Acontecem muitas coisas que me fazem pensar aqui no posto de saúde. Todos os dias me vejo meditando sobre os acontecimentos – claro que tem dias nos quais não dá pra nem pensar pois o movimento é muito intenso.
Hoje um casal veio à consulta. Ambos estrangeiros de países diferentes. Ela da região centro oriental e ele do sul da Europa. O rapaz muito delicado e cuidadoso em suas maneiras, mas ela um tanto grossa. O irônico do processo é que quando a Agente Comunitária de Saúde (ACS) chegou à casa que eles ocupam aqui no Capão para cadastra-los, ela se recusou. Ocorre que este posto faz parte da Estratégia de Saúde da Família do SUS e todos os moradores sob nossa responsabilidade são cadastrados para que possamos organizar o atendimento e prestar contas ao sistema quanto às estatísticas tão necessárias para a boa administração da saúde pública. Mas ela não quis acordo; recusou-se. Não adiantou a ACS explicar a necessidade. Porém, como todos sabem, a vida dá muitas voltas e o mundo sempre retorna ao mesmo lugar em uma situação parecida, mas em um ponto superior da espiral do tempo. Ocorre que o casal e filhos ficaram doentes e a coisa ficou séria. Então procuraram o posto. Ele muito tranquilo porque sempre havia nos tratado de forma agradável, mas ela, com aquele olhar de bicho acuado...
Ao procurarem Wanessa para solicitar atendimento esta notou que não eram cadastrados. Teve compaixão dos dois porque era a terceira vez que apareciam aqui, mas o excesso de gente nos últimos dias não permitiu nem que tivessem a possibilidade de atendimento. Explicou-lhes a questão e a necessidade do cadastramento, mas ela não demonstrou satisfação com esta coisa, enquanto ele se dispôs de imediato a cadastrar no caso de ser possível. Por acaso a ACS responsável pela área em que moram estava no posto. Wanessa foi atrás dela e explicou a situação. A agente, apesar do tratamento recebido, fez o cadastro e pude atendê-los. No final de tudo, depois das consultas a mulher estava com o rosto mais relaxado e até agradeceu no final.
Bem há pouco tempo, outros estrangeiros que vieram morar aqui no Vale passaram pelo mesmo vexame. Recusaram-se a cadastrar, mas a doença obrigou-os a se retratar. Nesta oportunidade foram bem desagradáveis com a ACS. De outra feita foi um brasileiro do sul que vindo morar aqui, disse à ACS que jamais iria ao posto. Veio. E teve que procurar a ACS para o cadastramento.
Esta gente é inimiga de qualquer coisa que represente a sociedade burguesa contemporânea, mas noto que não são tão inimigos dos confortos da sociedade burguesa contemporânea. Usam a internet, têm laptops e fazem questão de servir-se do serviço público que é mantido pelos impostos que se recusam a pagar, em uma expressão bem interessante de uma fala que ouvi (uma paródia ao Pai-Nosso) segundo a qual tem muita gente que só quer venha a nós, mas a vosso reino nada.
Às vezes desejamos uma vida sem regras. Completa liberdade... Mas é possível a completa liberdade? Precisamos em dado momento comer, dormir, satisfazer, enfim, nossas necessidades essenciais. Dependemos da natureza física para viver e ela carece de esforço para nutrição, higiene, atividade etc. Aí, justo aí, esbarra a liberdade; ou melhor, esbarra-se o conceito (falso) de liberdade. Quando pensamos que ser livre é fazer o que queremos sem atentar para as consequências, temos uma ideia errônea de liberdade, pois esta depende de nossa responsabilidade. Apenas aqueles que conseguem responsabilizar-se por si e pelos próprios atos pode ser livre.
Dentro das amarras que representa o ato de existir, liberdade é assumir-se como prisioneiro do Universo onde existimos. A não existência garante infinitas possibilidades, mas toda esta infinidade colapsa quando passamos a ser um algo e não todo o infinito que não acontece.
Assumimos muitas ideias ideais, mas devemos ter cuidado para não desmerecer a quem não comunga com nossos ideais e, além disso, perceber que pode ser que a realidade não corresponda ao ideal que escolhemos. Pode ser que precisemos justamente daquele que desprezamos.
Recebam um abraço nada desprezível de Aureo Augusto.
Como dizia Sartre: o homem está condenado a ser livre. E isto traz um peso enorme para a sociedade humana
ResponderExcluirJ C Serra Neves
V Capão
Amigo, vc é uma referência para mim!!! Muitos abraços, Paulinho.
ResponderExcluirGrato Paulinho, vc ainda faz falta para os jovens daqui (e para os não tão jovens).
ResponderExcluirSerra, realmente é um grande peso esta liberdade, por isso fugimos dela, seja nos aprisionando no fanatismo, ou fingindo que não tem responsabilidades.
abração
"liberdade é assumir-se como prisioneiro do Universo onde existimos" .. Perfeito! ... senti falta de um "like" ou "curtir" pra galera que lê espalhar esses conteúdos pelas redes sociais!! rsrsr ... Vou providenciar isso!! rsrs
ResponderExcluir"e vem estes povo dos istrangeiros para bagunçar a nossa terra". Muitas vezes escutamos comentários desse tipo, cheio de bairrismo mas que vem com uma carga de raiva devido a determinada situação.
ResponderExcluirE fora o xenofobismo, eu fico sempre me perguntando: pq esta turma que chega ao Brasil, especialmente na Bahia, tem toda a forma de protecionismo, de acohimento e em troca recebem reações de diversos tipos.
Você, caro Áureo, fez um RX dessa situação aí no Capão. São regiões aonde se observa um número imenso de pessoas de outras nacionalidades, que chegam, passam pela imigração, fazem turismo e se gostarem do lugar, vão se instalando, instalam os seus negócios, enfim. E não são perturbados ou molestados. Ai de quem os perturbe.
Para nós, brasileiros, baianos, etc, eu duvido que se tenha ações como a qual você descreve, aonde a Agente de Saúde insiste em atender à bicuda estrangeira, levando inclusive maus modos dela. E sente-se até culpada quando a dita cuja aparece no posto adoentada e com calma e paciência, faz o registro dela no Posto.
Ah, me poupe. Se ela está morando, vivendo aí, antes de tudo ela precisa provar sua regularidade aqui no Brasil e se enquadrar nas normas do lugarejo. Caso contrário é preciso ser chamada a atenção. E ela precisa entender que aqui também tem regras e a prioridade deve ser a observância das regras.
Eu, quando fiz o meu curso de Guia de Turismo, vi um colega ser ameaçado de morte por um colega alemão que veio parar aqui em Salvador. Em plena sala de aula, o dito cujo se levantou e foi esbofetear o nosso colega e o ameaçou de morte. Precisa se ver a postura acanhada do professor, em não querer prejudicar o gringo.
Pois bem, dias depois, o nosso colega resolveu revidar e o esbofetou bem em frente ao Farol da Barra, depois de mais uma discussão. Não precisa sem ser vidente para saber o final dessa história. O nosso colega foi expulso do curso e teve a sua carteira de Guia, cassada pelo Orgão competente, por não ter "mostrado educação para com o estrangeiro", segundo a nota publicada.
Abraços,
Jussiara
Exatamente, liberdade sem responsabilidade não existe. As consequências estão anexadas às escolhas, quer percerbamos ou não, elas virão junto.
ResponderExcluirAgora, onde foi que eu errei, pra o Áureo supor que o tesco é uma simpática menina? Um barbudão 'véio'desse? Até cadastrei-me no Gravatar, pra ter a imagem acompanhando, mas o nick já está ocupado. Por isso o pttesco' que segue noutro comentário.
_Abraço.
Olha o tesco aí, gente!
ResponderExcluirNão veio. Aprenderei.
ResponderExcluirTESCO!!!! que surpresa. Mas, de onde veio eu pensar que é uma moça? Que coisa!
ResponderExcluirJussiara, o nosso país tem algumas coisas estranhas. Uma vez conversei por telefone com um policial da PF - ele telefonou pra mim para saber se eu havia feito o parto de uma estrangeira que pedia visto de permanência e então aproveitei pra perguntar se eles não podiam vir aqui pra verificar quem estava ilegal. Ele comentou que o máximo que podia fazer era ao encontrar o ilegal ordenar que saia do país. Aí o ilegal some e pronto. Além disso informou que não é fácil fazer busca por causa dos recursos disponíveis. Eu queria que ele viesse aqui por causa de alguns estrangeiros que distribuíam drogas. Mas aqui não é uma área das mais problemáticas então é difícil fazer uma diligência por cá.
Por acaso, o tempo passou e a PF veio resolver coisas em lugares mais comprometidos com a droga e como passaram perto daqui (assim me informaram) resolveram entra aqui e pegaram uma plantação de um argentino. foram 200 pés, mas o cara fugiu. Peno menos nunca mais voltou.
Thiago, continuo sem saber os termos que vc usa, como "like". Mas confio que o que vc fizer fará certo.
abraços pra todos
Estive no Capão por um mês e escorreguei diante da possibilidade de conhecê-lo.
ResponderExcluirQue bom conhecer por aqui. Estou me deliciando. Acabei de conhecer um contador de histórias. rsrs
Salve salve, colega da saúde!
SOL