quinta-feira, 29 de outubro de 2009

AYRÃ SEM MEDO

Ayrã chegou no posto e procurou a avó, Marilza, auxiliar de enfermagem, e perguntou se eu estava atendendo. Com a resposta positiva ele novamente perguntou se ela poderia “encaixar” ele entre as consultas. Escutei as risadas lá fora, com a pergunta dele. Logo ele estava sentado a minha frente, dizendo que não precisava a presença da avó na consulta apesar de contar apenas 8 anos. Conversamos animadamente e depois negociamos o tratamento. Ele não gosta de tomar remédios porque não lhe agrada o sabor, mas o mesmo acontece com os chás ou xaropes. Vai daí que tivemos que descobrir quais são as folhas cujo sabor eram mais aceitáveis – escolhemos hortelã e pitanga – depois consegui acrescentar limão. Entre mel e rapadura, optou pela última e por fim foi a discussão quanto à quantidade de gotas de extrato de própoles. Definimos por 9 – ele não quis 10 de jeito nenhum. Para mim foi muito divertida a consulta e depois, a negociação; no final saiu com a orientação do chá e do gargarejo, feliz porque pôde discutir comigo de igual para igual.
Admiram-me estas crianças de hoje em dia, com seu destempero, sua falta de medo ao lidar com o adulto. No caso de Ayrã ainda temos o fato de que sua avó, que o ama muito, trabalha no posto, local que visita com freqüência. Porém, ficou surpreso com os pequenos que aqui chegam. Com a claridade com que me olham, nos olhos, perguntam, informam... A filha de Ivone, com 11 meses, fez uma que quase me fez cair o queixo sobre a mesa: Estava a mãe descrevendo os problemas pelos quais trouxera a criança. Fui perguntando para entender, mas em dado momento entrou por detalhes da própria vida, sua relação com os pais e até do espaço físico de sua casa. Até certo ponto incentivei isso porque encontrei que tinha a ver com os problemas da criança. Em dado momento dispus-me a interromper para retornar ao fio, mas em um átimo, peguei a lapiseira e fiz um pequeno esboço do rosto da criancinha que me olhava com muita ternura. Não demorei nem um minuto, bem menos, portanto, não era uma coisa muito bem feita. Então fiz outras perguntas à mãe e seguimos a conversa quando a menina apontou para o desenho e disse em alto e bom som o próprio nome: Ana. Como fazia quando olhava no espelho. Ficamos a mãe e eu parados sem acreditar. Então ela olhando pra mim e sorrindo repetiu: Ana.
Outro dia uma criança de 5 meses foi trazida pela mãe. Quando me aproximei com o estetoscópio ela rapidamente pegou o aparelho de minha mão. Eu já estava com a parte superior no ouvido e ela pegou apenas aquela parte circular que encosta-se à área a ser auscultada. Imaginei que fosse brincar, levar à boca, coisas deste tipo. Não. Ela pegou o aparelho e colocou-o sobre o próprio tórax. Então auscultei e pedi para colocar em outro lugar, e em outro, e por aí foi. Quando fui passar às costas ela me entregou para que eu pudesse fazer.
Observo também que elas, as crianças já não se sentem mais tão ameaçadas com os estranhos. Não são todas e nem sempre, porém com freqüência. Admiro-me. Alguém dirá que tem a ver com a televisão que onipresenciou-se em nossas vidas. A influência ocorre inegável. Mas e quando aqui não tinha luz elétrica? Logo que aqui cheguei as crianças eram muito retraídas, mas em pouco tempo a mudança manifestou-se e logo tinha uns pequerruchos se mostrando. O mundo está mudando e não é só no clima.
Agora me lembrei de uma criança lá de Salvador. Tinha seis anos e eu estava no consultório lendo quando bateu à porta. Abri e aquela bolinha terna perguntou-me: Você é o médico que não dá injeção? Disse que não, então ela perguntou: Você quer ser meu médico? A menina havia escutado em uma casa próxima sua mãe conversando com minha irmã sobre coisas de medicina natural. Nem pensou duas vezes. A boa notícia é que não mais precisou tomar injeção.
Um abraço, Aureo Augusto.

2 comentários:

  1. Prezado, Dr. Áureo.

    Agora todos os dias eu visito o seu blog *risos*
    Talvez ao ler os seus posts, eu me conecte com a vida mais natural, mais simples, mais e muito mais saudável........ou então pq eu volto no tempo, quando eu fui Enfermeira na minha cidadezinha do Recôncavo, a minha querida Nazaré das Farinhas.

    Seus posts são vibrantes,coerentes, cheios de histórias e estórias, ricos em detalhes (amo detalhes)e traz até nós a vida palpável de quem ainda pode morar em lugarejos deliciososo como Capão.

    Acabei de ler um delicioso livro, Sob o Sol de Toscana, aonde a escritora descreve com poesia singela, a saga de ter uma casa de campo em um lugarejo perdido na Itália. Ela é americana e o livro é baseado em sua vida real. Lindo demais.

    E voltando a este seu post sobre a evolução das crianças, eu concordo plenamente. Os rebentos não são mais os mesmo e temos a impressão que já nascem sabendo um monte de coisas. Acredito em Vida Espiritual, Reencarnação e talvez esteja aí a explicação.

    E com um médico como o senhor, aí no Capão, é sinal que estes rebentos já nasceram evoluídos para terem este direito. Coisa rara encontrar um doutor assim, nos tempos atuais.

    Muita Luz!!

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  2. VC não sabe como gosto de ver seus comentários. Em certa medida vivemos coisas semelhantes. Vc no mar eu no ar da montanha.
    Sim, os cabritos pequenos estão se mostrando bem mais evoluídos que nós. Tomara não os estraguemos.
    Um beijo,
    Aureo Augusto

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