sexta-feira, 7 de agosto de 2009

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 7

CAPINANDO CÁLCIO
D. Francisca gosta de cuidar da roça e se aborrece com sua filha porque esta tenta impedi-la de trabalhar na horta alegando sua idade avançada. A filha não percebeu que a senhora, apesar da idade está muito bem. As pessoas idosas muitas vezes são tratadas como se fossem bem mais frágeis do que em realidade são. Mas agora não quero ‘conversar’ sobre isso, deixo para um outro momento. Hoje quero assinalar que aquela senhora está bem porque em toda a sua vida não deixou de fazer exercício.
O Vale do Capão, onde resido, é um lugar impressionantemente belo. Porém a vida das pessoas aqui, no passado, não era tão bela assim. Quando aqui cheguei notei que havia pobreza e mesmo miséria, apesar da aparente fertilidade do lugar. Beleza e fertilidade não necessariamente caminham juntas. O deserto de Atacama, nos Andes, é tão belo quanto um jardim zen, e, também o lugar mais árido da Terra. Este vale do Capão não tem nada de deserto, mas nem tudo que aqui medrava era agradável, como qualquer lugar do mundo, diga-se. Mas, é claro, o contraste sempre torna as coisas mais evidentes, daí beleza e pobreza evidenciavam-se mutuamente. Como as pessoas não dispunham de condições financeiras para uma vida confortável, como havia muita chuva, muito frio, o povo não tinha outra saída senão andar, trabalhar muito em muitos serviços pesados e a alimentação era frugal (porque não havia outro jeito) embora não ideal. Claro que as condições de vida cobravam seu preço e a mortalidade infantil era muito alta, assim como havia razão de sobra para afirmar o ditado de que “a mulher quando engravidava estava com um pé na cova”. Mas, como comentava, estas mesmas condições, obrigando as pessoas a muita atividade física lhes melhorava a circulação, o tônus, fortalecia o sistema imunológico e (de interesse especial para as mulheres), aumentava a resistência óssea, reduzindo a possibilidade de osteoporose.
As principais células dos nossos ossos são os osteoblastos (construtores de ossos) e os osteoclastos (destruidores de ossos). O esqueleto, apesar de sua aparência estática está permanentemente em transformação, pois os osteoclastos vão destruindo-o pouco a pouco, sem, contudo acontecer de ele ser corroído totalmente, porque os osteoblastos os vão seguindo e reconstruindo aquilo que foi destruído. Enquanto estamos crescendo há uma predominância de osteoblastos; já na maturidade os osteoclastos predominam, e os ossos enfraquecem. Acontece que todas as vezes que os músculos se contraem, e tanto o fazem com mais força mais isso é efetivo, eles pressionam os ossos com os quais se relacionam, e tal pressão estimula o osteoblasto a trabalhar mais e mais, construindo e calcificando o osso. Por isso nos lugares onde as mulheres têm uma vida mais ativa, cheia de atividades há menos possibilidade de osteoporose.
Mas, e as mulheres do Vale do Capão? Antigamente o trabalho árduo, na roça (capinando, roçando, catando e batendo o café), na cozinha (catar e rachar lenha não é um trabalho suave), no lavar louça e roupa na beira do rio, nas longas caminhadas até Palmeiras para a feira (seis horas de ida e outra tanto na volta) contribuía para a calcificação, mas agora, raramente alguém vai a pé para a feira, cada vez mais temos fogões a gás, as máquinas de lavar pululam... Longe de mim propor uma volta ao idílico passado que só é interessante, romântico, belo para quem não o viveu. Porém se não tomarmos cuidado sofreremos. O ser humano foi elaborado levando-se em consideração o fato de que teria que caminhar muito, subir, trepar, abaixar, levantar-se, descer, exercitar-se enfim. Os confortos nos facilitam o ócio e este pode nos ajudar a criar novos mundos, mas também pode atolar-nos em um estado onde percamos consistência, literalmente, perdendo cálcio. E o pior é que com as facilidades modernas alimentos como açúcar e outros produtos refinados, inimigos do cálcio tornaram-se facilmente disponíveis; D. Francisca só recentemente conheceu refrigerantes (e gostou), já os jovens estão saturados deles e o ácido fosfórico aí presente trará conseqüências no futuro, e não serão boas. Aqui neste micro-mundo que é o Capão, teremos contato com o lado negativo do progresso, mas aí, no mundo imenso onde a maioria dos leitores está, já temos exemplos claros de alguns desastres provocados pelo excesso de conforto. Urge mudar.
Daqui, desta manhã fria lhes mando um grande abraço.

3 comentários:

  1. Muito bacana o texto, ótimas idéias. Meu nome é Lucas Elian, estive no Capão agora em Julho.
    Estudo medicina em Teresópolis e concordo plenamente que o homem não foi criado para a vida que, atualmente, vem levando.
    A hipertensão é o exemplo mais clássico desse jogo de não adaptação.
    Grande abraço, adorei o blog!

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  2. Interessante.

    Seu blog é uma viagem aos saberes da medicina perfeita e você escreve com as tintas poéticas da sensibilidade de quem vive "in natura", as suas experiências.

    Parabens e continue nos agraciando com os seus saberes.

    Um abraço

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  3. Lucas, foi uma pena que não pudemos conversar sobre medicina. Sou formado há 30 anos e até hoje não me acostumei com alguns aspectos que se pretende inserir no modus operandi da medicina. Penso que os jovens podem fazer mto por uma prática mais afim com o humanismo. Qdo voltar conversamos mais, por enquanto, podemos usar este meio e-mail.
    Um abraço.
    Jussiara, vc tem contato com o povo simples e sabe que esta gente sabe mta coisa, da vida, dos modos de encarar as dificuldades etc. Fico grato com a sua presença por aqui.
    Um abraço

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