sexta-feira, 27 de maio de 2016

PARA QUEM O ENTÊRRO

Hoje, após o sepultamento de minha mãe – muito emocionante dada a capacidade que ela tinha de mobilizar afetos em quem a conhecesse – uma de minhas filhas comentava comigo o quanto havia sido agradável ouvir das pessoas, seja em conversas privadas, seja em declarações lançadas aos ouvidos de todos, durante o velório, casos, notícias, agradecimentos àquela de quem nos despedíamos.

Para mim também foi maravilhoso e emocionante escutar tanta coisa linda, sabendo eu que não se tratava de palavras anunciadas como num bazar de politicagem e sim enviadas do imo de quem as pronunciava. A marca da singularidade de minha mãe ali estava pautada. Uma mulher cujos defeitos eram o pobre, parco, fraco marco que contribuíam para o luzir de sua bondade, bom humor, simplicidade entre tantas outras maravilhas humanas presentes em sua maneira de habitar o mundo.
E olhando toda aquela gente, parentes, amigos, uns que nunca vi, mas que manifestavam sua intimidade com ela por exemplos indicativos, outros cuja presença era constante em sua casa, me dei conta de que a cerimônia do enterro, não é para os mortos e sim para os vivos.

Claro que me refiro aos enterros onde as pessoas vão porque se sentem motivados a tanto e não porque são obrigados para atender a demandas da política, ou da sociedade, mas que não atendem ao coração. Percebo que, embora tratando-se de uma regra assentada em consuetudinária instituição, congrega aos amantes e amados de uma dada pessoa. Todos aqueles que dela auferiram algum tipo de graça (sorrisos, bondades, conselhos, exemplos...) e que agora vêm-se vazios da sua fonte.
Vazios daquela fonte reafirmam ali a glória que é fazer parte de uma família – não apenas aquela dos laços de consanguinidade, mas também a família constituída pelo amor/amizade ao outro – e que nessa família são bem-vindos.

Naquele momento os órfãos se abraçam auferindo uns dos outros, força, afeto, suporte psicológico, para seguirem em suas vidas, faltas da pessoa ausente, mas lembradas da herança presente agora vivida com ares de eternidade.

Frente à onipresença da Morte, a indelével certeza de que virá (ou aqui já está), nos reunimos e testemunhamos entre nós a perpetuidade da vida, não aquela pessoal, habitáculo da personalidade, mas a que se estende no tempo alimentada por gerações perecíveis. Ensinamo-nos que a experiência da vida será transferida exemplarmente apesar da temporalidade da existência.


Em 27/5/16 um abraço saudoso.

2 comentários:

  1. Parece paradoxal, Áureo, mas tenho que lhe dar parabéns!
    A morte, geralmente, é encarada como uma desdita, mas não o é.
    É obrigatório perceber o sistema como 'uma grande reciclagem',
    pois a economia cósmica abomina o desperdício.
    Evidentemente, a essência do ser humano ´imortal,
    assim, o reencontro das pessoas, após a travessia do 'portal'
    denominado morte, é algo inevitável.
    Abraço afirmativo.

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