Disse Anaxágoras filósofo de Clazomenes (sec. V a.C.):
Temos ante os olhos um pedaço de pão. Parece pão e nada mais. Se o comemos, se
transforma em pele, carne, ossos, cabelos etc. A matéria mudou de uma coisa a
outra? Isso não é possível. Há, pois, que supor que no pão existe já um sem
número de matérias de que se compõe o corpo humano. Seu pequeníssimo tamanho
nos impede de distingui-las, e só as reconhecemos por seus efeitos. Agora, quem
mobiliza estas partículas e as faz organizar-se de uma ou de outra maneira?
Anaxágoras, embora tenha vivido há mais de 25 séculos atrás
teve uma mente bastante lúcida. A frase dele acima, que suscita mais perguntas
do que entrega respostas, mostra a agudez com que questionava os fenômenos
naturais.
Nos dois séculos anteriores a sociedade grega passou por uma
transformação que iria influir todo o modo de pensar e de ser da humanidade. É
agradável pensar que um país de pequenas dimensões, pouco fértil, pobre em
recursos materiais e com uma população diminuta veio a trazer um extraordinário
contributo para a formação da sociedade humana e, registro, não apenas à fração
ocidental desta humanidade. Os gregos foram formados por um amálgama de raças
que em ondas sucessivas ocuparam o sul da península dos Bálcãs. Pode ser que
isso tenha sido decisivo para sua competência.
A diversidade da formação dos gregos foi algo essencial para
o seu sucesso em determinado momento e talvez o orgulho e a vaidade derivados
deste sucesso tenham contribuído para sua decadência posterior. Aqui, onde
moro, no Vale do Capão, temos uma comunidade aonde aqueles que chegaram aqui na
década de oitenta do século passado logo se misturaram com os locais, que, por
algum atavismo raro, mostrou-se muito abertos para assimilar propostas vindas
de fora. A sociedade culturalmente mestiça que se formou deu origem a um meio
psíquico que tornou o vale, um lugar bastante interessante, fervilhante,
promissor, desafiante, atrativo e outros adjetivos.
Por isso vale estar neste Vale e vale pensar no velho
Anaxágoras. O que será que faz com que pão vire carne e osso? É maravilhoso que
esta comunidade de elementos os mais variados que é o nosso corpo seja também
um organismo, ou seja, um que capaz de autonomia, de auto-organização, de
reconstrução quando ferido, enfim, de poiesis.
Poiesis é uma palavra grega que significa
criação. Dela vem o termo poesia. A poesia da vida na terra é construída com os
corpos dos diversos seres que nela habitamos, inclusive nós, claro. Poiesis é uma característica do mundo
vivo. Os organismos têm a capacidade de criar a si mesmos, então nós somos a
poesia de nós mesmos.
O que você acha de pensar em si como uma poesia? Pense em si
como uma poesia que se desloca no espaço e no tempo, parte de um grande livro
de poemas, que merece de nós mercê, atenção, cuidado, amor prático. E é isso
que somos com cada folha de grama, caracol ou abelha, as poesias se tocam e
maculam o nada, ousando existir.
Recebam um beijo poético em seus corações de Aureo Augusto.