Este texto foi primeiramente foi posto em outro blog dedicado às parteiras, há já algum tempo. Agora quero partilhar com vcs:
Diz a Bíblia que o faraó queria matar os recém nascidos hebreus do seu reino. Deu ordem às parteiras do Egito que na medida em que as filhas de Israel parissem, eliminassem seus rebentos. Porém elas não o fizeram, alegando que aquelas mulheres pobres, quando chegava o momento de parir se agachavam e tinham seus filhos sozinhas. Quando elas chegavam já era tarde.
Esta história nos traz dois pontos a considerar:
O primeiro nos fala de como é que se faz para parir melhor. Agachadas as mulheres têm seus filhos com mais facilidade. Mas também nos diz que pode ser que aquelas heróicas parteiras (como são heróicas todas as parteiras de verdade), coligadas com a vida e não com o crime, desobedeceram ao cruel senhor. As parteiras são e sempre foram uma luz para quem dá a luz.
Há muito tempo fui convidado pelo pessoal da Comunidade Taizé em Alagoinhas a participar de um encontro de parteiras. Foi uma experiência tremendamente gratificante para mim, à época ainda jovem (isso mostra que foi há realmente muito tempo). Tínhamos outros profissionais da saúde no encontro e as parteiras estavam um pouco inibidas. Quando chegou minha hora de falar, contei que ali mesmo em Alagoinhas, inda estudante, e trabalhando na maternidade, havia pedido à enfermeira que levasse uma parturiente para a sala de parto. A enfermeira deixou-a por uns instantes para atender a alguns afazeres e demorei-me a chegar na sala porque no caminho tive que matar uma barata e uma gigantesca aranha caranguejeira (foi em outra época, tenho esperança que aquela maternidade esteja muito melhor). Quando cheguei na sala, a mulher estava sobre a mesa de parto, porém de cócoras. Na minha absurda ignorância repreendi-a e fiz com que se deitasse para parir. Ela, até aquele momento, sempre parira em casa, acompanhada por parteiras (que também já haviam parido e sabiam a melhor posição); ademais era lavadeira, destas que ficam acocoradas na beira do rio. Quando mais tarde tomei conhecimento do trabalho de Moisés Pacyornik, Michel Odent, Fredéric Leboyer, entre outros, e mudei radicalmente minha visão de parto, foi que percebi como a ignorância pode se revestir de conhecimento e poder. Quando contei esta história e falei que fazia parto em casa e de cócoras, elas se entusiasmaram e deitaram língua para comentar suas experiências. Aí nós, aqueles que aprenderam nas faculdades, aprendemos também.
Sim, na faculdade nós aprendemos a pensar cientificamente, o que levou a um progresso na medicina realmente extraordinário, mas muitas vezes, ou quase sempre, nos esquecemos que o pensamento científico centra-se no fato de que ignoramos. A palavra ‘científico’, como assinala Karl Popper (in Conjecturas e Refutações), tem sido confundida erroneamente com ‘verdadeiro’. Este epistemólogo nos diz que uma coisa pode ser científica e falsa (ou verdadeira) e pode ser não científica e verdadeira (ou falsa). Mas nós, uma vez que rotulamos como científico, uma vez que entendemos que uma determinada premissa atende aos rituais analíticos deve ser vista como verdade. E nem notamos que após novos estudos aquela verdade deve ser revista. Poucos são honestos e responsáveis como o Dr. Caldeiro y Barcia, notável obstetra uruguaio que descobriu a vantagem da amniotomia no aceleramento do trabalho de parto, divulgou seus resultados (no que foi celebrado), mas que depois anunciou que embora acelere o parto, a amniotomia aumenta a possibilidade de sofrimento fetal. Este obstetra sabe que ciência é uma construção perene, nunca um edifício acabado. Por isso, nós, aqueles que freqüentamos a universidade devemos escutar às parteiras e suas inúmeras experiências com o mesmo sentido e cuidado com que elas nos escutam (pois tenho visto elas nos escutarem atentas).
As parteiras tradicionais navegam na perenidade de sua experiência. Elas têm sobre os obstetras (principalmente os machos) a grande vantagem de que, regra geral, já pariram. Por outro lado, sua formação é muito íntima. Vivem com suas mestras, labutam com elas diuturnamente em sua tarefa. Quase sempre uma parteira tradicional foi chamada a labutar nesta seara, por necessidade da comunidade somada a ter alguma relação com uma outra parteira, que pode ter sido sua mãe, tia ou avó. É uma formação continuada com a passagem da informação boca/ouvido e observação dos atos no momento mesmo de sua execução. Uma iniciação.
Tais conhecimentos tradicionais são obviamente passíveis de melhoria. O pensamento científico pode contribuir significativamente na melhoria do trabalho das parteiras e, na via inversa, nós, médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, devemos aprender de suas vivências. Mas entendam, não apenas aquilo que represente técnica adotável em uma linha de pensamento racionalista. Isso é importante, mas há algo mais: Há uma maneira de associar os fenômenos, de entender as coisas. Foucault comenta algo assim (in Microfísica do Poder), que temos em nosso mundo duas maneiras de buscar a verdade, uma, aquela cartesiana que vai cercando a realidade através exaustivos experimentos, e outra com distinta conformação ritual, que tocaia a verdade pela intuição e acessa a ela por meio da identificação. Não entende o objeto de estudo como a parte e sim como sendo o observador e observado algo único. A sociedade humana evoluiu muito quando resolveu estudar o objeto como algo à parte, mas hoje percebemos que o método merece ser apoiado por outro onde sujeito e objeto se imiscuem. As parteiras são um bom exemplo disso. E podem nos ajudar nisso. Até porque conquanto possam ser vistas como objetos de estudos, a parturiente não tem nada de objeto, elas são sujeito do processo.
Recebam um abraço recém nascido de Aureo Augusto
Meu caro doutor.
ResponderExcluirNa minha opinião, lugar de parteiro é junto ao um médico obstetra.
Nasci de um parto domiciliar e somente depois que o doutô chegou, o saudoso Dr. Tourinho, foi que eu consegui sair de dentro de mainha, a fórceps.
A parteira simplesmente "lavou as mãos" e disse que meu painho buscasse o médico.
Fui enfa, trabalhei em obstetrícia e vi algumas dezenas de partos. Muitos feitos por parteiras mas todos os complicados foram socorridos pelos médicos.
E me arrepiei com a história da barata e da aranha caranguejeira. Nossaaaaaa.....cheguei a ter contrações uterinas....embora seja histerect.....rsrsrs
Receba um abraço dedetizado.
Jussiara
Desconhecia esta afurmação de Popper, mas é algo que cientistas nunca deveriam deixar sair da mente. Ciência é procura, a verdade pode ser encontrada por vários caminhos.
ResponderExcluirE mais uma vez verifica-se a sabedoria popular sobrepondo-se à sabedoria erudita.
Só uma pequenina observação: A desculpa bíblica das parteiras não foi orientação de Moisés, de vez que não tinha nascido.
_Abraço.
A estraordinária enfermeira obstetra Meire Galvão propugna que os médicos assumam a realidade de que os médicos não estão mais mto dispostos a fazer parto. Por isso uma idéia legal é deixar pra intervirem justo qdo a coisa não dê certo. Repare Jussiara: os médicos hoje em dia não têm tempo de ficar horas e horas esperando que as mulheres venham a ter parto normal. E o que acontece é que logo fazem cesárea. Precisamos de mais enfermeiras e enfermeiros obstetras para cuidarem do fisiológico.
ResponderExcluirTesco, Popper afirma isso in Conjecturas e Refutações, um livro absolutamente delicioso.
abraço
Na verdade, o certo mesmo é parir normal. Eu é que optei pela cesa eletiva por medo do parto, da dor, sei lá. Acho que eu tive medo de ser maltratada por enfas despreparada ou algum plantonista mal amado.rsrsrr
ResponderExcluirEntão bancamos as minhas cesáreas eletivas embora o meu primeiro nenen tenha nascido de 4 kg e eu na época, era um palito de tão magra.
Abraços cheio de ocitocina natural...