terça-feira, 28 de julho de 2015

FECHAR O CAPÃO?

Há mais ou menos 15 anos uma parcela daquelas pessoas que vieram morar aqui no Vale do Capão, tocados pela sua beleza, pela hospitalidade da população e pela possibilidade de uma vida melhor, comentava da necessidade de dar um jeito de parar de vir gente pra cá. Dizia este grupo que logo perderíamos toda a paz, toda a tranquilidade, toda a segurança em pouco tempo.
O tempo não corroborou o medo delas, conquanto os problemas decorrentes da vinda de grande quantidade de turistas se avolumam. Assim como os benefícios.

Não sou tão besta assim que não note que existem sinais de perda de qualidade. A exemplo disso, na semana passada um grupo de vizinhos aqui da área onde moro reuniu-se para ir a um terreno onde foram construídas umas casas bem pequenas e alugadas para pessoas que não demonstram ter grande consideração pelos que moram ao redor, fazendo barulho por literalmente toda a noite. Ocorre que os moradores daqui costumam trabalhar e, assim, têm que dormir à noite para trabalhar no dia seguinte. Um dos vizinhos foi destratado quando se queixou. Então reuniram-se para dar mais peso à reivindicação. Naquele período estava eu viajando (em férias) e não tive o desprazer de testemunhar o despropósito de pessoas que vêm para cá para curtir a natureza, o silêncio, a paz e (seguramente porque o silêncio pode ser muito incômodo) fazem barulho, festa toda a noite e não convivem com a natureza. Esse tipo de coisa tem se repetido... e outras também desagradáveis.

Por outro lado, temos aqui entre os imigrantes e visitantes músicos primorosos, engenheiros, palhaços engraçados, advogados, artistas de várias vertentes, médicos, arquitetos, professores, artesãos, muitos deles contribuindo com os moradores em diversas áreas da vida. A maior parte dos visitantes mostra (cada um a sua maneira e conforme a própria sensibilidade e conhecimento) profundo respeito pelos hábitos locais, pela natureza e contribuem economicamente, filosoficamente, ecologicamente etc. para a vida daqueles que têm a glória anímica de viver no Vale do Capão.

A ideia de criar dificuldades à visitação é tentadora, porque pode ser necessária. Mas uma boa ideia como essa pode ser apenas falta de criatividade, egoísmo, preguiça... Algo assim como a conduta de certos maridos que aprisionam suas esposas com medo de que elas, em contato com outras pessoas, possam deixar de ser sua “reserva de mercado” ou, seu objeto particular de uso. Ora, um casamento é uma construção permanente, onde não cabe aquela coisa definitiva: já casei, ela (ele) é minha (meu) e já está tudo definido. Não, não está definido, faz-se necessário que ele se ocupe com ela, se apoie nela, agrade-a, e que ela se ocupe dele, se apoie nele, agrade-o... Ele não é posse dela e vice-versa. Ambos são livres, mas ao mesmo tempo um é para o outro o maior e o melhor, pelo menos enquanto dure o infinito fugaz (lembrando Vinícius de Morais).

Recentemente vi jovens fazendo monitoramento dos visitantes e gostei disso. Saber a dimensão do suposto ou real problema é um passo importante. Temos várias associações onde estes dados podem e devem ser discutidos, para que possamos elaborar planos de ação que possam ampliar nosso cuidado com esse lugar. Sem deixar de considerar que somos parte do meio ambiente, sem deixar de relacionar-se com nossas humanas necessidades de viver, crescer, sonhar e realizar.

O Vale do Capão é um meu casamento e devo estar atento para cuidar, assim como sou cuidado. Esse é o primeiro passo. Lembro que ele não me pertence, porque quando eu morrer ele não vai desaparecer. Tudo seguirá à minha ausência. Busco cuidar agora, para que depois de mim o que aqui venha encontre melhor o mundo que é esse lugar. Não sou a pessoa mais indicada para dizer o como das ações. Mas sei que devemos conversar sobre isso, sem perder de vista que o bem, a beleza, a paz é anseio e prazer para todos como o é esse Vale abençoado.

Recebam um abraço abençoado de Aureo Augusto.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

SÃO JOÃO 2015 terceira parte

Como vimos nas duas últimas mensagens, o São João aqui no Vale do Capão segue delicioso, mas aconteceu algo bem estranho, quando um rapaz tomou atitudes bem bizarras e a polícia deixou-o ir-se. O dono da pousada estava presente e queria registrar com os policiais o que aconteceu em seu lugar de trabalho, afinal teve prejuízo material. Um dos policiais havia comentado que não sabia onde o poria uma vez chegando a Palmeiras, sede do município aonde está o Vale do Capão. Mesmo assim havíamos pensado que seria bom procurar o prefeito para pedir ajuda quanto a isso. Mas o fato é que o sujeito se foi.

No dia seguinte várias pessoas me telefonaram porque o mesmo rapaz estava desfilando na rua completamente nu, em atitudes acintosas e teve uma pessoa que disse que havia posto uma flor no ânus. Enfim, uma coisa bem estranha. Já aconteceu de uma pessoa ficar nua em um momento de crise psicótica aqui no Capão, mas era uma mulher que até aquele momento nunca havia tomado nenhuma atitude desabonadora e era bastante querida por todos. O povo protegeu-a, cuidou-a até que se recuperou. O caso aqui era outro, pois todos sabiam do que ocorrera na noite anterior e já havia um clima de revolta e de apreensão quanto às atitudes do rapaz.

Após algum tempo do triste espetáculo, o povo decidiu imobiliza-lo e chamar a polícia (novamente). Não estava lá, mas me informaram que foi uma luta dura e o rapaz deu muitos pontapés na porta da igreja até que o amarraram e cobriram com um pano. Quem assistiu ficou chocado. A luta deve ter sido um momento bastante desagradável para quem dela participou e para quem assistiu. O rapaz depois foi conduzido para o posto, mas aí já estava calmo.

Quando a polícia chegou manifestou a preocupação quanto ao lugar onde ficaria o sujeito. Pelo que entendi, a delegacia de Palmeiras está inativa e também o rapaz não era um caso de polícia e sim de saúde (mental, no caso). Por telefone conversei com a secretária de saúde que também estava preocupada, inda mais que a família que havia dito que viria busca-lo no dia seguinte, havia desistido e iria entrar na justiça, para através do ministério público (?) recambia-lo para sua cidade de origem.
Todos ficaram impressionados com isso, pois os laços familiares aqui são muito fortes. Perguntei-me quantas vezes isso teria acontecido e a que ponto a família já está desesperada, cansada, sofrida...

Uma lição para nós é que precisamos nos preparar para estes casos. A pequena cidade de Palmeiras vem sendo muito visitada, pois é bonita e hospitaleira, tem áreas especialmente belas, como o Morro do Pai Inácio, os Gerais, os povoados de Campos de São João, Conceição dos Gatos, Lavrinha (onde o povoamento começou), sem contar o meu amado Vale do Capão.

Apressadamente podemos acusar a prefeitura de descaso. O descaso não é de hoje em Palmeiras, mas nem sempre pecamos por este motivo. Penso que o principal é a ignorância das novas demandas. Antes era relativamente inócuo certas faltas. Mas com o afluxo de turistas e imigrantes, além da melhoria da economia local, vêm desafios que escancaram a nossa incompetência aos olhos da crítica alheia, bem como da autocrítica.


Recebam um abraço pensante de Aureo Augusto.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

SÃO JOÃO parte 2

Cheguei no posto às 17h. Encontrei um jovem turista (depois descobri que tem 25 anos), com os olhos fechados como se dormisse, mas os pés tremiam. Cida, a técnica de enfermagem, já cuidara de seguir minha orientação por telefone (para adiantar as coisas), pôs soro na veia, verificou os dados vitais e a glicemia. E, para completar, cobriu-o para que não sentisse frio. Enquanto examinava-o e verificar que estava clinicamente bem, o funcionário da pousada aonde estava me descreveu que o jovem ali chegou à noite, e sem mais delongas deitou-se e dormiu, junto a uma parede. O dono da pousada, Lili, também nativo aqui do Vale, teve pena dele e não botou pra fora. Ele então armou uma rede na frente de um quarto, dificultando a passagem de um hóspede regular. Lili, ainda assim foi conversar com ele explicando que não podia fazer aquilo. Ele desarmou a rede, mas ficou sentado no refeitório. Depois, Lili foi atrás de lenha para a fogueira de ramo da noite e descuidou do sujeito que arranjou de usar o chuveiro elétrico e ficou um tempo inusitado ali, aproveitando para lavar a roupa. Depois deve ter sentido fome e arrombou a porta da cozinha e alimentou-se, além de ter desordenado tudo. Por fim, quando o encontraram estava desmaiado e o levaram ao posto.

Depois de algum tempo ele respondeu a minhas perguntas com tranquilidade. Perguntei se havia usado drogas, respondeu: “Depende do que você acha que é droga”, com um acento bastante desagradável. Pelo menos me deu o telefone do irmão com o qual falei e se dispôs a vir para cá desde Aracajú para busca-lo. Chamei a polícia mais ou menos às 17:30h. Paradoxalmente, em uma festa junina não havia policial no povoado. A polícia havia prometido chegar às 22h. Sei que o pessoal fica mais alto mais tarde, mas com o movimento de gente aqui, pensei que era uma temeridade não ter polícia. Pedi a ajuda da secretária de saúde que logo se comunicou com polícia, prefeito etc. E o tempo foi passando... Telefonei várias vezes pro prefeito que me disse que havia se comunicado e que uma viatura já estava vindo. A secretária chegou a ficar agastada com a demora e com o descaso. Mas o tempo foi passando...

Então ele despertou e bateu a porta da sala de curativo com muita força, Cida se assustou, foi lá, e viu que estava em pé, havia retirado o soro e se deslocado a outra sala e fechado a porta com vigor. Então cheguei e abri a porta à força, ele saiu muito agressivo, ameaçando-me e exigindo meus documentos. Depois gritou por socorro. Uma coisa bem estranha. Pedi a Cida que chamasse alguns homens fortes, uma vez que minha pujante musculatura (rs) jamais seria suficiente para controlar o rapaz bem mais alto que eu. Quando ele viu a tropa de amigos do posto, recuou e por sorte um dos que se apresentaram, Tony, o reconheceu, porque no primeiro dia em que chegou conversaram algo. Então com muito tato, Tony acalmou-o, mas ele continuou bem arrogante e irônico. Chamei por telefone o prefeito e a secretária de saúde. Ambos chamaram novamente a polícia que disse que já estava a caminho. E o tempo foi passando...

Consegui conversar com o cara e expliquei que o melhor para ele era ir para a cadeia, para se proteger porque havia feito algumas coisas e podia fazer outras – ele dizia que eu é quem dizia aquilo, duvidando, até que chegou Lili e foi descrevendo tudo e ele se lembrou e pediu desculpas com um ar de que havia cumprido sua obrigação ao fazer isso. Pelo menos aceitou ir para a delegacia quando chegassem os policiais. E o tempo foi passando...
Perto da meia-noite os policiais chegaram. Interrogaram, falaram, foram tratados por ele com algum desdém, se irritaram um pouco, mas não muito. Então o rapaz foi calçar-se para ir. Saiu. A viatura parada na porta do posto... E o tempo foi passando... Falei então: “Olhem ele já está aqui”. Um dos policiais retrucou: “Agora é com a gente”. Calei. E o tempo foi passando...
Entrei por alguns minutos e quando saí descobri que o rapaz calmamente se afastou e foi embora. O CARA FOI EMBORA TRANQUILAMENTE!!!!!!

Pensei que se era para deixa-lo livre, poderia tê-lo feito eu mesmo, sem precisar ficar seis horas e meia ali (pois eu não estava de plantão e sim de sobreaviso), já que não queria deixar Cida só com uma pessoa como ele. Então me perguntei que outra porta iria arrombar, que outras pessoas iria destratar, e se alguém revidasse?
Mas a coisa não acabou aí. Vejam a próxima postagem.


Recebam um abraço estranhado de Aureo Augusto