quarta-feira, 12 de junho de 2013

MARCONE DO CAPÃO E OS NEURÔNIOS

Marcone sorriu pra mim e não pude deixar de me lembrar do tremendo corte no nariz que teve há alguns anos, costurei e não ficou marca. Naquele então tinha um homem acompanhando-o e pedi ajuda para a sutura. Mas o tal sujeito que era negro como meu amigo Marcone, de repente ficou amarelo. Então chamei outro que por sorte passava por ali. Esse, pouco depois, de branco ficou azul. O ferido nem estava aí, mas os ajudantes não se aguentaram. Chamei, por fim, uma mulher. Ufa! Finalmente não precisei chamar mais ninguém!

Pois bem, dizia que o meu amigo sorriu pra mim. Sabendo que estou de férias, ele sabia também que naquele momento não tinha outro médico e a pessoa que sofria era uma senhora muito querida, por mim e por ele. Disse-me somente: “Médico, motorista e polícia não tem hora”. Ri. Assim fomos juntos, estrada afora conversando, pois ele é excelente (entre outras coisas) para conversar. Depois do atendimento, me trouxe em casa.
Devo acrescentar que além de ser uma pessoa bem agradável Marcone é motorista de uma das vans que fazem a linha Vale do Capão – Seabra. Como todos os dias vai a Palmeiras ou Seabra e como é pessoa bondosa o povo lhe pede inúmeros favores e ele faz tudo com uma boa vontade que dá gosto.
Ele me falou que não anota nada do que pedem. Fiquei surpreso com isso, porque sei que é uma grande e diversificada quantidade de tarefas. Tem que comprar medicações, levar recados, fazer depósitos, ir no fórum (quando isso acontece leva uma calça na sacola, pois só anda de bermuda – veste a calça resolve o que tem que fazer e tira – esse Marcone é uma figura), comprar coisas em diversos tipos de lojas... É muita coisa! Perguntei por que não anota. Ele me respondeu que não quer ficar mal acostumado.

Este diálogo foi bem legal pra mim. Sempre tive péssima memória para as coisas do dia-a-dia. Há alguns anos resolvi melhora-la, e tenho conseguido de modo que hoje lembro melhor as coisas do que há 15 anos. O cérebro, ao contrário do que muitos pensam, precisa de atividade. Tem que ser desafiado.
Muitas vezes alguém diz que não vai gastar neurônios gravando números telefônicos (isso é bem difícil para mim), ou estudando determinado assunto. Este é um erro grave. Desafiar o cérebro nunca é “gastar neurônios”. Os neurônios quando são chamados a vencer um desafio produzem substâncias neurogênicas que fazem com que eles fiquem mais sadios. Certas ramificações dos neurônios, chamadas dendritos, se multiplicam e quanto mais dendritos tem um neurônio, mais capaz e sadio ele é. E quanto mais dendritos, quanto mais neurônios ativos, menos possibilidade de doenças chamadas de demências (o Alzheimer é uma delas). Muitos fatores estão relacionados a uma doença, e não podemos dizer que as demências são resultado de preguiça mental crônica, mas o fato de não aprender coisas novas, não fazer cálculos, não estudar, não ler, enfim, o fato de não desafiar o cérebro tem o seu papel.

Com o advento da escrita, e pelo fato de que cada vez mais a nossa sociedade depende dos registros escritos, fomos ficando dependentes de agendas, notas, notebooks entre outros meios de fixar fora da nossa mente a memória das coisas. Tudo isso é útil e maravilhoso, mas devemos tomar cuidado, como sempre, com o excesso. Já que não é a coisa mais excitante e divertida do mundo decorar listas telefônicas, podemos desafiar nosso cérebro com o aprendizado de outra língua, aprender novidades científicas etc.

Aliás, temos outra situação dada pelo progresso. Das facilidades que o progresso nos trouxe, tais como o automóvel, a televisão, o computador, telefone, e tantas outras coisas boas, ganhamos a possibilidade de ter uma vida melhor e mais confortável. Porém o excesso (como sempre) nos faz deixar de beneficiar o nosso cérebro, pois este adora exercícios físicos. Sim, além de melhorar a circulação na cabeça, a atividade física estimula o desenvolvimento dos neurônios e a produção de novos neurônios a partir de células tronco presentes no encéfalo. Veja que legal!
Bem faz o meu amigo Marcone!


Recebam um abraço dendrítico, de Aureo Augusto.

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