sexta-feira, 21 de junho de 2013

SÃO JOÃO COM QUARESMEIRAS

Dizer que o mundo está diferente tornou-se um lugar comum, mas o mundo está diferente!

O inverno chegou ao Vale do Capão e compensa nos corações a seca que assolou o mundo nos últimos meses. Os córregos inda não se recuperaram e muitos sequer voltaram a funcionar, mas já podemos divisar a Cachoeira do Batista, bela como a cabeleira branca de uma cigana idosa, roçando o flanco da serra. O frio abranda os humores e encolhe as almas chamando-as ao calor das fogueiras juninas. Tudo está arrumado, bandeirolas e janelas decoradas com cortinas de chita acenando boas-vindas aos que chegam para sentir frio, ouvir música, agradarem-se os olhos das belezas todas, dançar até o dia acordar do sono que não se permitiu, beber quentão a bebida típica da festa do São João.

A novidade é que devido às coisas do tempo e do clima, desta feita juntou-se a Quaresma com o São João. O vale está tomado da beleza das quaresmeiras que povoam o verde onipresente (mesmo na seca atroz que nos afetou) com manchas violáceas e magenta. O chão em vários lugares fica topado de pétalas que criam um jogo aos olhos entre o marrom e a areia e o roxo e o carmim, criando ilusões de movimento que nos remetem aos estados alterados de consciência quando caminhamos ensimesmados nos pensamentos de vida, amor, saudade, alegria, fantasia, planejamentos e poesia. Sim, o Vale do Capão não me desilude a alma que dele espera nada menos que o feérico.

Receba um abraço junino de Aureo Augusto.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

MARCONE DO CAPÃO E OS NEURÔNIOS

Marcone sorriu pra mim e não pude deixar de me lembrar do tremendo corte no nariz que teve há alguns anos, costurei e não ficou marca. Naquele então tinha um homem acompanhando-o e pedi ajuda para a sutura. Mas o tal sujeito que era negro como meu amigo Marcone, de repente ficou amarelo. Então chamei outro que por sorte passava por ali. Esse, pouco depois, de branco ficou azul. O ferido nem estava aí, mas os ajudantes não se aguentaram. Chamei, por fim, uma mulher. Ufa! Finalmente não precisei chamar mais ninguém!

Pois bem, dizia que o meu amigo sorriu pra mim. Sabendo que estou de férias, ele sabia também que naquele momento não tinha outro médico e a pessoa que sofria era uma senhora muito querida, por mim e por ele. Disse-me somente: “Médico, motorista e polícia não tem hora”. Ri. Assim fomos juntos, estrada afora conversando, pois ele é excelente (entre outras coisas) para conversar. Depois do atendimento, me trouxe em casa.
Devo acrescentar que além de ser uma pessoa bem agradável Marcone é motorista de uma das vans que fazem a linha Vale do Capão – Seabra. Como todos os dias vai a Palmeiras ou Seabra e como é pessoa bondosa o povo lhe pede inúmeros favores e ele faz tudo com uma boa vontade que dá gosto.
Ele me falou que não anota nada do que pedem. Fiquei surpreso com isso, porque sei que é uma grande e diversificada quantidade de tarefas. Tem que comprar medicações, levar recados, fazer depósitos, ir no fórum (quando isso acontece leva uma calça na sacola, pois só anda de bermuda – veste a calça resolve o que tem que fazer e tira – esse Marcone é uma figura), comprar coisas em diversos tipos de lojas... É muita coisa! Perguntei por que não anota. Ele me respondeu que não quer ficar mal acostumado.

Este diálogo foi bem legal pra mim. Sempre tive péssima memória para as coisas do dia-a-dia. Há alguns anos resolvi melhora-la, e tenho conseguido de modo que hoje lembro melhor as coisas do que há 15 anos. O cérebro, ao contrário do que muitos pensam, precisa de atividade. Tem que ser desafiado.
Muitas vezes alguém diz que não vai gastar neurônios gravando números telefônicos (isso é bem difícil para mim), ou estudando determinado assunto. Este é um erro grave. Desafiar o cérebro nunca é “gastar neurônios”. Os neurônios quando são chamados a vencer um desafio produzem substâncias neurogênicas que fazem com que eles fiquem mais sadios. Certas ramificações dos neurônios, chamadas dendritos, se multiplicam e quanto mais dendritos tem um neurônio, mais capaz e sadio ele é. E quanto mais dendritos, quanto mais neurônios ativos, menos possibilidade de doenças chamadas de demências (o Alzheimer é uma delas). Muitos fatores estão relacionados a uma doença, e não podemos dizer que as demências são resultado de preguiça mental crônica, mas o fato de não aprender coisas novas, não fazer cálculos, não estudar, não ler, enfim, o fato de não desafiar o cérebro tem o seu papel.

Com o advento da escrita, e pelo fato de que cada vez mais a nossa sociedade depende dos registros escritos, fomos ficando dependentes de agendas, notas, notebooks entre outros meios de fixar fora da nossa mente a memória das coisas. Tudo isso é útil e maravilhoso, mas devemos tomar cuidado, como sempre, com o excesso. Já que não é a coisa mais excitante e divertida do mundo decorar listas telefônicas, podemos desafiar nosso cérebro com o aprendizado de outra língua, aprender novidades científicas etc.

Aliás, temos outra situação dada pelo progresso. Das facilidades que o progresso nos trouxe, tais como o automóvel, a televisão, o computador, telefone, e tantas outras coisas boas, ganhamos a possibilidade de ter uma vida melhor e mais confortável. Porém o excesso (como sempre) nos faz deixar de beneficiar o nosso cérebro, pois este adora exercícios físicos. Sim, além de melhorar a circulação na cabeça, a atividade física estimula o desenvolvimento dos neurônios e a produção de novos neurônios a partir de células tronco presentes no encéfalo. Veja que legal!
Bem faz o meu amigo Marcone!


Recebam um abraço dendrítico, de Aureo Augusto.

sábado, 8 de junho de 2013

FÉRIAS 3 - MAIS COMENTÁRIOS S/O I ENCONTRO NORDESTINO DE PICs EM JUAZEIRO

Esta é a última postagem sobre o Encontro de PICs de Juazeiro. Quero partilhar umas poucas das inúmeras coisas que encontrei ali. Quem leu a última postagem verá que me repito em alguns comentários, mas as pessoas citadas merecem, tenham certeza disso.

A Enfermeira e parteira Suely Carvalho foi de uma propriedade e simplicidade (paradoxalmente) espetacular em suas falas no encontro. Admirável. Tem larga experiência com o parto domiciliar e é uma pena que não seja escutada como deveria. Pouco antes de ir ao Encontro li em jornal de Salvador uma matéria intitulada “Gestante peregrina quatro dias por hospitais em busca de atendimento”. Isso é fruto da hospitalização do parto. Entender o parto como patologia, como algo a ser tratado como doença leva a condutas que cada dia mais vão sobrecarregar o serviço público. O hospital e o domicílio deveriam ser vistos como complementares no atendimento à parturiente, como o que ocorre na Holanda, país que tem o menor índice de infecções puerperais e o maior índice de parto em casa.

Aproveito esta chamada sobre Suely para comentar que as filas enormes que o SUS acumula decorrem da medicalização da vida. Hoje somos chamados a ver cada um dos nossos problemas como passíveis de solução sem nenhum investimento emocional, ativo, pessoal, sem subjetividade. Somos tratados como objetos inertes diante da ação da doença a ser combatida pela intervenção salvadora do profissional da saúde. Urgentemente precisamos repensar o modelo de saúde. Faz-se necessária a adoção real da Estratégia de Saúde da Família em todos os municípios do Brasil e um amplo trabalho nos moldes da Terapia Comunitária do prof. Adalberto Barreto, ou da ação de Celerino Carriconde, como forma de atender a uma necessidade óbvia, mas pouco considerada, que é a participação efetiva do sujeito no seu processo de cura. Não espero que os clientes saibam mais que os médicos (contra-argumento usado frequentemente), mas espero que nós, profissionais da saúde em geral, entendamos que temos no cliente um sujeito com partes materiais (biológicas), dotado de subjetividade e que faz parte de um entorno socioambiental. Do ponto de vista da valorização econômica do médico pode ser útil medicalizar a vida, mas isso com o tempo irá gerar cada vez maior congestionamento dos serviços de saúde, para dizer o mínimo.

Vejam palavras de Celerino Carriconde: 1. “Onde está a palavra está o poder”; 2. “Quem não participa está desempoderado, está doente”; 3. “Não mais revolução para o povo, mas com o povo”. Em uma fala sobre a apropriação do conhecimento pela comunidade. Conheçam este sujeito e vão se admirar dele.

Chorei de emoção com a apresentação da professora Lenice Maia, sobre o trabalho que ela e equipe fazem no Hospital das Clínicas de Recife. As fotos dos pacientes encantados com corais, teatro e música... Os resultados quantificados em gráficos mostrando a recuperação e o conforto dos internados é algo de arrepiar o mais duro dos homens.

A professora Anamélia Franco da UFBa, falou sobre o Bacharelado Interdisciplinar em Saúde (BI). Fiquei com a maior inveja dos estudantes que passam por este curso que, em realidade introduz os jovens (e também os não jovens) em um mundo bem mais amplo do que aquele das estreitezas de uma carreira estrita. O contato com aqueles que são alunos da BI confirma amplamente isso. Tenho certeza que quem cursa BI e depois se dedica à medicina, fisioterapia etc. será profissional que se destacará no cuidado. Aliás Anamélia foi uma das pessoas que se destacaram, mas para mim, não apenas pelo conhecimento e competência, sim também pela cara angelical e ao mesmo tempo traquinas. É especialista em futucar as pessoas para fazê-las se mexer.

O professor Nelson Filice Barros deu um show em sua fala. Sua presença era de tranquilidade e paz enquanto nos conduzia por uma apresentação pelos caminhos do conhecimento das PICs e mostrava até as relações de poder que estão por trás da atitude da sociedade frente às PICs. Queria ver sua fala por escrito, pois não deu para anotar tudo. Excelente!

Sei que estou sendo injusto com outras pessoas que brilharam neste evento em Juazeiro, sob a batuta do brilhante Alexandre Barreto, mas teria que escrever um livro se fosse dizer tudo. Não assisti a nenhuma mesa que possa ter dito “essa não valeu a pena”. Espero que estas poucas linhas para tão grande evento sejam úteis e estimule a quem leia.

Recebam um abraço estimulante de Aureo Augusto.


quinta-feira, 6 de junho de 2013

FÉRIAS 2 - PRIMEIRO ENCONTRO NORDESTINO DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES (PIC)

O encontro aconteceu em Juazeiro, na UNIVASF e foi simplesmente espetacular!!!
Tinha um subtítulo: Pela reconstrução do modelo de cuidado. Fizeram com que até a prática de recepção das pessoas fosse um modelo de cuidado. Alexandre Barreto, da UNIVASF, foi o coordenador do evento e ele e sua equipe merecem elogios e mais elogios. É claro que aconteceram algumas situações problema, mas foram contornadas com grande cuidado, alegria e amor pelo grupo que nos recebeu. Fiquei feliz e devo dizer que aprendi também com os azulzinhos (toda a equipe usava blusas azuis) além de ter aprendido nas oficinas e mesas de debates. Muito bem, muito bom!
Uma pena não ter a possibilidade de dividir-me em inúmeros Aureos para participar de todas as práticas corporais, minicursos e rodas de diálogos. Queria ir pra tudo, mas tive que escolher. Acabei fazendo dança terapia (Rejane Amaral), terapia comunitária (equipe do Dr. A. Barreto) e bioenergética social (Regina Araújo). Havia uma prática corporal que pratiquei por alguns anos com o querido amigo Gian Carlo Coretti, aqui no Capão, o Rio Abierto, mas optei por dança terapia que não conhecia. Amei a vivência que fiz, mas fiquei com um gostinho de querer viver de novo o Rio Abierto, inda mais que quem conduzia era Carmem de Simoni. Mas não dava pra fazer tudo...

Além disso, assisti às rodas de diálogo (também com dificuldade de escolher ante tantas oportunidades de ouro) sobre educação popular, PICs na formação em saúde, parto como experiência amorosa (um retorno às raízes e naturalidade do corpo), que me encantaram. Fiz parte de uma roda de diálogo sobre experiências do manejo da fitoterapia e da medicina natural na atenção primária e de uma mesa sobre histórias do pioneirismo das PICs no Nordeste do Brasil.

Conheci alguns personagens que desde há muito queria conhecer, como Suely Carvalho – parteira que se destaca pelo centramento calmo e pela amorosidade –, Adalberto Barreto (criador da Terapia Comunitária), Anamélia Franco – professora da UFBa – que só posso definir como uma pessoa deliciosamente instigante. Tive a grande oportunidade de finalmente conhecer Celerino Carriconde, um sujeito sempre pronto, disposto, feliz em partilhar conhecimentos em plantas medicinais e alimentação, assuntos em que poucos lhe alcançam.

Ainda assisti a algumas apresentações de trabalhos realizados que me encheram os olhos de lágrimas de emoção. Um deles foi apresentado por uma estudante da UFBa, Camila (acompanhada de Eduarda). O interessante que o trabalho realizado pela equipe que elas duas faziam parte foi o disparador de minha presença no Encontro. Pois me filmaram e a professora Anamélia mandou o filme para os organizadores do evento que, a despeito de minha cara de tabaréu, me convidaram para falar aqui. Ganhei um grande presente.

No último momento algumas pessoas foram homenageadas pelo pioneirismo nas PICs, eu entre elas, e o fechamento teve música, alegria, esperança renovada. O próximo será em Recife nos dias 4 a 7 de junho/2015. Vá! Vamos!
Na próxima postagem quero comentar algumas coisas que me vieram neste Encontro.


Recebam um abraço cuidador de Aureo Augusto.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

FÉRIAS 1: FILME, MORTOS VIVOS e outras coisas

Estou de férias! Estava cansado, necessitava. Agora estou ainda mais cansado, porém bem feliz com as últimas aventuras.
Primeiro fui a São Paulo, para a pré-estreia do documentário PRA LÁ DO MUNDO, dirigido por Roberto Studart, cujo tema é o Vale do Capão. Será lançado no circuito comercial em Salvador em 14/6/13 e em São Paulo em 21/6/13. Fui um dos entrevistados e com Zé Duarte (do Instituto Riachinho) e mais Roberto partilhamos uma mesa de conversa com as pessoas de Sampa. Foi assim que reencontrei pessoas queridas tanto de lá quanto de cá. Reencontrar amigos que não vemos há muito dá uma sensação ao mesmo tempo muito íntima e expansiva. Mesmo quando nos encontramos no mundo virtual, este encontro não se compara à beleza no coração que é abraçar a quem amamos!

 O filme é muito legal, fiquem ligados para assistir, e não deixem de notar a fotografia impecável.

Graças a esta viagem pude rever a bela São Paulo, cidade bem especial para mim. Bonita e cheia de museus, teatros, cinemas, vida cultural exuberante. Uau! Também um lugar para viver aventuras pitorescas. Foi assim que saí um dia a caminhar e me perdi. Fiquei contente, pois a sensação de estar perdido é legal – no dia seguinte me telefonou Taunay Daniel, queridíssimo filósofo, que reside em Campinas e me regalou com uma frase de Fernando Pessoa: “Ninguém nunca se perde, Tudo é caminho e verdade” – e continuei meu périplo. De repente me vi em meio a um lugar onde as pessoas pareciam ter saído daqueles filmes (que nunca assisto, mas vejo as propagandas) de mortos vivos andando a esmo. Um deles se aproximou, me pediu comida e lhe respondi que não tinha, então me pediu dinheiro e lhe falei que tampouco lhe daria dinheiro. Falei numa boa e numa boa ele se retirou. Foi depois deste diálogo que reparei que havia outros e que estavam em péssimo estado. Jogados na calçada, alguns sem sequer um papelão para servir de cama. Notei gente que parecia haver saído de classe social mais abastada. Os olhares perdidos e o desinteresse pela vida eram notáveis. Porém não me senti ameaçado. Retirei-me sem ser perturbado exceto pela sensação presente no espaço da energia de que algo muito estranho ali se passava. Depois me disseram que entrei em uma cracolândia!

Pouco depois, já reencontrado no caminho, fui interpelado por uma simpática jovem que trajava duas tábuas enfeitadas, nas quais colara 4 cadernos. Apresentou-se como recolhedora de histórias. Amei isso. Ela pedia que as pessoas escrevessem histórias em seus cadernos, o que fiz e só então notei que estávamos sendo filmados por um rapaz; devia ser algum projeto artístico. Gostei da ideia. Tomara não se importe que eu a imite algum dia.

Como sempre estar em São Paulo me marca fundo e me traz reflexões.

Depois retornei para Salvador, de onde, 2 dias depois embarquei para o 1º Encontro Nordestino de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, mas isso eu conto daqui a uns dias neste mesmo blog. Esperem um pouco e saberão das maravilhas pelas quais passei por lá.


Recebam um abraço viajante de Aureo Augusto.