No transporte, nas conversas, na beira da fogueira num
velório, na feira, ou escutando a conversa dos outros, descubro coisas
interessantes deste lugar que tanto amo. Aqui um a seleção de curtas notícias daqui:
1. Enquanto íamos para Palmeiras, D. Lourdes e D. Marilza conversavam
das coisas de antigamente. Lembraram que D. Mariquinha fazia uns tijolinhos de
licurí com rapadura que até hoje ninguém faz igual. Para elas aquele petisco
jamais será igualado, o que é verdade, pois o sabor não é apenas aquele da
coisa, mas também do contexto.
Aliás, apesar de ser um lugar tremendamente remoto, o Vale
do Capão não escapava de modismos que aconteciam em outros lugares: Lourdes
também se lembra de que aqui no Capão houve uma época da língua do “p”.
2. Seu Manoel Messias da Conceição dos Gatos é conhecido por
Hélio que seria o nome escolhido por seus pais para batiza-lo. Ocorre que inda
muito pequeno teve varíola e quase morre. O padre veio batiza-lo encontrando-o
enrolado nas folhas de bananeira, e disse que não poderia chamar-se Hélio e
mudou para Manoel Messias com aquela autoridade que os padres tinham
antigamente. Assim é nos documentos, mas ficou com dois nomes, um do padre e
dos documentos e outro, mais usado, o do povo e dos pais.
O interessante que este negócio de nome no Capão tem suas
coisas interessantes. Conheço duas Sebastianas que não usam o nome: Uma é
Neuzinha (que de inha não tem nada), a outra é Célia. Foram batizadas com nomes
que homenageavam o padroeiro do lugar, porém nunca usam. Outros dois apodados
Sebastião, só são conhecidos por “Tio”. Já com Celina, foi nas consultas que
descobri que seu nome é outro na certidão, mas gosta de Celina e assim ficou
até mesmo para os pais, cuja escolha havia sido outra.
3. D. Sebastiana manteve-se fiel ao nome. É muito idosa,
muito mesmo e, é surda como uma porta, fazer consulta com ela não é fácil,
porque tenho que gritar para que me escute, mas é um doce de pessoa e por isso,
mesmo ficando rouco gosto de vê-la – embora meu sonho seja vê-la com aparelho
auditivo. Vivia só e sua pressão e glicemia estavam no lugar com o uso adequado
de medicações e dieta. Porém, depois que a irmã chegou para viver com ela, a
pressão desregulou. A irmã diz que não comer sal dá anemia. Um claro exemplo de
como as superstições podem interferir negativamente na saúde.
4. O Sr. Manoel Messias do Riacho do Ouro me disse que
antigamente o povo usava folha de embaúba para lavar pratos, pois sai uma
espuminha. Também usavam angico da beira do rio com o mesmo resultado. Ele é
uma figura! Quando comecei no posto ele brigava porque sua pressão nunca ficava
legal apesar de usar os remédios. Com o tempo conquistei-o e mudou a
alimentação. Hoje se alegra com a pressão normal. Outro dia me disse sobre
isso: “Mas também, tô cumeno igual ao doutor”.
5. Duas jovens senhoras aqui do Vale encontraram uma bela
forma de salvar seus casamentos. Não vou poder dizer os nomes delas para evitar
problemas. A primeira se separou do marido porque ele estava bebendo muito, mal
influenciado por um tio e um sobrinho que gostam da farra. O tio inclusive
brigou com ela porque dizia que ela queria mandar nele. Ela se separou dele por
uma semana e depois voltou a pedido do cônjuge. Disse que foi bom porque “ele
agora está igual à manteiga” de tão dócil. A outra também fez o mesmo, ela
disse que também se separou quando o marido “tirou onda”; não sei exatamente o que
significa este “tirou onda”, mas acredito que ele estava querendo mandar demais
nela. O fato é que depois que se viu só ele pediu para ela voltar e se
comportou bem legal desde então. Não estou preconizando o método, mas penso que
o resultado, pelo menos nesses casos, foi um sucesso.
6. D. Eleni, irmã de Deli – um sujeito bem especial aqui do
Capão –, me disse que acha que homem bonito só serve pra enfeite. Quando jovem
marcou um encontro e já estava “arrumada”, que acredito seja algo assim como
bem perto de casar, mas não seguiu adiante porque o cara era muito bonito.
Doutra feita, separada do marido, um mulato lindo quis sair com ela, mas não
aceitou porque era bonito demais. A conversa começou porque ela disse que Tuza,
seu sobrinho, era bonito. Ela também disse que foi embora do Capão (para São
Paulo) porque desde criança tinha fobia de gafanhoto. Abandonou este lugar aos
16 anos. Realmente morria de medo. Ontem viu um e começou a chorar
desesperadamente. Marejou os olhos apenas ao falar do caso.
6. Em dezembro de 2009, Hiandra, uma jovem mãe de dois
filhos, disse uma frase que gostei tanto que guardei: “A gente é sempre alguém
atrás”.
7. E D. Alair disse: “Quem não quer ser velho morra de mal
de 7 dias”.
8. Já Landinha é danada; digna filha de Seu Anísio e D.
Argentina, pessoas bem especiais. Embora seja mãe de muitos filhos, sua cara e
seu sorriso denunciam uma pessoa pronta a fazer traquinagens. Ela é
trabalhadora como poucos. Não corre do serviço, mas é impressionante como gosta
de rir e brincar. Contou-me que quando era criança sua mãe às vezes falava das
coisas que tinha feito de malinagem na infância. Contou que o pai ia bater nela por algo que havia
feito e para se defender fingiu um desmaio. Foi um Deus nos Acuda e a mãe dela
não deixou mais o pai bater, botou algodão com álcool pra ela respirar e ela
fingiu que acordou aos poucos. Aí um dia D. Argentina foi bater nela e ela caiu
no chão com tanto vigor que chegou a doer o osso da bunda, mas a mãe percebeu a
treita e deu-lhe uma boa surra. Ou seja, imitar não vale, tem que ter
criatividade até pra não levar surra.
O Vale do Capão, como qualquer outro lugar do mundo, tem
seus pequenos segredos e o povo daqui é tão pitoresco quanto a bela paisagem.
Às vezes penso que é uma pena que os turistas (ecoturistas, turistas de
aventuras etc.) que aqui aportam não notam a riqueza humana aqui presente e
perdem de conhecer um tesouro do mais alto valor.
Recebam um abraço humano de Aureo Augusto.