Às vezes é difícil trabalhar. Refiro-me a fazer aquilo que
deve ser feito, mas fazer de uma forma mais completa e cuidadosa, se possível
usando da criatividade para transformar o usual e corriqueiro em algo
interessante e único. É delicioso para a alma, olhar as pessoas e construir
caminhos onde haja interesse em fazer a vida ser vivida para além da
subsistência. Porém, nós os seres humanos, graças à nossa tremenda
complexidade, além de sermos tocados pelo desejo de ir além, também temos o
hábito de ficar aquém. Não creio que devamos viver sempre atrás de superar
obstáculos, ou crescer sempre, subir sempre, avançar sempre. Estar aqui e agora
é mais do que suficiente. No entanto, aqui e agora é viver além da
subsistência, uma vez que obriga-nos à atenção. Ligar-se intimamente ao existir
(ou, dito de outra maneira, viver o aqui e agora) é um exercício que nos faz
viver, pura e simplesmente, mas paradoxalmente, implica-nos no ato de estar
além do cotidiano. Viver o aqui e agora poderia pressupor postura passiva.
Longe disso, implica atividade, sem que isso obrigue à tensão psíquica,
registre-se. Ou seja, viver implica ir além, do contrário apenas subsiste-se.
Esse
introito é para comentar de uma frase de um querido amigo, o filósofo Taunay
Daniel. Ele comentou que os medíocres se aliam para mediocrizar tudo ao redor.
E é verdade. No funcionalismo público isso é tão frequente que parece norma.
Quando uma pessoa chega ao serviço, “cheia de gás”, disposta a corrigir
imperfeições, alinhar condutas para maior otimização de resultados, logo
encontra resistências. Quando explícitas, tais resistências podem ser
contornadas, ou superadas, porém as piores são aquelas disfarçadas. O chefe
fica feliz ao receber daquele funcionário uma proposta que com certeza irá
superar resultados deficitários. Mas, por infelicidade, as coisas acabam não
funcionando como deveriam. Em suma, por razões insuspeitas simplesmente as
novas propostas não acontecem. O novo funcionário tenta, tenta mais e mais uma
vez. Até que passa a acreditar que não tem jeito e adere ao padrão de bater o
ponto, atender mal, deixar que se aproxime o tempo da aposentadoria.
Esta é uma história que se repete. E uma infinidade de
pessoas presta concurso nos diversos ramos do serviço público com o intuito de
encontrar a estabilidade sem perceber que isto é apenas a garantia da
subsistência. Não garante o viver. E viver não é uma coisa só de fim-de-semana.
Passamos a maior parte do nosso tempo no trabalho. 8 horas por dia, no mais das
vezes. É muito tempo para imaginarmos que a vida só acontece do lado de fora
das paredes do escritório, do consultório, da fábrica... Cabe a cada um
transformar o labor em uma fonte de realização. Isso é fácil? Nem sempre.
Tenho a sorte de ser médico. E nessa profissão a
oportunidade de realização é diária, em que pesem os numerosos momentos tensos,
tristes, apesar dos fracassos, às vezes decorrentes menos da gravidade ou da
insolubilidade dos casos do que das condições sócio-econômico-burocráticas. Mas
não apenas a medicina nos proporciona realização.
Uma das pessoas que atendi e que me marcou profundamente foi
um homem que era caixa de banco e gostava de ser caixa de banco. Veio à
consulta por curiosidade da filha já que não tinha queixas, gozava de boa saúde
e levamos bom tempo conversando sobre o como ele gostava de olhar no rosto as
pessoas que atendia, perguntar como se sentiam e naqueles poucos minutos em que
faziam um depósito ou retirada e pagavam uma conta, descobria singularidades
das vidas dos demais que lhe enriqueciam o dia. O resultado disto é que a fila
em seu caixa era sempre maior do que nos demais, porque as pessoas preferiam
ser atendidos por ele. É dessa maneira que atuam aqueles que não são medíocres.
Está bem, você talvez deteste o seu trabalho e não necessariamente
é medíocre. Porém olhe ao redor, pode ser que esteja excessivamente ligado nos
aspectos negativos da existência. E pode ser que você tenha sido vítima do
sistema de mediocrização:
Os infelizes que chafurdam na agonia de uma vida sem
perspectivas além da mais rasteira subsistência, um sem número de vezes atuam
no sentido de atrapalhar àqueles que cultivam a vida. Penso que o fazem porque
carecem de mais gente igual a si, para significar mais fortemente a própria
irrelevância. Ou porque quando alguém é vital, acaba sendo um contraponto que
denuncia a mediocridade disseminada. Também o medíocre teme que se o outro se
destacar poderá por em perigo o seu emprego, o seu cargo, o poder relativo que
dispõe em dado momento. Podem ser estes os motivos e outros devem existir. A
tristeza é que a associação dos medíocres contribui significativamente para
atrasar-nos enquanto humanidade.
Os medíocres não estão apenas no serviço público, mas
ubiquamente os encontramos em todos os lugares; entre os políticos são maioria
absoluta, encontramo-los também no meio intelectual, entre os alternativos, os
profissionais, alguns são materialistas convictos, outros espiritualistas
radicais, tem os religiosos e os ateus, torcem por diversos times, mas
mantêm-se fiéis ao estado anódino.
Não é uma vida fácil, porque falsa. Sofrem silenciosamente
todos os dias. Vivem como se estivessem entrevados, amarrados no pé da mesa,
como as crianças traquinas de antigamente. Há tanto tempo amarrados que
perderam a traquinice. A única forma de labutar contra esta subversão da vida é
ativamente buscar a felicidade, colocar atenção em cada coisa e tirar das
coisas o que puder de sentido, sensação e prazer. A dificuldade reside no fato
de que somos todos, em alguma medida, medíocres. Uma parte de nós é medíocre e
está aí, de tocaia, pronta a dificultar nossa luz. Mas, todos nós, do mais
medíocre ao mais genial, somos luz!
Recebam um abraço vital de Aureo Augusto
A maioria medíocre é um imperativo matemático. O problema é a mediocridade dominante no primeiro escalão da política, na economia e nas classes sociais mais privilegiadas. A grande massa está mais para vítima do sistema. E como desmontar essa engrenagem? Como fazer valer o imperativo categórico?
ResponderExcluirEntão Aureo,
ResponderExcluirLembro-me como se fosse hoje meus primeiros meses no serviço público, cheio de disposição e vontade de mudar e melhorar o sistema. Não é difícil imaginar o que aconteceu: barreiras intransponíveis foram colocadas por aqueles que não queriam mudar nada, pois "tudo estava ótimo". Hoje, após oito anos, ando me perguntando o que aconteceu com aquela pessoa que queria mudar o sistema e a resposta é: ela cansou, pois não é possível mudar sem que exista a conciência coletiva de que se precisa mudar para melhorar!E, quando falo em consciência coletiva, não me refiro ao surrado jargão brasileiro: "a culpa é dos políticos". Na verdade a culpa é de cada, na medida de sua omissão em melhorar a si mesmo e a sua comunidade.
Abçs.
Murilo
Aureo, como sempre trazendo coisas interessantes. Lembrei-me de quando trabalhei no serviço público, na UFBA e na Penitenciária Lemos Brito. Principalmente na Penitenciária em 1973, quando não existia tanta violência e que me dediquei tanto, aqueles que precisavam mais e tinta uma administradora que sempre me crítícava por isso, eu sempre dada mais horas, ficava depois do expediente, trabalhava no FORUM resolvendo várias questões deles. Ela sempre me dizia que eu não ia ganhar hora extra nem que fosse pra justiça, pois era cargo de confiança. Realmente tinha muita gente (filhos de juíses e magistrado) que estavam na folha de pagamento.E não adiantava argumentar que fazia porque queria servir a eles. mas para esta moça ela não sabia o que era isso e me chamava de idiota e pucha saco do Diretor, mas nada disso me importava, continuava fazendo, não deixei de fazer porque ela que se considerava chefe, achava que a estava desobedecendo............ Coisas que incomoda a que não faz nem o que é para fazer, sua obrigação. è assim mesmo, é como você coloca, no caixa que todos queriam ser atendidos.
ResponderExcluirComo foi em Londres? Esteve com a Rainha? Garanto que estava ancioso para voltar para seu paraíso!!
Um Feliz Natal cheio de saúde, alegrias e muita Paz, junto a Cibele e toda família, Therezinha
Sei que a situação fica tão difícil qdo tentamos quebrar a barreira da mediocridade que às vezes vem uma sensação de que nada dará certo. Tantos desistem. Desistimos. Porém, não sei porque cargas d'água,a realidade é que sempre quero ir em frente e continuar. Mas reconheço que o primeiro passo é reconhecer a mediocridade em mim. Vê-la e trazê-la ao diálogo é uma grande chance de supera-la.
ResponderExcluirMurilo, para mim seu depoimento é mto corajoso. Indica que vc se incomoda. Isso não é de quem é medíocre. São necessárias pessoas assim lá em cima. Para Antonio Luis a coisa é terrível pq a turma que comanda o país é medíocre e assim não temos mta saída, mas acho que estamos saindo. Hoje temos lei de responsabilidade fiscal, por exemplo, e isso é um sinal de que apesar da associação dos medíocres, o mundo continua dando voltas. E foram os políticos quem a aprovaram. Lembro: todos temos o nosso lado medíocre, mas também todos os medíocres têm cura, ou dito melhor, podem em algum momento fazer algo diferente.
Therezinha, vc enfrentou uma situação e tanto. Passei por coisa semelhante. Não é graça ter certos tipos de chefia. Mas duvido que tenha desistido.
A viagem foi mto legal, gostei mto da Inglaterra, mas nem vi sombra da rainha. Na verdade conquanto não negue que fico curioso de bater um papo com ela (como será ser rainha?), estava bem mais ligado nos museus, que são inacreditáveis!
bjs