Tenho pensado muito sobre a complexidade que é a saúde e a vida. Caso você tenha interesse em saber mais sobre complexidade, para além do dicionário, leia Introdução ao Pensamento Complexo de Edgar Morin, que é um cara muito agradável de ler. Aliás, Morin consegue ser profundo sendo agradável, coisa nem sempre fácil de encontrar. Em medicina este pensamento tem prosperado e isso traz benefícios para todos nós. No Io Encontro de Profissionais de ESF do Vale do Capão (2008), o Dr. Manoel Afonso, cardiologista, trouxe para aqueles que tiveram a sorte de participar, informações que havia coligido em um, à época, recente congresso de que participara cujo tema era a Hipertensão Arterial Essencial. Ele nos explicou que era um anacronismo tratar a hipertensão como uma enfermidade com respostas simples às medicações. Começou sua fala registrando a necessidade de uma assertiva intervenção na alimentação das pessoas com o problema. Seguiu comentando que certas medicações devem ter seu uso revisto levando-se em conta o fato que elas funcionam conforme as condições orgânicas. Ou seja, embora no laboratório ou nos ratos o efeito esteja comprovado, no organismo desta ou daquela pessoa os efeitos não são necessariamente garantidos. Tome-se o exemplo do Captopril, cujo funcionamento pode deixar a desejar quando usado em afro-descendentes ou em idosos.
E as medicações são coisas muito simples quando as comparamos com os alimentos. Tomemos o caso do leite.
Este alimento tem sido visto desde há algum tempo como essencial para consumo humano. O interessante é que este não é um costume ancestral entre nós. Poucas populações se habituaram ao leite in natura até o século XIX. Porém nos dois últimos séculos passou a ser considerado indispensável e disseminou-se o seu uso. Um dos argumentos é a presença de proteínas de alto valor biológico e de cálcio, mineral muito importante para o desenvolvimento ósseo, além da vitamina D, que tem papel importante no aproveitamento do cálcio pelo organismo. No entanto, olvidou-se que na realidade o leite pode ser uma armadilha. Há algum tempo li na revista da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) um artigo (infelizmente perdi o nome do autor) uma pesquisa mostrando a grande incidência no Brasil de intolerância à lactose. Esta substância é um dissacárido, ou seja, um açúcar formado por dois açúcares simples (glicose e galactose). Para que possa ser absorvido pelo organismo deverá sofrer uma quebra e os açúcares simples são então captados pelas células do intestino delgado (no jejuno-íleo) e passam para o sangue. Apenas 10% dos brasileiros adultos têm a enzima capaz de quebrar a lactose. Isto faz com que ela não seja absorvida e chega inteira ao intestino grosso, alimentando bactérias aí existentes e alterando o equilíbrio osmótico provocando o surgimento de gases e irritação das paredes intestinais. Em alguns o quadro é bem sério e pode levar à hospitalização, mas na maioria das pessoas o problema segue surdamente e o prejuízo não é notado, mas mina a saúde. Em alguns países africanos a situação é mais séria, pois 99% das pessoas não toleram o leite. Na África, salvo engano, apenas os Masai (salvo engano) apresentam um quadro genético que lhes garante a tolerância à lactose e, portanto, podem consumir leite. Já os povos nórdicos, como os escandinavos, holandeses, ingleses etc. apresentam um quadro de apenas 10% de intolerância.
Vale observar que o leite tem outros aspectos que o tornam pouco recomendado. Por ser bastante alcalino estimula a produção de ácidos no estômago o que o torna inadequado para portadores de gastrites ou úlceras. Também alcaliniza o intestino grosso, órgão que para funcionar bem tem que ser um pouco ácido, daí o leite contribui para a obstipação (prisão de ventre), causa ou fator coadjuvante em graves problemas de saúde . No leite temos duas proteínas importantes, a caseína e a lactoalbumina. O leite de vaca tem uma proporção muito maior da primeira (ao contrário do leite materno onde a lactoalbumina predomina). A caseína quando se coagula (em presença do ácido do estômago) o faz em grumos grandes e grosseiros o que dificulta sua digestão, este é um dos motivos pelos quais as crianças não devem tomar leite de vaca. Mais recentemente o Dr. Raphaël Nogier, publicou suas pesquisas relacionando o consumo de leite e laticínios com enfermidades da mulher, tais como corrimentos vaginais e tumores das mamas . O livro que traz farto material merece ser lido cuidadosa e criticamente. Representa um importante alerta contra o consumo indiscriminado de leite e derivados. Aliás, reforça as conclusões de um brasileiro, o Dr. Raul Barcellos . Os autores trazem diversas informações sobre o como o alimento, graças a sua fórmula de carboidratos, gorduras, proteínas e açúcares, acaba por nos prejudicar mais do que trazer benefícios.
Apesar disso, sabemos que alguns povos que tinham o iogurte como forte componente da dieta apresentavam grande longevidade e saúde, destacando-se os Hunzas dos Himalaias e os georgianos do Cáucaso. O abandono da dieta tradicional (por influência dos povos europeus), com muitos legumes, frutas e iogurte fez com que a saúde destes povos se reduzisse. A realidade é que o iogurte, ou a coalhada, são bem melhores do que o leite, pois estes são ácidos e estimulam o intestino grosso, corrigindo a prisão de ventre, ademais o cálcio só é bem absorvido em meio ácido, donde no leite in natura a absorção deste mineral é diminuída. A caseína é quebrada em parte pelas bactérias que, além disso, faz por nós o trabalho de reduzir a lactose a suas partes absorvíveis, o que é uma solução para quem tem intolerância à lactose. Mesmo assim, pesquisadores como Barcellos e Nogier fazem restrição ao uso da coalhada e do iogurte.
Penso que isso pode ocorrer, no todo ou em parte, por algo que o Dr. Servan-Schreiber nos traz no seu maravilhoso livro, Anticâncer . Ele nos alerta para o fato de que o exponencial aumento do câncer de mama e também das demais formas de câncer aconteceram após o boom de alimentos depois da Segunda Guerra Mundial, quando o consumo de leite e derivados aumentou muito, mas também aumentou o consumo de carnes, e de produtos industrializados, refinados etc. Observa que o gado passou a alimentar-se artificialmente, usando ração rica em ômega 6, um ácido graxo importante para o nosso organismo, porém capaz de estimular as inflamações em geral (que por sua vez têm seu papel na gênese do câncer). Leite de vacas que comem capim tem muito mais ômega 3 do que ômega 6. Isso acontece com a carne de boi ou de frangos e com os ovos de galinha. Cumpre atentar para estes dados antes de condenar completamente os laticínios ao ostracismo. Atualmente na França alguns criadores estão incluindo na dieta de galinhas, frangos e do gado leiteiro ou de corte, porções de sementes de linhaça; isso tem aumentado o teor de ômega 3, tornando-os mais saudáveis para consumo humano.
Podemos considerar, por fim, que o leite de vaca é inconveniente para nosso consumo (para o bezerro é muito legal), no entanto, a ingesta de coalhada, iogurte, ricota, queijos frescos é recomendável, desde que respeitemos o fato de manter a nossa dieta centrada em frutas, legumes, cereais integrais e leguminosas, tendo os laticínios como complementos, tomando o cuidado de consumir laticínios que provenientes de vacas que comeram capim e não ração. Alguém há de perguntar: Mas como é que vou saber o que a vaca comeu? Quando, há bastante tempo, enveredei pelos caminhos das terapêuticas naturais tudo era muito mais difícil. Ninguém sabia como iria saber de uma grande quantidade de coisas. Hoje, ainda temos dificuldades, mas sabemos, por exemplo, que no Brasil a maioria do gado é criado solto no pasto, enquanto na Europa quase todo ele é criado preso comendo ração. Ponto para nós. Menos uma dificuldade.
Aliás, podemos pensar outra coisa: Já que a semente de linhaça melhora o leite, graças ao ômega 3 aí presente, comecemos a comer sementes de linhaça. Mas, evitemos suplementos concentrados do ômega 3, porque na linhaça não tem só isso, e as outras substância aí presentes contribuem para o seu bom funcionamento. Esta tendência de procurarmos pílulas com produtos maravilhosos ainda nos vai trazer muito prejuízo, porque até aquilo que é antioxidante e combate os radicais livres, pode transformar-se num radical livre quando em excesso, mas isso é conversa para outro dia... Aguarde.
A razão deste texto é informar sobre o leite e seus derivados, alertar para o potencial negativo do seu consumo excessivo, mas também, lembrar que no que respeita a nossa saúde, não existem vilões absolutos nem panacéias.
Em 21/2/10, Aureo Augusto.
Referências bibliográficas:
Morin, Edgar, Introdução ao Pensamento Complexo, Publicações Instituto Piaget, Lisboa, 1991.
V. Liberte-se da Prisão de Ventre, Aureo Augusto, Cultrix, São Paulo, 1995.
Nogier, Raphaël, O Leite que Ameaça as Mulheres, Ícone, São Paulo, 1999.
Hirsch, Sonia, A Dieta do Doutor Barcellos Contra o Câncer, Hirsch&Mauad, Rio de Janeiro, 1997.
Servan-Schreiber, David, Anticâncer, Fontanar, Rio de Janeiro, 2008.
Dr. Aureo,
ResponderExcluirA leitura dos livros Anticâncer e O Leite que Ameaçã as Mulheres contribuiram muito para minha reeducação alimentar.Claro que não é nada assim tão simples, tento não apenas ler os livros mas estuda-los pois sinto que estou na contra mão.
Os textos do SR. tem contribuido muito para proporcionar uma melhor qualidade de vida não só para mim, mas para todos que estão ao meu redor, muito obrigada!!!
Grande abraço, Ada.
Ada,
ResponderExcluirGrande é a alegria que sinto ao ver que os escritos têm a possibilidade de representar contribuição para alguém.
E a alegria é maior ao ver que alguém tem procurado estes livros, com o intuito de mudar.
Grato,
Olá Dr Aureo...
ResponderExcluirA todo momento a ciências nos coloca diante de detalhes que podem nos ajudar a obter uma qualidade de vida mais consciente. Dessa forma, é notório que sua matéria só vem a somar. Quando mencionou que a linhaça seria um bom alimento, fiquei apreensiva pois fiquei sabendo que o ômega 6, que contém na linhaça pode destruir neurônios, causando mal de alzheimer, gostaria de saber quais os alimentos que contém o ômega 6. Se puder me esclarecer mais sobre o tema.
Desde já, agradecida.
Sílvia
Olá, Dr. Aureo; É um dilema o consumo do leite. Desde nov de 1989 abdiquei de carnes mas ainda comia peixe. E a partir de março deste ano de 2010 aboli todo e qq resíduo de animal e derivado animal.Fiz as pazes com os animais. E ainda mais depois de 10 sessões de hidrocolonterapia, não tem derivado de leite certo;para sujar meu IG? iogurte, ricota, ovo, mesmo de comelões de 2 e 4 pernas de capim abóbora, flor de mamoeiro...fica difícil. Agora pergunto: diante do seu texto fica complicado. Como naturista convicto, qual a sua posição?
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