terça-feira, 18 de dezembro de 2012

SAÚDE LOGO MAIS NO ANO NOVO

Tive a honra de ser convidado para falar na abertura do Projeto Gestar em Seabra e assim partilhei uma noite com Braulino Peixoto. Ele fez uma palestra tocante e que nos fez pensar e também fiz a minha, cujo texto aí está:

SAÚDE FUTURA
Por onde devemos começar quando pensamos na semeadura do futuro? Com certeza podemos nos perguntar como queremos este futuro. Acredito que as frases batidas e repetidas quase mecanicamente expressam o nosso real desejo: Feliz Ano Novo! Para vocês desejo feliz ano novo! Simples assim. Queremos que o próximo momento seja feliz.

Quando uma ameba entra em contato em seu ambiente com algo irritante ela daí se afasta. As raízes das árvores, no escuro úmido da terra, desenvolvem-se na direção das mais ricas fontes de nutrientes. Os cachorros e os gatos querem encher as barrigas e se deitam relaxados e... felizes, “quentando” o sol após sentirem cheios seus estômagos.
Não somos diferentes dos demais seres, nós, seres humanos, também buscamos o prazer, a felicidade, enfim, estados aprazíveis de estar no mundo. Porém, nós os seres humanos temos crenças. E, tais crenças frequentemente são para nós mais importantes do que qualquer dado inequívoco da realidade. Vai daí que subordinamos o existir a uma sequência cuidadosamente elaborada de situações complicantes capazes de afastar aquele feliz ano novo. Conto uma história recente:

A moça chegou no consultório do posto um pouco desesperada porque transou sem camisinha (foram suas palavras). Descobri com as perguntas que o rapaz era desconhecido. Ela estava carente (disse). Só pra saber, pois sou um tipo curioso, perguntei se havia acabado a carência, mas ela me disse que depois do ato a carência ficou esquecida, pois agora estava preocupada com outras coisas (como doenças venéreas, por exemplo). Somos seres extraordinários em nossa competência de substituir merda por bosta! Ela encontrou um bom método de não se sentir mais carente. Mas mais infeliz! Depois me contou que o mundo é complicado (também copio o que falou). Acredito, já que sou bem crédulo como podem testemunhar aqueles que me conhecem de perto.

Já fiz mais besteira em minha vida do que todas pessoas que estão na primeira fileira desta sala somadas, e vou fazer mais, por isso não critico a moça. Porém, coube a mim, naquele instante (e já que era procurado por ela para aconselhamento) tratar o fato para além de uma possível (e desagradável) doença venérea. Acontece que ela realmente não tem uma gota de amor por si. Gosto de estar com as pessoas que amo. Parece que isso faz parte de um atavismo gregarista da espécie humana e, é sobre isso que quero que conversemos hoje, dentro desta coisa de Feliz Ano Novo.
Dizia que gosto de estar perto de quem amo. Quando estou sozinho, o padrão é estar particularmente feliz. O corolário das duas afirmações é lógico:
A: gosto de estar com quem amo.
B: gosto de estar só.
C: Amo a mim mesmo (A≈B e B≈C => A≈C)
Mas esse negócio de amar é complicado, diria aquela cliente. E é mesmo. Não sei vocês, mas eu tive que labutar para olhar para o mundo com prazer. Felicidade pode ser uma falácia. Não dá para ser feliz sem olhar-se com um mínimo de carinho para si. E não adianta colocar substitutos tais como: festas e farras, dependência de amigos, trabalho, vagabundagem, riqueza, comida, pobreza, vitimização, política, poder e coisas assim. O buraco que abrimos na relação de nós conosco mesmos não será sequer minimizado por estas coisas.

Gosto de ter dinheiro dentro do bolso, pelo menos R$50,00. Andar de bolso vazio é bem chato. Também amo ir pro trabalho e ali exercer a minha competência para atividade, mas se não houver amor (Paulo aos Coríntios) a coisa não rola. Claro que não acho que podemos ser felizes sem nenhum dinheiro, com fome e frio e cheios de amor pra dar... mas se não houver amor...

Podemos criar para o futuro um mundo de obrigações, um mundo de deveres. Ou (e acho bem melhor) cuidar de que o futuro nos brinde com responsabilidades às quais respondamos – como o nome indica – com alegria e competência e poderia dizer com a competência da alegria.
Pode parecer estranho, mas este é um primeiro passo para a saúde, buscando um Feliz Ano Novo ou um futuro melhor. Por isso pensemos em cuidar de nós mesmos com carinho. Busquemos o prazer, mas tenhamos o cuidado de que o prazer que escolhemos não nos represente problemas futuros. Quando gosto muito de feijoada completa com toicinho e mocotó, pelo menos posso cuidar de não comer isso com demasiada frequência já que sei (sabemos) que não é bom para a digestão, para a circulação etc. Outrossim, façamos atividade física e mental. Há que mover o esqueleto, na dança, na roça, na caminhada, machado ou enxada. Desafiar a mente. Jogar longe de si a preguiça de não aprender coisas novas. Eliminar a rotina sem perder a disciplina... Algumas coisas há a fazer, mas sem esquecer o prazer de fazê-las. Não esquecer que cada ato é estético, ou seja, repercute em nós (e no outro).

O psicólogo Abraham Maslow estudou as pessoas felizes. É muito interessante o fato de que nós os que cuidamos da saúde estudamos muito mais a doença do que a saúde. Isso é algo parecido a apontar a pedrada para a jaca quando queremos derrubar uma manga (melhor seria usar um corrupichel!). Maslow seguiu outra direção: procurou os felizes e descobriu que esta turma consegue unir de forma satisfatória o egoísmo com o altruísmo. Ou seja, são pessoas que se comprazem em ajudar aos demais, gostam de trabalhos comunitários, estão prontos para reduzir o peso das outras pessoas, mas têm claridade quanto ao que querem da vida, do prazer a receber e não abrem mão de lutar pelo que consideram próprio.
Somos individualidades e não há mais como abrir mão disso. Mas também somos parte de um todo, somos divíduos (termo usado por Joseph Campbel). Você quer que seu ano próximo seja melhor? Você quer que seu futuro possa ser feliz? Então leve em consideração o fato de que

1.       Não há possibilidade de estar fora do mundo, à parte, algo destacado, longe. Toda atitude que tomamos repercute no mundo natural, assim como tudo aquilo que acontece lá fora nos atinge a nós, como parte deste pseudo lá fora. Nós temos uma responsabilidade com o planeta, com o Universo, com a sociedade. Os cadeados nas portas nos protegem dos ladrões, mas em quanto nós contribuímos para que aconteçam ladrões? Viver no Vale do Capão me garante ar puro, mas por quanto tempo? Quando a devastação do meio natural para satisfazer o meu egoísmo chegará à barra da minha porta? Não estamos lá, somos aqui.
2.       Somos uma equipe. Nós e aquilo que chamamos de restante de todas as coisas, na verdade somos uma equipe que funciona integradamente para que a vida siga em frente. Mas, de maneira mais limitada, aqui no mundinho de nossos trabalhos, na vida comum, somos uma equipe. Sou médico, mas não posso trabalhar sem as pessoas que secundam minha ação e vice-versa. Certa feita escutei a história de um famoso palestrante norte-americano. Ele havia sido aviador e seu avião foi abatido no Vietnã. Sofreu o pão que o diabo amassou, mas foi resgatado e a partir desta experiência passou a fazer palestras muito apreciadas sobre superação. Um dia estava em um restaurante e um sujeito veio até ele, por tê-lo reconhecido. Comentou que o admirava muito, escutava suas palestras e lia seus livros. Disse também que tinha sido seu colega em um porta-aviões da marinha dos EEUU. O palestrante perguntou-lhe o que ele fazia e o humilde interlocutor disse que ele era quem lhe dobrava o paraquedas. De repente o cara se deu conta de que aquele sujeito ali na sua frente lhe havia salvo a vida pois cuidara do seu paraquedas sem o qual morreria quando da queda do avião. Ninguém pense que pode viver só. A comida na mesa aqui chegou por conta de inúmeras mãos anônimas. Assim todas as atividades em que nos metemos.

Aqui me vem à lembrança uma frase proferida por Jesus Cristo.
Certa feita lhe perguntaram (v. Mateus XXII, 36 a 40) qual era o maior de todos os mandamentos. Ele respondeu que era Amar a Deus Sobre Todas as Coisas e completou “e o segundo, semelhante a este é Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Vejam que coisa interessante! Ele compara e equipara o amor a Deus ao amor que devemos ter pelo próximo. E reafirma que devemos amar ao próximo como a si mesmo. Não é colocar o outro acima nem abaixo, entenda-se. Em realidade só amo ao outro na medida em que sou capaz de amar a mim mesmo, senão a coisa fica meio na obrigação. Fazer o bem sem sentir alegria, é como dar um tiro no próprio pé. Penso que esta fala de Jesus é científica e isso está claro quando hoje entendemos que o mundo é um vasto ecossistema.

Pois bem, penso que este é o grande mote para o próximo ano. A Humanidade está se encaminhando para a constatação de que o individualismo enquanto degeneração da nossa consciência da individualidade perde-nos de nós mesmos. Pensando que estamos tirando o melhor proveito, na verdade estamos nos afastando do melhor que temos. Gilberto Gil dizia que “minha porção mulher que até então se resguardara é a porção melhor que trago em mim agora” e ele tem razão, mas lembremo-nos que esta porção também pode receber o nome de “o outro”. A porção melhor que trago em mim agora são vocês.
Aureo Augusto, em 13/dez/2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário