Quando se aproxima a data da
festa da Lapa, começa a arrumação do povo para a romaria. Hoje a maior parte
vai de ônibus especialmente fretado para isso. Juntam o dinheiro e procuram os
motoristas que já criaram um esquema muito bem arrumado para o transporte dos
fiéis (têm até carteirinha de chefes de romaria). Há algum tempo eram caminhões
com as pessoas amontoadas na carroceria, parando aqui e ali para comer,
descomer e dormir. Mais antigamente ainda era bem mais pitoresco e cansativo. O
povo do Vale do Capão se preparava com cuidado, porque a viagem duraria mais de
um mês. Saíam a pé, homens, mulheres e crianças, com suas coisas na cabeça ou
no lombo de animais e caminhavam léguas e léguas até chegar ao seu destino. Era
uma verdadeira epopeia, que não deixava a dever ao Caminho de Santiago do qual
tanto se fala.
Embora exaustiva, acredito que
esta caminhada representava para eles um momento onde eram esquecidos todos os
aspectos opressivos do cotidiano. A gente aqui era pobre, muito pobre. Quem garimpava
recebia o ‘saco’ (uma espécie de cesta muito básica) do sócio e partia para a
serra para cavoucar a terra em busca de cascalho promissor. Depois o trabalho
cansativo de manusear o calumbé e as peneiras até, se a sorte e a intuição
resultassem, vir o brilhante reluzir. As mulheres ficavam cuidando da terra e
da criançada. Uma vida dura! Quando decaiu a lavra e o café deixou de trazer
rendimentos seguros restou à maioria dos homens partir para São Paulo, de onde
mandavam dinheiro para o sustento da família, ou desapareciam para sempre sem
dar notícias. Vai daí que mais de um mês experimentando o nomadismo deveria
representar um descanso; um interregno de sonho, onde tudo pode ser bem
aproveitado aos sentidos porque nada será para sempre. Nenhuma rotina!
Descanso caminhando! Sair da
rotina era algo maravilhoso, mas as pessoas daquela época talvez não notassem o
quanto era benéfico o fato de ter que caminhar aquela jornada.
Observo que em lugares do interior as pessoas
fortes, lutadoras, como todas as demais, adoecem, mas não tanto. Mas quando
chega a idade e param, quando deixam os exercícios obrigados da labuta, logo se
enchem de achaques. Aqueles que, por diversas situações, não podem parar,
adoecem menos. Ficando claro que tudo demais é sobra. Ou seja, alguns se
esfalfam tanto no trabalho que terminam adoecendo por isso.
O ser humano, se não foi feito para trabalhar em
excesso, com certeza não o foi também para ficar parado. E somos uma gente
construída para caminhar, e muito. E isso começou com nossos mais remotos
antepassados. Foi um sucesso quando cientistas descobriram pegadas de
Australopitecus afarensis, na região chamada Corno da África. As marcas eram
evidências de que aquele ser caminhava ereto. Como nós. Aliás, não paramos
mais. Tanto é assim que logo seus descendentes, os H. erectus e H. habilis, se
dispersaram por toda a África, Europa e Ásia e, em seu devido tempo o H.
sapiens alcançou a América povoando-a do estreito de Bering à Terra do Fogo. E
tudo isso a pé.
Em certa medida gostamos de desculpas, proteção e
conforto. Porém desculpas frequentemente são formas de impedir que vivamos de
verdade a verdade que é viver. Proteção, coisa tão útil para o nosso
crescimento e mesmo para a manutenção da nossa vida, quando em excesso nos será
prejudicial. Conforto, quem não o quer? Demais, porém, é um dos mais poderosos
venenos. Portanto, caminhemos como fizeram nossos antepassados.
Recebam um abraço caminheiro de Aureo Augusto.