Uma das belas coisas de Santiago de Chile e a onipresença da
Cordilheira dos Andes.
Já vim aqui muitas vezes e, inclusive no final dos anos 70
do século passado vivi na cidade por um ano e sempre me atraiu a majestade das
montanhas cuja rude beleza ilumina a memória que tenho deste lugar.
Porém ontem, pela primeira vez notei o poderoso silêncio que
emana da cordilheira, tão forte que sobrepuja o bulício da cidade.
Caminhava na rua atento aos sons do lugar, aos cantares
distintos dos diversos pássaros, os diferentes ruídos dos muito diversificados
veículos, pessoas conversando, alarmes, sirenes de histéricas ambulâncias,
passos humanos... Talvez porque imerso na observação sonora, quando meus olhos
mais uma vez tocaram as alturas das montanhas percebi seu silêncio. E, desde
então não me canso de escutá-lo.
E sei que só agora percebo tal silêncio e em tal intensidade
apenas porque finalmente tornei-me capaz dessa ausculta. Não porque só agora
acontece – aí esteve o imperioso vazio todo este tempo à espera da competência
auditiva.
Hoje na feira de rua, na calle
Arrieta a polifonia cacofônica das
feiras de todos os lugares estava condignamente reproduzida. Cada vendedor
alertava os fregueses da beleza de suas frutillas,
moras, arandanos, plátanos, paltas, cebollas (enormes), sapallos
(gigantescas a tal ponto que são cortadas com serrotes – são as abóboras) etc.
Alguns gritavam esganiçadamente, com um tom de voz choroso que semelha cantos
flamencos em vitrola antiga mais lenta que o normal, outros mais discretos,
porém repetindo o mesmo mote centenas de vezes na esperança – penso – de que o
público compre apenas para que parem a lancantina, outros com voz rouca anunciando
a novidade de todas as feiras, de todos os dias e estações como se realmente
fossem novidades...
Mas acima de tudo, pairando como um condor arquetípico, o
silêncio dos picos inatingíveis sustentando vozes, cantos, choros, vida,
latidos, enfim, as batidas do coração desta singular cidade.
Recebam um abraço santiaguino de Aureo Augusto