Marcone sorriu pra mim e não pude deixar de me lembrar do
tremendo corte no nariz que teve há alguns anos, costurei e não ficou marca. Naquele
então tinha um homem acompanhando-o e pedi ajuda para a sutura. Mas o tal
sujeito que era negro como meu amigo Marcone, de repente ficou amarelo. Então chamei
outro que por sorte passava por ali. Esse, pouco depois, de branco ficou azul. O
ferido nem estava aí, mas os ajudantes não se aguentaram. Chamei, por fim, uma
mulher. Ufa! Finalmente não precisei chamar mais ninguém!
Pois bem, dizia que o meu amigo sorriu pra mim. Sabendo que
estou de férias, ele sabia também que naquele momento não tinha outro médico e
a pessoa que sofria era uma senhora muito querida, por mim e por ele. Disse-me
somente: “Médico, motorista e polícia não tem hora”. Ri. Assim fomos juntos,
estrada afora conversando, pois ele é excelente (entre outras coisas) para
conversar. Depois do atendimento, me trouxe em casa.
Devo acrescentar que além de ser uma pessoa bem agradável Marcone
é motorista de uma das vans que fazem a linha Vale do Capão – Seabra. Como todos
os dias vai a Palmeiras ou Seabra e como é pessoa bondosa o povo lhe pede
inúmeros favores e ele faz tudo com uma boa vontade que dá gosto.
Ele me falou que não anota nada do que pedem. Fiquei surpreso
com isso, porque sei que é uma grande e diversificada quantidade de tarefas. Tem
que comprar medicações, levar recados, fazer depósitos, ir no fórum (quando
isso acontece leva uma calça na sacola, pois só anda de bermuda – veste a calça
resolve o que tem que fazer e tira – esse Marcone é uma figura), comprar coisas
em diversos tipos de lojas... É muita coisa! Perguntei por que não anota. Ele me
respondeu que não quer ficar mal acostumado.
Este diálogo foi bem legal pra mim. Sempre tive péssima
memória para as coisas do dia-a-dia. Há alguns anos resolvi melhora-la, e tenho
conseguido de modo que hoje lembro melhor as coisas do que há 15 anos. O cérebro,
ao contrário do que muitos pensam, precisa de atividade. Tem que ser desafiado.
Muitas vezes alguém diz que não vai gastar neurônios
gravando números telefônicos (isso é bem difícil para mim), ou estudando
determinado assunto. Este é um erro grave. Desafiar o cérebro nunca é “gastar
neurônios”. Os neurônios quando são chamados a vencer um desafio produzem substâncias
neurogênicas que fazem com que eles fiquem mais sadios. Certas ramificações dos
neurônios, chamadas dendritos, se multiplicam e quanto mais dendritos tem um
neurônio, mais capaz e sadio ele é. E quanto mais dendritos, quanto mais
neurônios ativos, menos possibilidade de doenças chamadas de demências (o Alzheimer
é uma delas). Muitos fatores estão relacionados a uma doença, e não podemos
dizer que as demências são resultado de preguiça mental crônica, mas o fato de
não aprender coisas novas, não fazer cálculos, não estudar, não ler, enfim, o
fato de não desafiar o cérebro tem o seu papel.
Com o advento da escrita, e pelo fato de que cada vez mais a
nossa sociedade depende dos registros escritos, fomos ficando dependentes de
agendas, notas, notebooks entre outros meios de fixar fora da nossa mente a
memória das coisas. Tudo isso é útil e maravilhoso, mas devemos tomar cuidado,
como sempre, com o excesso. Já que não é a coisa mais excitante e divertida do
mundo decorar listas telefônicas, podemos desafiar nosso cérebro com o
aprendizado de outra língua, aprender novidades científicas etc.
Aliás, temos outra situação dada pelo progresso. Das
facilidades que o progresso nos trouxe, tais como o automóvel, a televisão, o
computador, telefone, e tantas outras coisas boas, ganhamos a possibilidade de
ter uma vida melhor e mais confortável. Porém o excesso (como sempre) nos faz
deixar de beneficiar o nosso cérebro, pois este adora exercícios físicos. Sim,
além de melhorar a circulação na cabeça, a atividade física estimula o
desenvolvimento dos neurônios e a produção de novos neurônios a partir de
células tronco presentes no encéfalo. Veja que legal!
Bem faz o meu amigo Marcone!
Recebam um abraço dendrítico, de Aureo Augusto.