A parteira é uma pessoa muito respeitada em sua comunidade e
aqui no Vale do Capão não é diferente. Regra geral a mulher que cuida da
parturiente durante a labuta para o nascimento da criança tradicionalmente é
alguém que faz parte de uma família cujas mulheres se acostumaram a esta
tarefa. Em outros casos foi por instinto, noutros porque calhou estar ali na
hora certa. Tem mulheres que obviamente têm o dom.
Aqui temos Nara que vem de uma linhagem de parteiras e que
tem feito partos algumas vezes; já Araci e Marilza, não têm linhagem e tampouco
são parteiras, mas vejo que ambas têm o dom, apenas não o assumem. D. Aurea,
que já está bem velhinha e por isso afastando-se da atividade, começou porque aconteceu
de estar na hora certa no lugar do nascimento. Da turma nova, temos Natália e
Mariane que são enfermeiras obstetras que está recebendo o título de enfermeira
obstetra agora. Este é outro grupo, o das parteiras por idealismo e amor, as
quais querem levar para a mulher confortos da ciência associados às práticas
ancestrais de acolhimento e protagonismo. O Capão, como veem, está bem servido.
Aqui ainda contamos com doulas (Lívia e Juliana) o que é algo especial.
Todas as parteiras, independente do que e do como se
inseriram nesta atividade, têm em comum um sentido de missão e é por isso que a
comunidade as exalta. Tive a oportunidade de experimentar isso.
Há quase 30 anos fui chamado para auxiliar uma mulher num
parto. Foi o primeiro que acompanhei por aqui. À época morava em Lothlorien e
Dinha, a parturiente, tinha sua residência logo depois da ponte de Almir (que é
o marido dela), indo pro Bomba. O parto foi muito legal, com direito após tudo
terminado, a um gostoso caldo de cana que foi feito em uma máquina manual construída
com troncos de madeira que a família movia na força do braço.
Naquele tempo não havia feira aqui no Capão e no sábado
todos desciam até Palmeiras para vender e comprar. Eu também. Então, em um
destes sábados dei com Dinha na feira. Ela me viu e me deu um abraço que me
impressionou pela sua peculiaridade. As mulheres daqui eram bastante
reservadas. Lembro que uma vez Nivaldo durante um forró entregou-me sua esposa
para que eu dançasse com ela. Esta era uma atitude que mostrava publicamente
grande confiança e consideração (ela, que estava tensa demais e por isso dançou
com dificuldade, pareceu-me que não gostou de tanta consideração naquela hora).
Enfim, as mulheres não eram dadas a maiores aberturas com os homens que não
fossem maridos, irmãos, ou enfim, parentes próximos – e veja lá. Mas Dinha me
abraçou com uma alegria e abertura inusuais. As mulheres ao redor também se
aproximaram e me trataram com uma intimidade que até então nunca havia ocorrido
e olhe que já morava aqui havia cerca de 5 anos!
Só então me dei conta que havia acompanhado um parto e assim
entrava para o grupo das parteiras. Ponho no feminino porque naquele momento
com aquelas mulheres, conversando e dando risada, me senti como se eu não fosse
um homem (embora tampouco fosse uma mulher), ocupando um limbo destinado a
seres relativos à magia do parto. Gostei!
Recebam um abraço parteiral de Aureo Augusto