Os incêndios ainda castigavam a Chapada e ao redor do Morro
Branco, a imponente pedra vertical que tenho bem defronte de minha casa, quando
comecei este texto. A turma que labutava na intenção de apagar as chamas se
exauria sem sucesso definitivo. Em um momento parecia que passou, mas no fundo
das profundas fendas que caracterizam a região dormitava o fogo. O dia e o sol
tomavam o céu e as chamas respondiam, lançando-se ao alto e queimando o que
restava do mato ressequido.
Por isso, voltei a tratar do assunto com as mulheres idosas
que participam da ginástica na quarta-feira, no posto de saúde aqui do Vale do
Capão. Mais uma vez elas me alertaram que antigamente não se preocupavam muito
com isso. Pois que o fogo parava na mata. Todos os anos se incendiava os altos
ermos. Os vaqueiros se encarregavam de queimar os Gerais no estio, para que,
logo após a chuva, pudessem trazer o gado para comer o broto novo. O fogo
consumia a vegetação baixa, gramíneas em geral, cujas raízes conservavam a vida
apesar do calor. Mas o incêndio não atingia os locais de mata, pois ali a
humidade garantia a vegetação. Dalva alertou que naquela época chovia mais e a
mata era mais úmida que hoje. O que dava mais segurança.
Porém as outras comentaram que estas queimadas impediam um
excesso de baceiro. Assim chamam o mato morto, folhas secas, que se acumula no
solo. É esse baceiro úmido que segura a onda do fogo na mata, mas na serra,
quanto mais baceiro, mais poderoso é o incêndio e tão forte que pode alcançar
as ramas das árvores, queima-las, às vezes, irremediavelmente. Nestes casos a
recuperação é demorada e difícil.
Um amigo, Emanoel Requião, me contou que uma floresta nos
Estados Unidos que era sumamente preservada, quando pegou fogo acabou. Então
perceberam por lá que pequenos incêndios são bem-vindos! Ele usou uma frase
tocante: “A Chapada é amiga do fogo”. Comentou que certas sementes carecem do
carinho quente para no devido tempo brotar. E isso coincide com o testemunho
das nativas que me disseram que depois do fogo, logo com as primeiras chuvas, a
macela brota lindamente e a produção é maravilhosa. Segundo elas o candombá
(ver post anterior) também brota e flore que é uma beleza. Acrescentam que
certas plantas comestíveis só aparecem nos campos depois que há queima, tais
como a Maria Gondó e o Cariru de Veado.
No trabalho com as idosas ocorreu-nos que a prevenção
possível para estes grandes incêndios é garantir pequenas queimadas com a
supervisão e vigilância dos brigadistas, para eliminar o excesso de baceiro.
Assim não teremos grandes devastações periódicas.
Penso que em se aceitando esta proposta, haverá que fazer um
plantio de espécies nativas ao redor das nascentes com o fito de engrossar a
mata ciliar lá em cima, nos Gerais, para que os córregos e rios estejam mais
protegidos. Desde que por lá ando tenho o sentimento e, mesmo, a sensação, de
que o povo planta que vive bordeando as águas correntes mantêm uma relação
tensa com o radiante elemento fogo, coisa que não devemos esquecer.
Ademais, no criar soluções devemos despir-nos de conceitos
estanques e definitivos (como: o vaqueiro é o vilão porque põe fogo), sem,
contudo, abrir mão da vigilância (como: controlemos e estudemos o real impacto
do fogo do vaqueiro, ou, do fogo no roçado). Podemos avaliar que o fogo do
vaqueiro ou do roçado a longo prazo vai reduzindo a área de mata ciliar, daí
replanta-la.
Já no interior do Vale do Capão há muito baceiro na mata;
será que seria bom reduzi-lo? E esta samambaia de canicho, venenosa, que está
afogando as árvores? Ela não era tão frequente antes, está aumentando e pega
fogo fácil. Será que não é bom reduzir sua presença? Bom, temos muito a pensar
e discutir nesta questão da prevenção de incêndios; gostaria apenas que os
antigos moradores pudessem também dizer o que pensam.
As mulheres me pediram para fechar esta arenga avisando a
todo mundo que o Vale do Capão em si não queimou. Foi doloroso para todos nós
ver as serras em chamas e a fumaça poluindo o vale, mas felizmente nenhuma casa
foi atingida, e o vale em si, segue verde.
Abraço idoso para todos de Aureo Augusto.
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