sexta-feira, 3 de julho de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 2

CONTRA AZIA
“O sol
Espatifou-se no mar
Foi noite pra todo lado!”
Nildão
Penso que ainda não nos demos conta do real valor da poesia. Talvez seja conveniente esclarecer o que é poesia aqui, neste opúsculo. Quando, em determinados momentos estabelecemos um estado de consciência onde estamos identificados com um objeto de observação seja ele um elemento do mundo ou de nós mesmos, estamos em estado de poesia e podemos ou não manifesta-lo sob a forma de um poema, texto em prosa ou outras formas de arte. Para mim o estado poético é uma conexão saudável e profunda, situação imprescindível para o nosso bem estar. Poesia implica ‘desalienação’. Para estar em poesia faz-se necessária uma atenção, uma consciência e/ou uma identificação com algo que tanto pode estar fora quanto dentro. Isso implica que poesia é diferente de análise e, mesmo quando a poesia é bem ‘intelectual’, aquele que a fez não percebeu que enquanto produzia ‘desidentificou-se’ do ego, esqueceu deste si superficial e mergulhou no trabalho, tornando-se um com o mesmo. Em outras palavras mergulhou na contemplação, outro aspecto da poesia. Deve ser por isso que um humorista baiano muito arguto colocou como título de um de seus livros: “Poesia, Remédio Contra Azia”. Não é tarefa dos poetas, nem dos humoristas e muito menos dos humoristas poetas (como Nildão) explicar cientificamente as coisas. A poesia como muitas piadas comungam desta característica: Não se propõe a explicar nem a definir tudo, mas de uma maneira incógnita define e explica senão tudo, mas muito do tudo ou de um assunto. O próprio título do livro é perfeito. Azia, explica a ciência, é um sintoma decorrente do aumento da produção de ácidos no estômago com concomitante redução do muco protetor do mesmo (este muco impede a ação dos próprios ácidos sobre as células que revestem internamente o estômago), decorrente de um desequilíbrio dos mecanismos de controle do sistema nervoso central. Isso acontece no mais das vezes quando estamos alienados de nós mesmos, graças a nossas reações às pressões da vida cotidiana e pode resultar em gastrites e úlceras gástricas e duodenais. A influência das emoções desequilibradas (devidas a sensações onde impera o sentimento de não conexão sadia com o mundo) sobre a mucosa digestiva é de muito conhecida. O psicanalista Angel Garma lembra que durante a Segunda Guerra Mundial observou-se que a incidência de úlceras nos habitantes da Londres sob bombardeio foi muito mais alta do que em tempos de paz. Hans Seyle , o grande estudioso do estresse, nos mostra que tendemos a nos adaptar às situações, mas os excessos de hostilidade ou de reações à submissão são bastante lesivos ao organismo. Quando em uma situação nova reagimos intensamente contra aquela situação, como os bombardeados de Londres, o organismo sofre. Já quando contemplamos nós aceitamos. Claro que nem sempre é possível aceitar, muitas vezes há que lutar; mas se na vida permanecemos coligados apenas com a não aceitação (reativos) perdemos o equilíbrio. Daí, “poesia contra azia”. Não é desejável nem praticável afastar-se de tudo o que nos agasta na vida, daí que o sistema gástrico pode sofrer se não cuidamos também de fortalecer aquilo que nos faz sentir parte de uma totalidade, como a poesia.
Além da inegável proteção contra azia, a poesia (e a piada) pode nos ajudar a perceber diferente, ver o mundo com outros olhos tão reais quanto os olhos da análise. De outro livro (Colíricas – Nildão em Gotas) tiro uns versos que merecem atenção:
“De uma coisa / estejamos certos: / quem tem vida interior / desconhece desertos”.

5 comentários:

  1. Lindo, muito lindo! Texto como esse nos ajuda a enxergar a vida de outros ângulos, que tanto no dia a dia a gente esquece.
    Maria José

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  2. Parabéns pelo blog amigo irmão Aureo, adorei os assuntos e claro os textos.
    Deus te ilumine
    Maria José

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  3. Finalmente vc conseguiu uma maneira de estar perto de mim, mesmo entando tao longe. Estou sempre por aqui e cada dia que termino de ler algo teu, fico mais feliz em te conhecer.

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  4. Eu é que sou grato a vcs pela leitura. Não penso que sou um grande escritor, mas sou um escritor e escrita é arte. Arte só é completa uma vez vista, lida, degustada... Na medida em que vcs lêem o meu trabalho se completa.
    Um abraço carinhoso.

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  5. Degustei cada palavra, mas, me deparei com uma frase que traduziu um estado de espirito próprios aos poetas: "estar em estado de poesia". Assim é você.
    Gostei muito dos textos sobre medicina, nos faz entender as burradas que deliberadamente cometemos.
    Abraços e parabéns!
    Roza Rôla

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