segunda-feira, 21 de abril de 2014

MATAR RISO SISO ALEGRIA, QUAL A OPÇÃO?

Recebi a notícia de uma mulher que foi obrigada a fazer cesárea e fiquei chocado. Sentei-me pra conversar um pouco com Mariane Riani sobre o assunto. Esse “sentei-me” é uma ironia, porque estávamos a 450 km de distância um do outro. Essa é uma beleza da tecnologia. Podemos conversar por e-mail, fb, WatsApp etc. rapidinho e barato apesar das distâncias. A tecnologia tem seu lado mágico!

Infelizmente o avanço tecnológico não coincide com o avanço ético. Em nossa sociedade a ética está bem atrás haja vista o uso dos conhecimentos científicos para concretização de tremendas barbaridades. A bioética (uma reação ao barbarismo científico) surgiu quando se descobriu as experiências que os americanos faziam com pacientes negros para ver a evolução de doenças como sífilis, sem que eles soubessem, bem como outras onde os soldados comuns eram expostos inadvertidamente à radiação atômica. Pelo bem da ciência e do conhecimento pessoas morreram em condições atrozes. Nesse exato momento, no Japão, pessoas estão sendo arrebanhadas para trabalhar na limpeza da usina de Fukushima, sem saber que em breve terão diversas formas de câncer – pelo bem do lucro! Estes são alguns exemplos. A magia tem seu lado perverso!

Acho curioso que algumas pessoas achem que se existem extraterrestres e sendo eles tecnologicamente muito superiores deverão ser mais éticos. Será? Pode ser que queiram nos testar em laboratórios, usar-nos como cobaias, ou, até tratar-nos como gado e fazer-nos de alimento. Não tem gente que come carne de preá, cotia, onça, arara, bunda de tanajura? Então porque os extraterrestres não comeriam coisas como nós?

Esta falta de conexão entre ética e técnica pode nos levar a condutas como obrigar uma mulher a sofrer cesárea sem que isso seja necessário e contra sua vontade. Mas a conversa com Mariane desencadeou-se por conta da retirada de um vídeo lindo, de uma mulher parindo feliz e risonha, da página do PARIR porque foi denunciada por nudez. Comentamos que fica difícil crer que seja por nudez e sim porque incomoda a felicidade e a alegria expostas no vídeo. O PARIR se manifestou sobre isso em um texto publicado em sua página no facebook e não vou repetir, porém na conversa encontramos outros significados e um deles passo a comentar:

A civilização humana a partir de certo momento parece que resolveu enveredar por um caminho afim com a morte. Freud dizia que temos uma pulsão de vida e uma pulsão de morte. Ocorreu-nos naquela conversa que optamos pela segunda pulsão.

Diz Riane Eisler (in O Cálice e a Espada) que a partir das invasões kurganas e semíticas que instalaram a sociedade patriarcal começamos a dar maior valor a tecnologias de destruição (como a construção de armas) do que a tecnologias voltadas para a vida (como a confecção de cestos). Os soldados passaram a ser mais importantes que os agricultores, por exemplo. E se criou toda uma ideologia, mitologia, religião afirmando o valor da agressividade, da violência. Lembremos a nossa história, tem sido uma série de atrocidades. Os imperadores chineses massacrando seus adversários, transportando povos de um lugar para outro a seu bel prazer, escravizando. Não foram diferentes dos astecas ou dos assírios e romanos. Para os gregos, tão cultores da filosofia, a guerra era uma atividade nobre e concomitantemente as mulheres tinham que ficar em um lugar específico da casa chamado gineceu. Nas sociedades cultoras da violência, engravidar e parir só faziam sentido enquanto produtoras de soldados. Atividades que melhorassem as condições de vida das pessoas em geral tendiam a ser alijadas da condição de preferenciais nos programas de governo.

O interessante é que quanto mais nos identificamos enquanto civilização (todas as civilizações humanas) mais obrigamos às mulheres a uma posição de subserviência, de ausência de autonomia. Claro que em algumas sociedades mais do que em outras. No Japão Tokugawa a vida da mulher era bem restrita; já entre os celtas as mulheres tinham mais liberdade, mas onde quer que seja a tendência era que os valores associados ao feminino tivessem menos valor.

Esta afinidade guerreira não produziu apenas desastres. Com isso o ser humano conseguiu “estômago” para praticar dissecações, por exemplo, de cadáveres, e assim ter maiores conhecimentos de anatomia. A ciência (e, consequentemente, os seres humanos) progrediu, na medida em que conseguimos certo grau de distância do objeto de estudo, possibilitando uma abordagem isenta (claro que isso foi positivo por um lado e péssimo por outro, mas isso é outra história). Ou seja, algo de bom veio, porém o prejuízo para as relações intra humanidade e da humanidade com o entorno é incalculável e se não mudarmos isso de imediato há risco sério de que levemos a cabo a destruição do planeta (e de nós).
Urge uma conduta onde possamos reconhecer e incluir o de positivo que o patriarcado nos trouxe, mas que possa romper com o paradoxo de querer viver matando, crescer aniquilando os parceiros existenciais, existir à parte de todo o demais, considerar mais valorizável a dor que a alegria.

Naquela interessante conversa intuímos que o grande passo que cada um de nós pode dar individualmente é investir na alegria já que talvez a frase mais relacionada ao pensamento exclusivista, patriarcal e misógino seja: “Muito riso é sinal de pouco siso”. Quando todos nós sabemos que os sérios políticos e governantes sisudos têm sido infinitamente mais devastadores, cruéis, assassinos, corruptos e corruptores do que os palhaços, os humoristas e as pessoas de riso fácil e feliz.

Quando nós, humanos comuns, nos deixamos levar pelo mau humor, pela irritação, frequentemente fruto do fato de que nos levamos mais a sério do que deveríamos, facilmente nos alinhamos com a segregação e logo encontramos lá fora os culpados pela nossa irritação. Não nego que existam razões externas que nos causem justa revolta, mas frequentemente elas não passam de desculpa para o nosso hábito mental de nos vincular à dor, e ao mau humor.
Um ponto importante é que facilmente, e como corolário do nosso hábito mental doentio, tendemos a afastar a responsabilidade da alegria. Chegamos a verbalizar que em tal ou qual lugar ficamos felizes porque longe das responsabilidades. Esta é uma armadilha. Claro que as férias são uma necessidade, exatamente para estarmos um pouco longe das responsabilidades, mas responsabilidade é condição natural e agradável da humanidade. E jamais é antônimo de alegria.

A alegria só será possível, no tempo, na medida em que nos responsabilizamos por nossas próprias decisões. Afinal foram nossas decisões erradas que fizeram com que o mundo corra risco de desaparecer e as relações estão tão problemáticas; não há como fugir da responsabilidade que não passa da resposta do Mundo a nossas decisões e condutas, por isso devemos abençoar nossa vida pelo riso bondoso e pela alegria.


Recebam um abraço alegre de Aureo Augusto.

4 comentários:

  1. Meu caro doutor.

    O que temos visto, na verdade, é uma enxurrada de mulheres parindo............na calçada. Isso mesmo. Diante de maternidades trancadas a sete chaves. Total desumanização e respeito à parturiente e o bebê.

    Pq não se tras de volta o parto domiciliar? PARA A CLASSE POBRE. Isso. Um sistema de atendimento de parto domiciliar aonde uma equipe preparada estimule o parto normal. Mas bancado pelo governo, uma espécie de SUS. `Pq, mais riscos do que o que essas mulheres estão correndo, o parto domiciliar poderia sim, ser uma opção digamos, mais digna.

    O sonho de uma parcela dessas mulheres, especialmente essas, que parem ao deus dará, é fazer uma cesárea eletiva. Acredite em mim, amigo Aureo, elas querem sim, fazer uma cesárea. Sabe por que? Porque a cesa eletiva, em gestante saudável e bebês idem, englobo o atendimento profissional da escolha dela, o acolhimento, a familia ao lado, o marido de juntinho, o hospital escolhido, enfim. Eu sempre bato nessa tecla. Não adiante crucificar a cesarea eletiva, objeto da ira do movimento pró parto normal humanizado, se não se consegue humanizar quem não tem acesso a um atendimento de ponta.

    Uma filha de amiga minha, pariu lindamente em sua casa. PONTO. Mas gastou o olho da cara. Foi opção dela, primigesta, PD e ela foi respeitada por isso e conseguiu. Pagou e teve o parto dos sonhos. Outras optam pelo pacote cesa eletiva por motivos diferentes porém iguais: vão virar mãe e amarão seus filhos da mesma forma, salvo uma parcela de mulheres que não tem vocação para ser mãe e não importa o tipo do parto.

    Eu vejo uma verdadeira guerra de raiva para quem opta por cesa eletiva. E cada dia mais, o número dela aumenta JUSTAMENTE pelo medo de se ter um parto desumanizado.

    Aqui próximo ao vilarejo, ano passado uma mãe morreu. Primigesta, bebê giga e pós termo. Penou, tentou, implorou mas o "aguarde a hora" desencadeou um parto com sérios problemas e ambos faleceram. Ela quis muito ter feito uma cesárea mas lhe foi negado esse direito e todos os outros pois foi maltratado no seu parto mortal.

    Eu li sobre esta mãe que foi levada a força para fazer a cesárea. Ela está viva e o nenen idem e deve estar remoendo este ato que para ela, foi cruel. Achei muito radical, sim. Mas....quando eu vejo ela e o filho vivos, ela pode sim, tentar um parto vaginal na proxima gravidez.

    E vamos respeitar as escolhas. Informação é tudo. E eu até gosto quando o obstetra fala logo que não faz parto normal porque dá uma chance da mulher fugir dele.

    Eu só não aceito mentiras, enganações assim como, deixar uma mulher parir na calçada ou pior, deixar uma mulher morrer, simplesmente pq não quiseram fazer a cesárea salvadora.

    Uma abraço humanizado

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    1. Querida,
      apenas um reparo em seus comentários em mtos aspectos bem pertinentes.
      Vc coloca que a cesárea eletiva é objeto de ira daqueles que lutam pelo parto domiciliar; sei que existem fanáticos, mas aqui no Vale do Capão, temos um grupo que trabalha com isso e não há este clima. Assim não é bom generalizar.
      bjs

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  2. Caro amigo.

    Eu fui trucidada na época das minhas escolhas, com frases e atitudes que tentavam me diminuir, não como mãe, mas como mulher, como fêmea. E os narizes torcidos e outras coisas mais.

    Fico feliz em saber no Capão seja diferente.

    Respeito e respeito, sempre é bom se respeitar as escolhas CONTANTO que as mesmas não ponham em riscos a vida de ninguem. Neste caso, cabe uma atitude mais severa, eu penso. Talvez tenha sido esse, o caso dessa mãe que foi colocada a força em uma mesa de cirurgia.

    Deve ter sido uma experiencia ruim mas o nenen dela está viva.

    O o contrario tb deve ser repudiado. Dias atras, uma sobrinha deu à luz. Cesárea eletiva, como a maioria está optando mas........ela trocou de obstetra na última semana de gravidez. Não pela cesárea mas pelo bem estar do nenen. A primeira obstetra quis tirar o nenen com 38 semana, tendo atitudes irrresponsaveis e ela não aceitou. Fez sua cesa com 41 semanas e tudo deu certo. Ela e o nenen estão ótimos. E na visita deles no hospital Aliança, eu fiquei ate triste. Um nenen recém nascido, no berçario, sendo observado por todos que passavam, no berço aquecido e ele estava agoniado, ah sei lá....senti dó. Nessa hora eu pensei: nada como ter os filhos em nossos lares aonde a gente acolhe e não há esta exposição. Daí eu lembrei que não se faz cesas a domicílias...*rindo*

    Ah, eu não generalizei. Apenas citei a minha opinião, o meu olhar, o meu foco bem como, as parideiras de plantão, não titubeiam em nos atacar.

    Abraços partidos (tanto pode ser uma cesárea como uma episio)

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    1. abraço querida.
      A doença frequentemente se não sempre tem algum tipo de excesso. O fanatismo é uma doença.
      bjs

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