e a
partir desta experiência passou a fazer palestras muito apreciadas sobre
superação. Um dia estava em um restaurante e um sujeito veio até ele, por tê-lo
reconhecido. Comentou que o admirava muito, escutava suas palestras e lia seus
livros. Disse também que tinha sido seu colega em um porta-aviões da marinha
dos EEUU. O palestrante perguntou-lhe o que ele fazia e o humilde interlocutor
disse que ele era quem lhe dobrava o paraquedas. De repente o cara se deu conta
de que aquele sujeito ali na sua frente lhe havia salvo a vida pois cuidara do
seu paraquedas sem o qual morreria quando da queda do avião. Ninguém pense que
pode viver só. A comida na mesa aqui chegou por conta de inúmeras mãos
anônimas. Assim todas as atividades em que nos metemos.
Aqui
me vem à lembrança uma frase proferida por Jesus Cristo.
Certa
feita lhe perguntaram (v. Mateus XXII, 36 a 40) qual era o maior de todos os
mandamentos. Ele respondeu que era Amar a Deus Sobre Todas as Coisas e
completou “e o segundo, semelhante a este é Amarás
o teu próximo como a ti mesmo”. Vejam que coisa interessante! Ele compara e
equipara o amor a Deus ao amor que devemos ter pelo próximo. E reafirma que
devemos amar ao próximo como a si mesmo. Não é colocar o outro acima nem
abaixo, entenda-se. Em realidade só amo ao outro na medida em que sou capaz de
amar a mim mesmo, senão a coisa fica meio na obrigação. Fazer o bem sem sentir
alegria, é como dar um tiro no próprio pé. Penso que esta fala de Jesus é
científica e isso está claro quando hoje entendemos que o mundo é um vasto
ecossistema.
Pois
bem, penso que este é o grande mote para o próximo ano. A Humanidade está se
encaminhando para a constatação de que o individualismo enquanto degeneração da
nossa consciência da individualidade perde-nos de nós mesmos. Pensando que
estamos tirando o melhor proveito, na verdade estamos nos afastando do melhor
que temos. Gilberto Gil dizia que “minha porção mulher que até então se
resguardara é a porção melhor que trago em mim agora” e ele tem razão, mas
lembremo-nos que esta porção também pode receber o nome de “o outro”. A porção
melhor que trago em mim agora são vocês.
Aureo Augusto, em 13/dez/2012.