sexta-feira, 27 de abril de 2012

NOJO DO FOGO

Vejo o bonito do depoimento das pessoas... inda mais nestes dias de seca forte quando até as quaresmeiras que tanto amo e que nesta época emolduram em magenta e violeta esta terra, até agora mal apareceram. De verdade, as quaresmeiras atrasaram. Hoje notei que timidamente algumas apareceram e tomo isso como sinal de que pode que o nosso povo sertanejo receba chuva em breve. Mas vejamos o depoimento: Hoje estava consultando um senhor já de alguma idade, mas não tanto a ponto de eu pedir a benção. É um sujeito que gosta bem de conversar e contar histórias, suas opiniões e aventuras. Pudesse eu a consulta não acabava mais, mas tinha o povo lá fora e com o mesmo direito. Inda assim deu pra escutar uma coisa que me agradou. Ele contou que quando era jovem tinha grande prazer em tocar fogo no mato e sempre que surgia a oportunidade não deixava por menos e se divertia vendo a beleza das labaredas, do fogo subindo no mundo espalhando luz e rebrilhando a noite. Gostava por demais, como disse. Vai que um dia, estando descendo do lado de uma cachoeira viu o mato ressecado e pensou que dali poderia sair belas labaredas. Interessante que sempre tocava fogo e se afastava, vendo de longe, se afastando, porém desta feita o lugar não o permitia e o fazer foi mais inconsequente do que de outras oportunidades já que não tinha pra onde fugir. Quase morre. O fogo fez o cerco, caçou ele que correu a refugiar-se no rio, salvando-se, mas tão perto ficou da quentura que pôde ver o estrago junto assim a ponto de sentir a dor. A dor que ele sentiu foi de ver como ele mesmo falou, maria preta e pistolinha, mocó, aranha e beija-flor... viu os animais morrendo, os ninhos pegando fogo. Viu passarinho morrer desesperado tentando fazer alguma coisa impossível para salvar os filhotes do incêndio. Nunca mais tocou fogo no mato, e, além disso, entrou a sentir raiva de quem bota fogo. Gostei de ouvir. E além disso segue o exemplo do pai na área em que garimpava. Quando cava um lugar para buscar o cascalho a ser lavado, ele tira o cascalho e depois pega a terra que estava por cima e espalha novamente pelo lugar. Dess’arte o local em que garimpa, o mesmo onde labutou na lavra seu avô e seu pai, é um dos mais lindos desta região. Garantiu que me leva lá e disse que vou concordar com ele. Vou mesmo, um dia destes. Recebam um abraço feliz de Aureo Augusto

quarta-feira, 18 de abril de 2012

COISAS PRA PENSAR NO POSTO

Acontecem muitas coisas que me fazem pensar aqui no posto de saúde. Todos os dias me vejo meditando sobre os acontecimentos – claro que tem dias nos quais não dá pra nem pensar pois o movimento é muito intenso.

Hoje um casal veio à consulta. Ambos estrangeiros de países diferentes. Ela da região centro oriental e ele do sul da Europa. O rapaz muito delicado e cuidadoso em suas maneiras, mas ela um tanto grossa. O irônico do processo é que quando a Agente Comunitária de Saúde (ACS) chegou à casa que eles ocupam aqui no Capão para cadastra-los, ela se recusou. Ocorre que este posto faz parte da Estratégia de Saúde da Família do SUS e todos os moradores sob nossa responsabilidade são cadastrados para que possamos organizar o atendimento e prestar contas ao sistema quanto às estatísticas tão necessárias para a boa administração da saúde pública. Mas ela não quis acordo; recusou-se. Não adiantou a ACS explicar a necessidade. Porém, como todos sabem, a vida dá muitas voltas e o mundo sempre retorna ao mesmo lugar em uma situação parecida, mas em um ponto superior da espiral do tempo. Ocorre que o casal e filhos ficaram doentes e a coisa ficou séria. Então procuraram o posto. Ele muito tranquilo porque sempre havia nos tratado de forma agradável, mas ela, com aquele olhar de bicho acuado...

Ao procurarem Wanessa para solicitar atendimento esta notou que não eram cadastrados. Teve compaixão dos dois porque era a terceira vez que apareciam aqui, mas o excesso de gente nos últimos dias não permitiu nem que tivessem a possibilidade de atendimento. Explicou-lhes a questão e a necessidade do cadastramento, mas ela não demonstrou satisfação com esta coisa, enquanto ele se dispôs de imediato a cadastrar no caso de ser possível. Por acaso a ACS responsável pela área em que moram estava no posto. Wanessa foi atrás dela e explicou a situação. A agente, apesar do tratamento recebido, fez o cadastro e pude atendê-los. No final de tudo, depois das consultas a mulher estava com o rosto mais relaxado e até agradeceu no final.

Bem há pouco tempo, outros estrangeiros que vieram morar aqui no Vale passaram pelo mesmo vexame. Recusaram-se a cadastrar, mas a doença obrigou-os a se retratar. Nesta oportunidade foram bem desagradáveis com a ACS. De outra feita foi um brasileiro do sul que vindo morar aqui, disse à ACS que jamais iria ao posto. Veio. E teve que procurar a ACS para o cadastramento.

Esta gente é inimiga de qualquer coisa que represente a sociedade burguesa contemporânea, mas noto que não são tão inimigos dos confortos da sociedade burguesa contemporânea. Usam a internet, têm laptops e fazem questão de servir-se do serviço público que é mantido pelos impostos que se recusam a pagar, em uma expressão bem interessante de uma fala que ouvi (uma paródia ao Pai-Nosso) segundo a qual tem muita gente que só quer venha a nós, mas a vosso reino nada.

Às vezes desejamos uma vida sem regras. Completa liberdade... Mas é possível a completa liberdade? Precisamos em dado momento comer, dormir, satisfazer, enfim, nossas necessidades essenciais. Dependemos da natureza física para viver e ela carece de esforço para nutrição, higiene, atividade etc. Aí, justo aí, esbarra a liberdade; ou melhor, esbarra-se o conceito (falso) de liberdade. Quando pensamos que ser livre é fazer o que queremos sem atentar para as consequências, temos uma ideia errônea de liberdade, pois esta depende de nossa responsabilidade. Apenas aqueles que conseguem responsabilizar-se por si e pelos próprios atos pode ser livre.

Dentro das amarras que representa o ato de existir, liberdade é assumir-se como prisioneiro do Universo onde existimos. A não existência garante infinitas possibilidades, mas toda esta infinidade colapsa quando passamos a ser um algo e não todo o infinito que não acontece.

Assumimos muitas ideias ideais, mas devemos ter cuidado para não desmerecer a quem não comunga com nossos ideais e, além disso, perceber que pode ser que a realidade não corresponda ao ideal que escolhemos. Pode ser que precisemos justamente daquele que desprezamos.
Recebam um abraço nada desprezível de Aureo Augusto.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

COISAS DE MIM E DAQUI

Tenho o sono pesado. Saí a minha mãe, que nunca acordava nos barulhos das noites, ao contrário de meu pai, de sono leve toda a vida. Uma vez Cybele estava em São Paulo e precisou de minha ajuda. Daí telefonou, mas não acordei. Depois de várias tentativas ela chamou Dinha, uma vizinha querida e pediu que o marido dela fosse me acordar. Na manhã seguinte vim a saber que o pobre homem bateu na porta até quase derruba-la sem sucesso. Agora, na noite da quinta-feira santa, às 3 da manhã, um amigo trouxe a filha que estava com uma crise. Já tentara telefonar sem sucesso, me chamou, buzinou o carro, e teve que retornar à casa, pois não acordei. Pela manhã, quando retornaram me procurando, censurei-o por não me haver chamado à noite, já que a moça sofria tanto. Foi então que soube da aventura dele na noite anterior. Aí mostrei a janela do meu quarto e disse: “Você deveria ter chamado aqui”. Respondeu-me que ficou um tempo naquela janela fazendo um barulhão. E quando brincam comigo por causa do meu sono pesado, digo que é por causa da consciência limpa (rsrsrs).

Pois é, se é hora de dormir, posso fazê-lo mesmo que tenha uma banda de rock fazendo um show por perto. Algumas vezes sou obrigado a sair para solicitar a alguns vizinhos barulhentos depois das 10 horas que façam silêncio, mas o faço não porque me sinta incomodado com o barulho em si; incomoda a falta de percepção de alguns visitantes de que as demais pessoas têm que trabalhar no dia seguinte e precisam dormir. Há um grupo de jovens turistas que me impressionam. Usam roupas bem alternativas e os cabelos rasta; no discurso falam em uma vida sem as peias do capitalismo, com maior atenção à natureza, mas, estranhamente, não conseguem ficar em silêncio. Fazem um baticum danado dia e noite (até o momento em que os vizinhos se queixam). Como eles, muitos veem ao Vale buscando um lugar tranquilo, mas labutam arduamente para acabar com a paz local. O silêncio nos obriga a olhar (e ouvir) a nós mesmos e isso nem sempre é suportável.

Quem disse que a chuva apareceu no Vale do Capão? Desde que aqui vivo, há quase 30 anos, nunca aconteceu de não ter chuva forte na Semana Santa. Esta foi a primeira vez. Todos estão muito impressionados com isso.

Seguramente vocês leram sobre a morte dos jovens daqui no Carnaval. Infelizmente os motoqueiros seguem na correria. Teve um que, bêbado, caiu duas vezes no mesmo momento e a última das quedas levou a moto para dentro do rio. Quanto ao motorista, teve que ser hospitalizado.

Mesmo com a seca, e com um certo número de pessoas que me levaram a interromper o descanso para atende-las nas urgências (o pessoal não para pra olhar a paisagem – olha enquanto caminha sobre as pedras, e o resultado é quedas, cortes, escoriações), curti com amigos as comidas deliciosas dos restaurantes daqui e as deliciosas águas do Vale do Capão. Até, junto com dois adolescentes, consegui esticar uma corda de uma árvore a outra sobre o rio, na trilha para Lençóis, e tentei caminhar na corda bamba. Pelo menos tinha água embaixo, pois o máximo que consegui caminhar foi zero passo. Ainda tenho que treinar muito...

Mas o principal é que quero continuar treinando – a viver – coisa que comecei a quase 60 anos atrás e não pretendo parar tão cedo, com chuva ou com sol.
Recebam um abraço esperançoso de Aureo Augusto.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

DIA DA MULHER no VALE

Ontem foi um dia feliz aqui no Vale. Não tanto pela chuva. Choveu gostoso em minha casa, durante toda a noite, mas foi rareando até chegar na rua como uma poeira de chuva. Já no Riacho do Ouro nem apareceu. A razão da felicidade foi que comemoramos o dia da mulher. Aqui na nossa USF (Unidade de Saúde da Família) temos vários projetos que são assumidos pelos componentes da equipe. Por exemplo: Renilde é responsável pelo Horto e produz e distribui plantes medicinais, eu me responsabilizo pelas Atividades Educativas doa Hipertensos e Diabéticos, Marilza e eu pelo trabalho com os idosos, e assim por diante. Não importa o cargo que a pessoa exerça na equipe, se responsabilizará por alguma tarefa. Sendo a responsável não necessariamente fará todo o trabalho. Na última atividade educativa com os hipertensos e diabéticos convidei o dentista (Raí) para fazer a palestra, pois o tema era repercussões dentárias nestas enfermidades e foi bem legal, registre-se.

A festa para as mulheres ficou a cargo das Agentes Comunitárias de Saúde (ACS - Marlene, Neide, Rozeli e Ni), que planejaram, programaram tudo. Pediram-me para criar os cartazes que foram impressos na unidade (contamos com uma impressora a laser, doada) e os convites distribuídos a cada mulher do Vale do Capão. Saíram de porta em porta solicitando apoio tanto de particulares quanto de comerciantes e a população respondeu em peso de modo que havia uma profusão de presentes que foram sorteados com as mulheres e todas, sem exceção, levaram um brinde lembrança lindíssimo. As mulheres da Conceição dos Gatos e do Rio Grande foram convidadas e uma Van foi lá busca-las graças ao apoio de Bete e Medinho do Supermercado Flamboyant. Fafá de Juju cuidou do som e Lili e Bibia da Quitanda do Vale ofereceram as frutas. Mas chega a ser injusto dar estes nomes, pois ninguém negou participação. E as ACS arrumaram o coreto lindamente, bem como a sala de palestras do posto, onde ficaram os comes e bebes que, como todas as festas por aqui, foram fartos. Encarregaram-me da palestra onde conclamei as mulheres a cuidar de si da mesma forma que se dedicam a filhos e maridos. E a enfermeira e coordenadora do posto, Natália, foi a apresentadora por indicação das ACS.

Além dos prêmios distribuídos aconteceram espetáculos musicais que me encantaram (e pelos aplausos agradaram a todos). O coral do Vale tanto as crianças quanto os adultos, o grupo Girassol, de mulheres que cantam as músicas tradicionais do Brasil, o Drama, tradição aqui no Capão, e, o grupo de forró da Conceição dos Gatos que garantiu a festa no final da programação. Teve também concurso de recitais de poemas e brincadeiras.

Além dos aspectos educativo e artístico do evento, tivemos uma oportunidade ímpar de confraternização e a USF-Vale do Capão foi beneficiada na medida em que isso implica em uma forte maneira de aproximar a comunidade (mais ainda) do posto. Contribui para esta intimidade que faz com que nossos clientes se sintam bem quando entram em nossas salas. Há felicidade na relação com as pessoas e o dia da mulher foi uma culminância. As Agentes Comunitárias de Saúde brilharam mais uma vez. Foi demais!!!

Recebam um abraço muito contente de Aureo Augusto, em 2/4/12.