terça-feira, 9 de agosto de 2022

UM BANHO NO RIO

 


Cinco e trinta e cinco da manhã, frio de primavera, como faço quase todos os dias, fui ao rio a tomar meu banho matinal. Tudo igual a quase sempre, nada novo, tudo novidade como sempre.

A chuva deixou-nos pouco antes da luz invadir o mundo, e as folhas das árvores gotejavam qual nuvens. Caminhei extasiado como sempre e desta vez ao ver no pé da serra ascender a névoa, frangalhos de neblina, dança de sílfides...

Então um ruído rouco avançou do sudeste, ao redor de mim, sem me tocar o ruído rosnante de um vento impossível rondou-me e atiçou os espectros das nuvens ao rés do chão, que se espantaram lançando-se com certo frenesi de volutas. Admirei-me!

O vento chegou-se a mim fazendo das árvores a chuva de grossos pingos e (já na água) tremelicando a superfície do rio que entre plácido e rápido iniciava o caminho das gotas ao mar.

Um mundo de absoluta magia... um universo de acontecimentos que me embalavam em significados não necessariamente inteligíveis. Um mistério manifestando-se como vida e existência me arrebatou para um outro mundo, que não mais é do que este mesmo daqui de onde escrevo, agora que se fez noite, estas linhas.

Foi o dia balizado por esta estranha familiar sensação de que sou a continuação do mundo – o mundo é a continuação do que sou. Sou apenas como parte disso tudo tão tudo e tão aqui em mim como parte do que sou.

Agora me sento, sinto a pensar nos jovens aqui deste meu Vale do Capão. Jovens tão especiais todos eles com seus cabelos desalinhados e com seu esgueirar-se entre a timidez e a petulância de quem ainda não sabe que não sabe. Penso neles porque penso que dos tantos quantos atentam para esta outra coisa que está além das telas de celulares e computadores?

O fogo não é mais o das fogueiras ou da lenha do fogão e o que nos norteia nem sempre é o ciclo alimentado pelo ir e vir dos astros, da sazonalidade do tempo, do nascer e morrer das plantas e das demais pessoas.

Temo que esqueçam aquilo que seus avós sabiam, sem, contudo, ter como eles (os jovens) têm hoje a competência para assuntar e entender também no intelecto. Os antigos mal tinha saída para as agruras do tempo, como hoje os jovens mal têm saída para as (tantas vezes duvidosas) benesses da tecnologia.

Mas olho para eles e meu temor tende a dissipar-se um pouco porque há neles uma grandeza de descobridores!

Beijos a todos.

Aureo Augusto

segunda-feira, 4 de julho de 2022

NO VALE DO CAPÃO - ALIMENTAÇÃO E CÂNCER

 Hoje o sol deu as caras agora depois do almoço, corri no rio pra gostar de sentir a correnteza!

Gosto da chuva, quem não por aqui? É que aqui no Vale a chuva tende a ser apenas benção, mesmo quando se demora, e a grande maioria concorda que lama é melhor que poeira.

Mas o sol é (literalmente) uma luz e nos protege, inclusive contra doenças como o câncer já que com ele produzimos vitamina D que tem papel muito legal na modulação imunológica. Foi aí que pensava nisso e o pensamento foi mais adiante sem que eu pedisse.

Pois não é que o câncer sempre existiu, mas agora estamos no meio de algo que poderia ser chamado de pandemia de câncer. Béliveau e Gingras (in Os Alimentos Contra o Câncer, ed. Vozes) nos contam que a revista Time fez uma amostragem dos medos que temos e a realidade. A revista nos dizia que morrer de acidente de avião é um medo frequente, mas o risco de morte é 1 para cada 3 milhões de passageiros. De ataque de tubarão é 1 pra cada 280 milhões. De carro já é mais sério: 1 pra cada 7000 viajantes, mas o câncer atingirá 1 entre 3 pessoas antes dos 75 anos de idade! Nos EUA 600000 pessoas morriam de câncer por ano. Hoje é muito mais, pois o livro foi publicado em 2005.

E o que isso tem a ver com o nosso tão delicioso Vale do Capão?

Repare: Na Índia, China e na América do Norte o aumento do consumo de frutas e legumes tem sido responsável por redução em 30% da incidência de câncer em 25 anos. Tumores malignos de cólon e reto (intestino grosso) que estão entre as 5 maiores causas de morte por câncer no Brasil têm a ver segundo os estudiosos com o baixo consumo de legumes e frutas.

Aqui, nesse vale único, quando vim morar tínhamos problemas com a variedade de alimentação por causa das dificuldades com transporte, com ganhar dinheiro, entre outras coisas. Mas às 10 h da manhã tudo parava para comer jaca (quando na época da fruta). As crianças sabiam roubar frutas nas roças. Tá bem que o sal era o tempero e por isso todo mundo castigava, mas tinha suas compensações.

Hoje tem uma coisa chamada calabresa, não sei se já viram esse negócio. Antigamente era coisa rara, coisa de festa do padroeiro e veja lá. Agora é comida do dia a dia. Hoje temos uma coisinha até bonitinha, amarela, com jeitinho de ter sido feito de isopor, o nome é salgadinho. Deveria ser salgadaço!

Conquanto tenha aumentado a variedade de frutas e legumes, as crianças estão de olho é nesses salgadinhos, achocolatados (deveria ser açucarados) e temo pelo que vai acontecer no futuro.

Olho o sol e sou grato, aguardo para hoje de noite mais chuva, mais lama pro carro rabiar, mas também espero que a par da poesia que temos aqui à farta, vamos cuidar para que possamos nos debruçar na janela da vida até bem depois de muito tempo passar, felizes e saudáveis.

E sem boa comida não será tão fácil.

Grato de coração!

terça-feira, 19 de abril de 2022

FILHAS E FILHOS DAS ESTRELAS

 


Parei um pouco o que fazia, pois o sol oblíquo da tarde chamou-me à janela.

As árvores, a luz parecia que saía delas (e saía), as folhas tremulando ao passo dos raios que abençoavam a terra úmida pelas últimas chuvas.

Sabem meus amigos? Tenho a impressão de que no mundo, digo melhor, no Universo, há um algo, um Grande Mistério, um Quê que não conheço e que é incognoscível, até porque para nós pode ser difícil conciliar a ideia de um Algo tão vasto que, como tal, se basta a si, e ainda assim tem um quê de pessoal com cada um de nós e toca a cada um dos seres existenciais como uma Fonte de onde flui tudo e a si. Uma Grandeza infinita, impessoal, uma beleza maculada de existir e de viver.

E quando o sol paira com sua luz tocando a mata de raspão, tangenciando a nossa vida, nas tardes depois das chuvas e quando a noite me presenteia com sua rajada de estrelas, olho pasmo e agradeço. Sei que sou escutado ao tempo em que sei que estou só. Sei que sou o responsável por mim e por tudo o que comigo acontece, mas de alguma forma habito a palma da mão do Inominável.

Uma amiga minha, a quem amo muito e sei que é recíproco, quando contei pra ela de onde vinham os elementos químicos que nos formam, quando disse das estrelas moribundas que explodiam espalhando carbono, hidrogênio, ferro, oxigênio etc. por todo lado ela me olhou surpresa dizendo que pensava que esse papo de que somos feitos do pó das estrelas era mera metáfora.

O legal é que a verdade pode ser uma metáfora!

Nesse instante dá-me de saber que todos nós, filhas e filhos das estrelas, todos nós, somos filhos e filhas das estrelas, como estrelas, iguais e diferentes, como estrelas destinados a brilhar (sem fantasias – pois brilhar é apenas ser, seja como for).

Beijo no coração

Aureo Augusto

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

O CIRCO NATURAL DA PARTILHA

 

o aleph (homenagem a J. l. borges), acrílica s/placa de ardósia

Uma conhecida minha explicava a alguém como fazer certa comida. Esta conhecida vive de mandar marmita há muitos anos em uma capital. Depois que se despediu ela me confidenciou que quando ensinava alguma receita dela para alguém nunca dava o “pulo do gato”, pois qualquer pessoa poderia ser uma concorrente futura.

A declaração me assustou, já que aprendi (principalmente com meus pais) que partilhar nunca é prejuízo. Mas, estávamos em um shopping e olhando ao redor percebi como era viável naquele lugar tal tipo de pensamento. Um filho e duas filhas da minha prole trabalharam em shoppings e com eles aprendi como são as relações trabalhistas ali, como é a busca da vantagem.

Nada contra o lucro, não acho ruim que o comerciante ganhe, aliás, pelo contrário, acho muito legal, podendo, obviamente, como tudo, ser letal. A busca de lucro acima do reconhecimento de que somos todos uma humanidade e aquilo que a um afeta, a todos toca, é causa de muitos males.

Agora estou aqui em casa, uma casa como qualquer outra, só que cercada de mato... no mato não há sinal de lucro. A natureza tudo oferta, é como se soubesse que não há em seu seio a possibilidade de não interferir no viver de todo o mais.

Está claro que na natureza a onça caça o coelho, que este come as plantas, estas usufruem da morte de outros seres, cujos corpos foram transformados pelos micro-organismos do solo. Enfim, na natureza a onça no fim é comida de planta. No círculo da vida, todos somos quem come e quem é devorado, a seu tempo.

Na natureza tudo é um circo, um círculo, tudo coberto pela tenda da infinidade das relações, um tecido complexo no qual nada sobra e nada é demais.

A humanidade sobreviveu apenas porque soube partilhar. Somos, enquanto animais, seres fracos, não temos a agilidade dos gatos ou a força dos cavalos, tampouco nos assustamos com gatos ou cavalos e inclusive elefantes (bem mais fortes que cavalos) podem ser domesticados. Mas tudo o que somos e temos, começou com o fato de que compartilhamos com os demais aquilo que coletávamos ou caçávamos. Não é conveniente que esqueçamos isso apenas porque vivemos em uma sociedade pautada na competição.

O “pulo do gato” é um “tiro no pé”. Acho isso divertido de pensar!

Grato por estar aqui comigo.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

DE GORGEIOS E RELAÇÕES

 


Hoje, primavera inicial, o amanhecer veio com a serra envolta em nuvens como eu nos cobertores. A névoa esparramou-se leve e fria até tocar os telhados das casas... Um silêncio, mais ainda que a névoa, inda mais que o frio, ocupou cada canto, loca, buraco, sombra, espaço... nem pássaro, nem vento.

Enquanto o dia do mundo espreguiçava-se indeciso entre luz e nuvens os seres humanos alheios à vida acontecendo se ocupavam do preparo de um dia humano. Um dia repleto de ausências.

Por fim, os pássaros suplantaram com seu canto o silêncio que se ocultou sabe-se lá aonde, mas seguiu sendo o sustentáculo , a base em que se desenvolvia os sons da chuva nas telhas e dos insistentes gorjeios do pequeno povo de asas e cantos. Pergunto-me:

Quantas vezes deixei de sentir o dia nascer, e como?

O que causa em mim o circo do tempo, e quanto, quando enquanto perpetua-se a vida, efêmero, tantas vezes abandono a consciência do perene circuito do viver no mundo?

No círculo da vida, como na lona do Circo do Capão, todos os pontos extremos estão ligados ao centro. Assim, cada ato, pensamento, vontade, ou desejo, enfim cada coisa (como na lona do circo) se insere em um campo universal de relações fluidamente estabelecidas. Fluidas, porém consistentes, relações que nos definem, que são aquilo pelo qual todas as coisas existem. Sim, nós não somos seres separados, à parte, o que nos faz existir é o fato de que outras coisas existem.

Sinto em mim que quando perco o estar aqui e agora deixo um pouco de existir, e isso é uma das doenças que nos afligem.

Bjs no coração de todos!

Aureo Augusto

PS: observem que o texto foi escrito no início da primavera e não agora mesmo.