domingo, 31 de outubro de 2021

O VALE DO CAPÃO DE ANTES

 

Esta semana conversava com amigos que nasceram ou viveram o Vale do Capão antes dele se haver tornado o lugar cosmopolita que é hoje. Delícia lembrar!

Lembrar é reviver na alma. As águas corriam mais do que hoje, a lama impregnava o mundo muito mais tempo que o tempo da poeira agitava os pulmões. Jamais faltava a chuva das águas, tampouco a candombazeira ou o aguaceiro do período da quaresma. Os ventos uivavam como hoje e faziam das folhas barcos aéreos nos redemoinhos – mas isso não mudou – o povo acordava antes do sol e com ele ia dormir.

Uma coisa interessante é que os galos não cantavam fora de hora. Seu cacarejo era somente na hora de puxar o sol para o seu passeio diário. Hoje perdidos na luz das noites eletrificadas de repente divisam uma luzinha em um momento de sono mais leve e dão pra se esguelar sem que o sol corresponda.

Vai daí que o próprio correr da conversa nos trouxe para os tempos de agora.

Tempos fáceis, tempos luminosos, tempos internáuticos!

Fáceis pois não mais aquela labuta (às vezes insana) para conseguir arrancar da terra a batatinha, o aipim, café, cana, uva, marmelo, pêssego, banana etc. que iriam ser levados para Palmeiras às 3 da manhã, à luz das tochas de candombá, a pé no mais das vezes no comum do povo, chuva ou pó, rios roncando trilha variando texturas sob os pés descalços, sandálias grosseiras, sapatos surrados como as almas, mesmo aquelas jovens.

O retorno sob o sol, luz diurna em abundância, mais silêncio que conversa, mas conversa também bem como risos...

Sim, era outro Capão, como o rio era outro, como eu era outro, como todos nós mudamos com a mudança dos tempos... os tempos de outrora... bom saber que foram bons a sua maneira, bom saber que passaram... como passarão os tempos de hoje – bons a sua maneira – e amanhã uma criança vai acordar feliz porque acontece um novo dia e ela poderá (sem o saber) alimentar com sua vida o eterno passar.

Aureo Augusto

terça-feira, 12 de outubro de 2021

LIBERDADE

 

Desde há muito que o nosso povo humano tem se interessado por “liberdade’. O primeiro registro vem de um documento anônimo em escrita cuneiforme que foi elaborado na cidade de Lagash há 4500 anos.

Ali o autor conta de um momento difícil pelos quais passaram os cidadãos quando políticos e coletores de impostos corruptos exploraram o povo (não sei se você concorda, mas isso me parece tão atual!). E em dado momento aparece esta palavra que se refere a algo tão especial.

Quando era adolescente a liberdade, o ser livre, era um sonho, uma luta, um propósito. Foi muito depois que aprendi que não é possível ser livre aquele que é dependente de um pai, mãe ou outro parente. Para ser livre há que sustentar-se.

Nem me ocorre que a autonomia total seja algo possível. Como seres relacionais que somos, dependemos em alguma medida dos demais e não apenas dependemos de outros seres humanos como também de todos os outros seres existenciais. No entanto, há que dispor de algum grau de autonomia, cuidar de si, propiciar a si mesmo comida, abrigo, condições para ir e vir... Ou seja, devo responsabilizar-me por mim mesmo.

Com alguma frequência sou procurado por adolescentes ou adultos jovens que se queixam da ingerência de seus pais em suas vidas. Depois de reconhecer que realmente é bem chato que não disponhamos do nosso querer, que tenhamos que pedir permissão para fazer certas coisas e por aí vai, dizia, depois de reconhecer o fato tenho o hábito de perguntar como ele ou ela faz para sobreviver. E até mais que isso, como faz para viver, que implica em subsistência, e algo mais, como fazer ou apreciar coisas que não tem papel imediato na resolução de necessidades básicas impostas pela fisiologia.

Pois, como muito bem nos ensinou Victor Frankl, Liberdade exige Responsabilidade.

Não sendo responsáveis por nós mesmos, não somos, não podemos (e será que queremos?) ser livres. Esse grande psicólogo nos diz em seu belo livro “Em Busca de Sentido” que, como nos EUA há a estátua da liberdade na costa leste, deveria construir uma estátua da responsabilidade na costa oeste.

Recebam o meu carinho.

Aureo Augusto.