quinta-feira, 8 de outubro de 2009

OS TIGRES E OS MORANGOS DO MONGE

O sol vertical transforma em pó qualquer dos muitos caminhos deste Vale. A onipresença da poeira é tristeza para as donas de casa, mas, não nego, gosto de ver o pó levantar à passagem de pés ou rodas. Havia um sujeito, um monge zen, que vivia muito longe daqui do Vale do Capão, era da China. Não sei bem porque me vem esta história quando estou pensando neste calorzão que se dá neste momento em que o mundo pede chuva, mas, enfim, vamos lá: O tal monge, caminhando em um bosque, deu de cara com um tigre. Considerando que ainda não era o momento de abandonar o veículo corpóreo (ainda não se iluminara), deitou a correr e nessa caiu em um despenhadeiro. Por sorte e agilidade conseguiu segurar-se em uma raiz e não se arrebentou lá embaixo. O tigre que o perseguia ficou lá em cima olhando triste pela perda do almoço. Mas a raiz foi aos poucos cedendo e logo o monge cairia. Para ele isso não era grande problema, talvez escapasse, um pouco estropiado, porém livre da fera.
Porém, para seu desespero descobriu que outro tigre o espreitava embaixo do despenhadeiro. Naquele momento, quando a situação estava neste trânsito terrível notou que ao alcance da mão havia um pé de morango carregadinho. Não pensou duas vezes e começou a saborear as deliciosas frutas. Coisa de monge zen...
Pensando bem, o fato é que o cara estava em uma situação na qual o usufruto do morango não representava melhora nem piora. Já que vou morrer que morra feliz! Lembro de uma mulher aqui do Vale do Capão, Landinha, que, viúva, sustentava a filharada com muito trabalho. Sabia eu das suas agruras de labuta diuturna. Um dia surpreso (?) encontrei-a no forró quinzenal daqui do Capão. Pensei que ela, com tantos problemas, ali estava se divertindo como se a vida só lhe houvesse dado grandes alegrias. Depois vi que minha surpresa era um despropósito, pois aqueles momentos de diversão tinham o papel de amenizar-lhe os cansaços. Não fosse à dança e acrescentaria mais uma desalegria a sua vida dura. Aliás, a realidade é que no trabalho sempre estava contente. Ria e brincava muito, embora, registre-se, sem deixar de lado a responsabilidade. Landinha nem nunca ouviu falar nessa coisa de zen, mas algo disso ela aprendeu. Landinha estava entre dois tigres, mas saboreava o morango.
Nem sempre é fácil. Alguém poderá até dizer que os problemas da minha amiga eram não tão grandes. Coisa nenhuma! Eu sei que ela tinha uma vida que poucos agüentariam. Por merecimento hoje está bem melhor, casada com um sujeito gente boa, que, por acaso, atraiu-se por ela justo pelo sorriso de lado a lado e pela alegria marota. Deixasse ela de lado o forró e mourejaria sem brilho até o presente.
De monge falta-me quase tudo; não tenho esta competência para a disciplina rigorosa, preces, meditações, posturas e coisas que tais, mas devo reconhecer que aquele lá dos tigres sabia das coisas. O desafio é, guardadas as proporções, incluir aquela competência em nossa vida cotidiana.

Para mim é um prazer poder partilhar com você estes pensamentos; receba um abraço,
Aureo Augusto

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