Há mais ou menos 15 anos uma parcela daquelas pessoas que
vieram morar aqui no Vale do Capão, tocados pela sua beleza, pela hospitalidade
da população e pela possibilidade de uma vida melhor, comentava da necessidade
de dar um jeito de parar de vir gente pra cá. Dizia este grupo que logo
perderíamos toda a paz, toda a tranquilidade, toda a segurança em pouco tempo.
O tempo não corroborou o medo delas, conquanto os problemas
decorrentes da vinda de grande quantidade de turistas se avolumam. Assim como
os benefícios.
Não sou tão besta assim que não note que existem sinais de
perda de qualidade. A exemplo disso, na semana passada um grupo de vizinhos
aqui da área onde moro reuniu-se para ir a um terreno onde foram construídas
umas casas bem pequenas e alugadas para pessoas que não demonstram ter grande
consideração pelos que moram ao redor, fazendo barulho por literalmente toda a
noite. Ocorre que os moradores daqui costumam trabalhar e, assim, têm que
dormir à noite para trabalhar no dia seguinte. Um dos vizinhos foi destratado
quando se queixou. Então reuniram-se para dar mais peso à reivindicação.
Naquele período estava eu viajando (em férias) e não tive o desprazer de
testemunhar o despropósito de pessoas que vêm para cá para curtir a natureza, o
silêncio, a paz e (seguramente porque o silêncio pode ser muito incômodo) fazem
barulho, festa toda a noite e não convivem com a natureza. Esse tipo de
coisa tem se repetido... e outras também desagradáveis.
Por outro lado, temos aqui entre os imigrantes e visitantes
músicos primorosos, engenheiros, palhaços engraçados, advogados, artistas de
várias vertentes, médicos, arquitetos, professores, artesãos, muitos deles
contribuindo com os moradores em diversas áreas da vida. A maior parte dos
visitantes mostra (cada um a sua maneira e conforme a própria sensibilidade e
conhecimento) profundo respeito pelos hábitos locais, pela natureza e
contribuem economicamente, filosoficamente, ecologicamente etc. para a vida
daqueles que têm a glória anímica de viver no Vale do Capão.
A ideia de criar dificuldades à visitação é tentadora,
porque pode ser necessária. Mas uma boa ideia como essa pode ser apenas falta
de criatividade, egoísmo, preguiça... Algo assim como a conduta de certos
maridos que aprisionam suas esposas com medo de que elas, em contato com outras
pessoas, possam deixar de ser sua “reserva de mercado” ou, seu objeto
particular de uso. Ora, um casamento é uma construção permanente, onde não cabe
aquela coisa definitiva: já casei, ela (ele) é minha (meu) e já está tudo
definido. Não, não está definido, faz-se necessário que ele se ocupe com ela,
se apoie nela, agrade-a, e que ela se ocupe dele, se apoie nele, agrade-o...
Ele não é posse dela e vice-versa. Ambos são livres, mas ao mesmo tempo um é para
o outro o maior e o melhor, pelo menos enquanto dure o infinito fugaz
(lembrando Vinícius de Morais).
Recentemente vi jovens fazendo monitoramento dos visitantes
e gostei disso. Saber a dimensão do suposto ou real problema é um passo
importante. Temos várias associações onde estes dados podem e devem ser
discutidos, para que possamos elaborar planos de ação que possam ampliar nosso
cuidado com esse lugar. Sem deixar de considerar que somos parte do meio
ambiente, sem deixar de relacionar-se com nossas humanas necessidades de viver,
crescer, sonhar e realizar.
O Vale do Capão é um meu casamento e devo estar atento para
cuidar, assim como sou cuidado. Esse é o primeiro passo. Lembro que ele não me
pertence, porque quando eu morrer ele não vai desaparecer. Tudo seguirá à minha
ausência. Busco cuidar agora, para que depois de mim o que aqui venha encontre
melhor o mundo que é esse lugar. Não sou a pessoa mais indicada para dizer o
como das ações. Mas sei que devemos conversar sobre isso, sem perder de vista
que o bem, a beleza, a paz é anseio e prazer para todos como o é esse Vale
abençoado.
Recebam um abraço abençoado de Aureo Augusto.